Leitor no divã (página 10 de 13)

Nós, leitores, somos seres cheios de manias. Queremos sentir que não estamos sozinhas no mundo com nossas, digamos, peculiaridades. Leia, identifique-se e comente!

Literatura engajada

Meia-Noite e Vinte, o romance mais recente de Daniel Galera, resume a sensação que temos quase todos os dias ao abrir o jornal: em algum momento na última década, o mundo deu errado (você encontra resenha do livro aqui). O pessimismo dos personagens, especialmente de Aurora, parece crescer na esteira de um período de razoável satisfação que começou a ruir com o ataque às torre gêmeas em 2001.

O fim da história, como Francis Fukuyama uma vez batizou o período pós-guerra fria, não durou muito. O desalento crescente com as catástrofes que parecem cada vez mais iminentes, da excessiva polarização política até ameaças de terrorismo e mudanças climáticas, transparecem no livro de forma clara, sob a forma de violência ou desespero que dominam as ações dos personagens. Em um entrevista recente para o blog Livros Abertos, Daniel Galera falou um pouco sobre a questão:

De um lado, há quebras sucessivas e crescentes daquelas expectativas gestadas no fim do milênio. De outro, a sensação de um excesso de conhecimento, sobretudo científico, a respeito das tendências destrutivas da civilização, mas sem uma capacidade de ação correspondente.

Leia mais

[Escritores] Ian McEwan

A relação da literatura com a realidade foi o tema da palestra de Ian McEwan no Fronteiras do Pensamento, na última quarta-feira, em São Paulo. O escritor britânico, autor de obras de sucesso, como Reparação e Solar, afirmou que o encontro entre esses dois mundos é inevitável:

Todos os romancistas que escrevem ficção estão lidando com a realidade em que vivemos.

McEwan divertiu a plateia com uma série de anedotas sobre mensagens que recebeu de leitores apontando deslizes na acurácia de sua narrativa. A constelação que nunca poderia estar ali, naquele lugar onde a cena se desenrola, àquela época do ano. A troca de marcha do carro que jamais aconteceria, porque aquela linha da Mercedes só trabalha com transmissão automática. O pincel, que em um procedimento cirúrgico real, seria uma esponja. Detalhes não passam despercebidos por quem é especialista no assunto ou apenas atencioso. O leitor sente a necessidade de se identificar com aquilo que lê e o realismo tem um papel fundamental nesse processo.

Leia mais

Longa vida ao papel

Sempre que vou viajar, encaro um dilema. Será que é melhor colocar na mala aquele volume enorme, do qual você acha que finalmente vai tirar a poeira durante os merecidos dias de descanso, ou uma edição de bolso, que pode amassar e é ótima companhia para a beira da piscina? É bastante óbvio que não precisaria passar por essa dúvida se eu fosse adepta de leitores eletrônicos. Por que, então, até hoje não me acostumei com e-books?

O primeiro motivo é que eu trato a minha pequena biblioteca como um tesouro e gosto de tê-la como memória. É um prazer folhear livros já um pouco desgastados e lembrar que aquele volume meio destruído foi companhia diária na minha cabeceira por alguns meses. Ou então abrir, dez anos depois, uma edição de contos do Machado de Assis e lembrar, em um recado, que aquele foi um presente de dois meses de namoro.

Essas memórias, que só podem ser preservadas no mundo físico, nos ajudam a entender a razão pela qual os livros despertam paixões. Temos relações de amor e ódio com personagens e enredos que acabam se estendendo para os volumes físicos (especialmente para os títulos com capas bonitas, admitimos). O mundo digital é impessoal e perecível, com livros sem cheiro, textura.

Leia mais

Da leitura à escrita

Estou lendo Reparação, de Ian McEwan. Ainda não passei da metade do livro, mas o romance já me estimulou a refletir sobre um tema que sempre me instigou – a relação entre a leitura e a escrita.

Briony Tallis, a personagem central da história, é uma pré-adolescente que ambiciona a carreira de escritora. Em várias passagens, McEwan descreve como a necessidade de expressão pelas palavras a invade com uma força incontrolável:

Presa entre o impulso de escrever um relato simples das experiências daquele dia, como num diário, e a ambição de fazer a partir delas algo maior, algo elaborado, autônomo e obscuro, passou vários minutos olhando, de testa franzida para a folha de papel e a citação infantil nela escrita, sem conseguir produzir mais nenhuma palavra. As ações, ela se julgava capaz de relatar direito, e diálogo era o seu forte. Sabia descrever a floresta no inverno e a aspereza do muro de um castelo. Mas o que fazer com os sentimentos?

Desde criança, o hábito da escrita acompanha minha paixão pela leitura. Uma das minhas maiores nostalgias são os diários. Tenho vários da minha infância e pré-adolescência, daqueles ainda com pequenos cadeados e chaves, lembram? Conservo o costume das agendas em papel, para relatar, nem que com breves frases soltas, um pouco dos acontecimentos relevantes do meu dia. A escrita é para mim como a foto é para alguns: uma forma de eternizar lembranças.

Leia mais

O romance no futuro

Como será o romance no futuro? É fácil pensar em descrever o passado, com seus acontecimentos mais lentos, mas às vezes me pego refletindo sobre como os escritores vão retratar tempos hiperconectados, de uso massivo das redes sociais, em que as pessoas substituíram uma parte expressiva da comunicação escrita por mensagens diretas e monossilábicas no celular.

Essa mudança de parâmetro, tal qual tantos outros avanços tecnológicos, começa a se refletir sobre a produção literária atual – já temos vestígios do Facebook em Barba Ensopada de Sangue, embora o narrador prefira justamente ficar fora da rede social – e por certo teremos bons romances ambientados em algum momento dos últimos anos, em que aplicativos substituíram mapas, ligações de telefones públicos deixaram de existir e o desaparecimento de algum personagem é quase impossível. De qualquer forma, é com peso no coração que nos vejo dizer adeus às cartas nos romances.

As missivas foram – e ainda o são, em larga medida – uma ferramenta importante para escritores, como mecanismo para resgate de memórias. Alice Munro usa cartas em diversos contos de Fugitiva, e várias ajudam a resgatar fragmentos do passado, a encaixar um personagem em determinado contexto social ou até mesmo a marcar um vazio, quando os bilhetes não chegam na caixa postal.  

Leia mais

Posts mais antigos Post mais recentes

© 2024 Achados & Lidos

Desenvolvido por Stephany TiveronInício ↑