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[Resenha] O Apocalipse dos Trabalhadores

Maria da Graça e Quitéria são duas amigas que compartilham, além da profissão, a desilusão de uma vida monótona. Elas passam os dias a trabalhar fazendo faxina e, esporadicamente, arrumam bicos como carpideiras, chorando em velórios de desconhecidos. Os descaminhos dessas duas personagens compõem o enredo de O Apocalipse dos Trabalhadores (Biblioteca Azul, 201 páginas), romance de um dos escritores mais relevantes da literatura contemporânea, o português Valter Hugo Mãe.

Com a prosa poética que é sua marca, Hugo Mãe mergulha no cotidiano das duas amigas para trazer uma temática universal e atemporal: o sentido da vida. Vítimas claras da invisibilidade social, Maria da Graça e Quitéria buscam mil subterfúgios para despistar o vazio de uma existência dedicada a sobreviver mais do que a viver.

Maria da Graça é casada com Augusto, que passa longas temporadas longe de casa, a trabalho, mas nunca contribui para as despesas da família. Ambos encaram esses períodos de afastamento como um alívio. Claramente, Augusto aproveita muito mais sua liberdade por contar com o olhar indulgente da sociedade patriarcal em relação aos homens. À Maria, sobram as responsabilidades cotidianas e o peso da imagem de esposa fiel que aguarda o marido trabalhador.

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[Resenha] A Viagem do Elefante

Em 1551, o rei português dom João III, e sua mulher, Catarina d’Áustria, decidiram oferecer um presente inusitado ao arquiduque Maximiliano II, por seu casamento com a filha do imperador Carlos V: um elefante.

A história real do mamífero que saiu de Goa, passou por Portugal, Espanha, Itália, atravessou os Alpes para enfim chegar na Áustria ganha ares de fábula nas mãos de José Saramago, em A Viagem do Elefante (Companhia das Letras, 260 páginas).

Confesso que o enredo, normalmente, não atrairia minha atenção, mesmo sendo uma obra do consagrado autor português, de quem gosto muito, embora ele tenha aparecido pouco aqui no blog. Mas, em um aeroporto, acabei seduzida pela caligrafia de Wagner Moura, que assinou a capa para a edição especial vendida exclusivamente pela Livraria Saraiva.

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[Resenha] Homens Imprudentemente Poéticos

Quando o olhar lírico do escritor português Valter Hugo Mãe encontra a cultura milenar do Japão antigo, o resultado não poderia ser outro senão uma literatura que alcança o mais alto patamar de forma e conteúdo. Homens Imprudentemente Poéticos é um livro que premia o leitor com a beleza da linguagem, ao mesmo tempo em que, sem perder o ritmo narrativo, extrai os encantos e a fealdade da essência humana.

A história se passa em uma aldeia no Japão e, assim como em seu outro romance A Desumanização, cuja trama foi concebida após uma temporada na Islândia, para este livro, Hugo Mãe também imergiu na cultura local. Mais do que inspiração para lugares e personagens, o escritor soube refletir no romance a sabedoria japonesa, especialmente em relação à morte, à natureza e à felicidade.

O artesão de leques Itaro é “um cúmplice da natureza, um certo intérprete” que expressa toda beleza da fauna e da flora na meticulosidade de suas pinturas. Paradoxalmente a essa sensibilidade, Itaro é um homem abatido pela miséria, não apenas de dinheiro, mas principalmente de ternura. Ele tem o dom de ver o futuro no instante exato da morte dos animais. Suas visões sempre trazem destinos cruéis e ele vive encurralado entre o ímpeto da curiosidade, e portanto da vontade de matar, e o assombro da descoberta.

O oleiro Saburo, vizinho de Itaro, é o oposto do artesão. Um poço de amor, pelo menos até a morte da esposa Fuyu, atacada por uma fera misteriosa vinda da montanha. A tragédia já havia sido anunciada por Itaro e, a despeito das tentativas de Saburo para proteger a amada, o presságio se concretiza e endurece, aos poucos, a alma do oleiro:

A sua vontade apenas queria cuidar do mundo. Mas dormia apoquentado com a solidão e o crescente tamanho do amor. O amor, na perda, era tentacular. Uma criatura a expandir, gorda, gorda, gorda. Até tudo em volta ser esse amor sem mais correspondência, sem companhia, sem cura. Que humilhante a solidão do amante. O oleiro disse assim: que humilhante o coração que sobra. O amor deixado sozinho é uma condição doente.

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“o tempo guarda cápsulas indestrutíveis porque, por mais dias que se sucedam, sempre chegamos a um ponto onde voltamos atrás, a um início qualquer, para fazer pela primeira vez alguma coisa que nos vai dilacerar impiedosamente porque nessa cápsula se injecta também a nitidez do quanto amávamos a quem perdemos, a nitidez do seu rosto, que por vezes se perde mas ressurge sempre nessas alturas, até o timbre da sua voz, chamando o nosso nome ou, mais cruel ainda, dizendo que nos ama com um riso incrível pelo qual nos havíamos justificado em mil ocasiões no mundo.”

 

Valter Hugo Mãe em
a máquina de fazer espanhóis

“Não ler, pensei, era como fechar os olhos, fechar os ouvidos, perder sentidos. As pessoas que não liam não tinham sentidos. Andavam como sem ver, sem ouvir, sem falar.”

 

Valter Hugo Mãe em A Desumanização

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