Leitor no divã (página 6 de 13)

Nós, leitores, somos seres cheios de manias. Queremos sentir que não estamos sozinhas no mundo com nossas, digamos, peculiaridades. Leia, identifique-se e comente!

[Divã] Leitores ou colecionadores?

Quando a Cosac & Naify anunciou que iria fechar as portas, ficamos tristes por vários motivos. Sentimos como um luto a despedida da editora que, movida pelas paixões do excêntrico Charles Cosac, tinha trazido novos ares para a produção editorial brasileira, com um catálogo que abarcava de clássicos a literatura de vanguarda, passando pelas artes e pela moda, sempre com acabamento impecável.

Mas, para um grupo restrito de leitores, que podemos chamar de colecionadores, o fim da Cosac significou também um futuro de vazios nas estantes. Passariam a ser relíquias as coleções que vínhamos montando há tantos anos, com investimentos consideráveis: Prosa do Mundo, Mulheres Modernistas, Coleção Portátil…

Aproveitamos ao máximo os saldões da Cosac na Amazon e, muito provavelmente, compramos livros em volume suficiente para sustentar a editora por mais um ano, caso Cosac voltasse atrás em sua decisão.

Leia mais

[Divã] Leitores solitários?!

Ler é a expressão da solidão ou uma forma de escapar dela? Desde que começamos o Achados & Lidos, há mais de um ano, venho pensando sobre isso. A comunidade de leitores que encontramos nessa jornada me faz, cada vez mais, achar que a leitura é uma atividade menos solitária do que parece.

Abrir um livro em público pode causar diversos efeitos. O mais comum, infelizmente, ainda são os olhares reprobatórios quanto às habilidades sociais do “solitário leitor”. Quem já experimentou negar um convite para sair porque prefere ficar em casa lendo ou sentou à mesa de um café apenas na companhia de um livro sabe do que falo. Somos vistos como seres antissociais que se escondem atrás das páginas para evitar contato, como este personagem de Alan Pauls, no romance História do Dinheiro:

Levou algo para ler. Gosta desse escudo de arrogante indiferença que os livros interpõem entre ele e o mundo, em especial quando detecta por perto um desses agitadores de filas que bufam, levantam os olhos cansados para o céu, queixam-se buscando cumplicidade (…).

Livros se tornaram sinais de uma solidão requerida. Curioso pensar nisso em tempos em que as pessoas, mesmo acompanhadas, se afundam nas telas de seus smartphones. A experiência proporcionada por um livro me parece bem menos indiferente e arrogante do que a troca vazia proposta pelo mundo virtual. Ainda assim, uma pessoa sozinha com um celular é mais bem aceita socialmente do que um leitor solitário.

Leia mais

[Divã] Histórias da Flip, parte 2

Ela sobe ao palco. É magra, jovem, de vestido com miúdas estampas animais e cabelo curto. Sua figura não nos prepara e nem antecipa a potência do discurso que vem a seguir. A poeta pernambucana Adelaide Ivánova participou da série Fruto Estranho, que convidou autores a fazer intervenções  e performances antes de seis mesas da programação do Auditório  da Matriz, uma das novidades, da Flip  (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2017. Seu texto começou assim:

O problema não é que as pessoas lembrem por meio de fotos, mas que só se lembrem das fotos. Lembrar, cada vez mais, não é recordar a história, e sim ser capaz de evocar uma imagem.

Na foto preto e branco, o corpo de Angela Diniz está de bruços, descalço, de blusa e meia calça, sem a parte de baixo da roupa. Sangue na altura da cabeça. Angela Diniz foi assassinada em 1976 pelo namorado, com três tiros no  rosto e um na nuca.

A foto do corpo de Angela está online.

Ivánova prosseguiu em voz firme, por pouco mais de dez minutos, a relatar minuciosamente feminicídios que ocorreram há poucos ou muito anos, durante o período democrático ou na ditadura, casos célebres e mortes esquecidas pela imprensa, sempre nos lembrando que as fotos desses corpos estão online.

Leia mais

[Divã] Histórias da Flip, parte 1

Quem passou pela rua Comendador José Luiz, no Centro Histórico de Paraty, na tarde de sábado, avistou um amontoado de gente sentado no chão ou parado de pé. A roda se formava em torno de um banco simples de madeira, sobre o qual se encolhia uma figura tímida, de aspecto gracioso e voz serena. Os transeuntes que chegavam até ali, quando não decidiam se juntar ao grupo, davam meia volta para não atrapalhar ou atravessavam a roda apressados, fazendo caretas de desculpas silenciosas pelo incômodo e esticando olhares curiosos sobre aquele palco improvisado. Quem seria aquela mulher?

Aquela mulher era a escritora ruandesa Scholastique Mukasonga, uma sobrevivente da luta fratricida entre os tutsis, sua etnia, e os hutus. A autora se salvou do desfecho trágico dessa guerra, porque conseguiu o exílio, primeiro para o Burundi, depois para a França. Seus pais, irmãos e sobrinhos, no entanto, não tiveram o mesmo destino. Em 1994, Mukasonga perdeu 27 membros de sua família. Nessa época, ela já morava na França, onde as manchetes de jornal anunciavam o que a ONU em pouco tempo confirmaria: um genocídio havia devastado Ruanda. Foram cerca de 800 mil mortos em 100 dias.

Muitos que passaram pela rua de Paraty naquele sábado provavelmente não faziam ideia de quem era Mukasonga. Aliás, antes da Flip, a maioria dos brasileiros não a conhecia. A partir de agora, a expectativa é que a escritora ganhe cada vez mais leitores por aqui: dois dos seus livros acabam de ser lançados em português – A Mulher de Pés Descalços e Nossa Senhora do Nilo.

Leia mais

[Divã] Bagagem literária

Detesto arrumar malas. Mas gosto de um momento específico dessa tarefa: separar os livros que levarei na viagem. Me permito excessos nesse quesito. Tudo que economizo de espaço na seleção das roupas, preencho com livros. Isso porque quando o assunto é literatura, toda minha objetividade se resume a esta bela frase do escritor moçambicano Mia Couto:

O segredo é permitir que as escolhas que a vida nos impõe não nos obriguem a matar a nossa diversidade interior. O melhor nesta vida é poder escolher, mas o mais triste é ter mesmo que escolher.

Na hora da arrumação, quero colocar toda minha diversidade literária interior na mala, rs. Não me apego muito a questões práticas, como por exemplo quantos dias dura o passeio. Gosto de estar preparada para qualquer tipo de imprevisto literário. Levar um livro apenas? Jamais. E se eu não gostar da história?

É preciso pensar que a viagem vai além da estadia. São também as longas esperas e trajetos. Minha paranoia com horários me rende bons períodos de leitura. Sem contar o efeito calmante que os livros têm sobre mim – é bem-vinda qualquer distração para as turbulências do avião ou para o fato de que os ponteiros do relógio não andam quando queremos chegar logo.

Leia mais

Posts mais antigos Post mais recentes

© 2024 Achados & Lidos

Desenvolvido por Stephany TiveronInício ↑