Tag: literatura chilena (página 1 de 2)

[Resenha] Sepulcros de Vaqueiros

Sepulcros de Vaqueros (Alfaguara, 196 páginas, ainda sem tradução para o português) é um deleite para os leitores iniciados na obra do chileno Roberto Bolaño. Com várias referências a outras produções do escritor, as três histórias que compõem essa publicação póstuma – PatriaSepulcros de Vaqueros e Comedia del Horror de Francia – datam dos anos 90 e 2000.

Todas trazem temas caros à escrita de Bolaño – a violência, a ditadura chilena, a América Latina, a juventude, a literatura e a ficção científica. A resistência aos finais definitivos, característica marcante em seus romances, ganha ainda mais força nessas narrativas curtas.

Por serem textos que, provavelmente, ficaram sem conclusão ou foram aprimorados posteriormente em obras de maior fôlego, nas três histórias dessa coletânea, é possível assistir aos bastidores da escrita de um grande autor. Nessas narrativas, embora não se encontre o crème de la crème de sua literatura, desfruta-se um Bolaño mais livre e não menos genial.

Leia mais

“Sabia pouco, mas pelo menos sabia isto: que ninguém fala pelos outros. Que, mesmo que queiramos contar histórias alheias, terminamos sempre contando nossa própria história.”

 

Alejandro Zambra em Formas de Voltar para Casa

[Resenha] O Espírito da Ficção Científica

Dois jovens cheios de sonhos e apaixonados por literatura chegam à Cidade do México e logo se inserem em um círculo de amigos que compartilham seus gostos e também o frenesi da juventude. Nas mãos do escritor chileno Roberto Bolaño, esse enredo, aparentemente banal, ganha contornos originais que anunciam todo potencial de um dos maiores nomes da literatura latino-americana.

Jan, fanático por ficção científica e Remo, por poesia (ambas paixões compartilhadas pelo escritor), partem do Chile rumo ao México prontos para experimentar a liberdade que eles acreditam ser possível apenas a partir de uma vida imersa na literatura. Enquanto Remo não tarda em encontrar empregos que proporcionem não apenas o exercício da escrita, mas também o seu sustento, o amigo Jan parece viver em uma realidade alternativa. Passa os dias encerrado no pequeno quarto que alugaram, escrevendo cartas para seus escritores de ficção científica favoritos e tendo sonhos estranhos com os personagens dos livros que lê.

As vozes de Jan e Remo compõem a narrativa fragmentada de O Espírito da Ficção Científica, que ainda conta com um terceiro “narrador”, se é que assim podem ser chamadas as transcrições soltas de uma entrevista absurda, regada a muito álcool, entre uma jornalista e um escritor premiado.

Os capítulos se alternam sem uma ordem definida: os relatos de Remo se misturam às cartas desvairadas de Jan e aos trechos dessa entrevista nonsense. A linearidade do enredo se apoia nos relatos de Remo desenvolvidos a partir de suas incursões pela Cidade do México e sua convivência com Jan.

A narrativa fragmentada, interrompida é uma marca do escritor chileno. Neste romance, essa justaposição não é tão bem trabalhada como em 2666 ou A Pista de Gelo – produções de um Bolaño mais maduro, que parece ter o controle da história, não importa quantas digressões os personagens façam.

Leia mais

[Resenha] A Pista de Gelo

Uma mesma história conduzida por vários narradores desperta minha admiração. Quando o enredo tem mistério, fico mais encantada ainda, pois o escritor precisa ser muito habilidoso para não se contradizer ou deixar pontas soltas. Essa característica é o segundo motivo pelo qual amei o livro A pista de gelo. O primeiro, bem mais passional, é porque ele foi escrito por Roberto Bolaño, do qual sou fã desde 2011, quando fui arrebatada pela leitura, densa e incrível, de sua obra-prima, 2666.

O romance A pista de gelo é construído a partir de três versões de um mesmo crime, ocorrido em uma cidade da costa espanhola. Cada capítulo é narrado por um destes três personagens: Enric Rosquelles, um empreendedor catalão, arrogante e metido a político, capaz de tudo por uma bela patinadora; Gaspar Heredia, um mexicano que depois de tentar dar certo como poeta acaba como vigilante noturno em um camping; e Remo Morán, um chileno, também com pretensões de escritor, que já transitou por quase todas as profissões e negócios até conseguir estabilidade financeira.

O tom confessional dos capítulos nos aproxima da história. Ora temos a sensação de que estamos em uma daquelas salas de filme policial onde se tomam os depoimentos dos suspeitos, ora nos imaginamos em uma sessão de terapia, na qual os personagens, deitados no divã, nos contam sobre suas vidas. Enric, Gaspar e Remo relatam os fatos que testemunharam ou viveram e parecem, a todo momento, querer se justificar ou se livrar de alguma culpa.

Leia mais

[Resenha] Formas de Voltar para Casa

Sabia pouco, mas pelo menos sabia isto: que ninguém fala pelos outros. Que, mesmo que queiramos contar histórias alheias, terminamos sempre contando nossa própria história.

Para ser bom, um livro não precisa ser grande, ter trama complexa, muitos personagens ou abusar das palavras difíceis. Ele pode ser tão simples quanto Formas de Voltar para Casa, do chileno Alejandro Zambra.

Como diz Alan Pauls na resenha que ocupa a orelha da edição da Cosac Naify (essa da foto), o tom é a grande invenção do Zambra romancista. E ele é baixo. São frases curtas, diretas, mas cheias de sentido e interpretações, como quando, logo na primeira página, o narrador relembra as brigas dos pais. “Ela dizia cinco frases e ele respondia com uma única palavra. Às vezes dizia, cortante: não. Às vezes dizia, à beira de um grito: mentira. E às vezes, inclusive, como os policiais: negativo”. Zambra, que já apareceu por aqui, é fonte quase inesgotável para o Marque a página.

Se o tom é baixo, os sentimentos são sutis, quase sussurrados. O livro começa com as lembranças do terremoto que atingiu o Chile em 1985, noite na qual o narrador, sem nome, conheceu Claudia, “o nome de noventa por cento das mulheres da minha geração”. Ela é um dos tantos “personagens secundários”, título do primeiro capítulo do livro, que teve a vida virada do avesso por um acontecimento que parecia estar fora do presente, de tão longe do dia a dia daquele bairro no subúrbio de Santiago: o golpe que levou Augusto Pinochet ao poder.

Com curiosidade, parecendo se tratar de apenas mais uma brincadeira de criança, o narrador obedece ao pedido dela, três anos mais velha, para que espie seu tio, Raúl. Só vai entender que assim partilhou de algumas das muitas cicatrizes que Claudia leva desse período muitos anos depois. O que ele,  por sua vez, guarda do período mais sombrio da história recente do Chile é, pelo contrário, a falta de marcas indeléveis desses anos. Em outro momento, pensa, em meio a uma conversa com colegas de faculdade, que “era o único que provinha de uma família sem mortos, e essa constatação me encheu de uma estranha amargura: meus amigos tinham crescido lendo os livros que seus pais ou seus irmãos mortos tinham deixado em casa. Mas na minha família não havia mortos nem havia livros”.

Leia mais

Posts mais antigos

© 2024 Achados & Lidos

Desenvolvido por Stephany TiveronInício ↑