Autor: Mariane Domingos (página 37 de 43)

“E quero aceitar minha liberdade sem pensar o que muitos acham: que existir é coisa de doido, caso de loucura. Porque parece. Existir não é lógico.”

 

Clarice Lispector em A Hora da Estrela

[Lista] 5 livrarias que valem a visita

Há algum tempo comentei por aqui que ir a livrarias não é, para mim, uma atividade puramente comercial. Sempre presente nos meus roteiros de viagem, o turismo literário já me rendeu ótimos passeios. Por isso, a lista da vez é sobre livrarias que visitei e que recomendo para todos os apaixonados por livros!

1. Shakespeare and Company, em Paris: entrar na Shakespeare é se sentir em uma atmosfera que vive literatura em todas as formas, muito além dos livros. Sua história começou nos anos 20 com a americana expatriada Sylvia Beach. Ela fundou esse espaço que, além de vender e emprestar livros, tinha na lista de frequentadores assíduos grandes nomes da chamada Geração Perdida – Hemingway, Fitzgerald, Pound e Joyce são alguns dos que passavam horas lendo e escrevendo no local. Não à toa, a livraria aparece no filme Meia-noite em Paris, de Woody Allen. Beach fechou as portas durante a ocupação nazista e nunca reabriu o negócio.

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[Resenha] Você Já Teve uma Família?

Para seu romance de estreia, o escritor Bill Clegg escolheu temas bastante comuns na literatura, embora traiçoeiros. Perda, luto e perdão formam uma combinação que tem tudo para render um bom livro, desde que se caminhe a passos firmes na corda bamba que despenca no piegas e na autoajuda. Comecei a leitura de Você Já Teve uma Família? um pouco desconfiada, mas, depois de virar a última página (especialmente esta!), posso dizer que Clegg passou com louvor por esse desafio.

O livro começa com uma perda. June Reid vê seu mundo ruir quando toda a sua família – a filha Lolly, o genro Will, o namorado Luke e o ex-marido Adam – morre em uma explosão causada por um vazamento de gás de cozinha, um dia antes do casamento de sua filha. Ela é a única sobrevivente, porque não estava em casa na hora do incêndio. Neste trecho, Clegg descreve o cenário da tragédia que abateu June:

Lembra que saiu andando da igreja na direção de sua amiga Liz, que estava à espera em seu carro. Lembra como a conversa parou e as pessoas se misturavam e recuavam meio passo para lhe abrir caminho. Ouviu chamarem seu nome – de modo tímido, hesitante –, mas não parou nem se virou para responder. Era uma intocável, sentiu isso profundamente quando chegou ao outro lado do estacionamento. Não por escárnio ou por medo, mas por causa da obscenidade da perda. Era inconsolável, e o caráter total e assombroso daquilo – todos se foram – silenciava até mesmo aqueles mais habituados com as calamidades.

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recuperação da adolescência

é sempre mais difícil
ancorar um navio no espaço

Ana Cristina Cesar em Cenas de Abril


cartilha da cura

As mulheres e as crianças são as primeiras que desistem de afundar navios.

Ana Cristina Cesar em A Teus Pés – Prosa/Poesia

[Resenha] Um Copo de Cólera

Antes de escrever este texto, li duas vezes Um Copo de Cólera. A primeira leitura durou uma semana, dividida em intervalos de outras atividades. Terminei com a sensação de que havia algo no texto que me escapava. A segunda tentativa foi em uma manhã, de forma ininterrupta e em voz alta. As duas experiências me deixaram com uma certeza: o personagem principal do livro de Raduan Nassar, escritor brasileiro recentemente agraciado com o Prêmio Camões, é a linguagem.

A força do vocabulário, milimetricamente escolhido e posicionado, faz dessa obra um daqueles sopros de originalidade da literatura. Não comece a leitura esperando um enredo mirabolante, do tipo que você precisa chegar à última página para unir todas as pontas e assimilar o sentido da história. Nassar significa suas ideias em cada palavra. Não há sequer um trecho supérfluo no livro. Talvez por isso ele não seja extenso – tem apenas 84 páginas. Seria impossível sustentar esse fôlego por muito mais.

A história é narrada por um homem recluso e com ares de “Narciso” – referência ao personagem da mitologia grega que definha admirando sua própria beleza no reflexo de um rio. Depois de uma noite de paixão, à mesa do café da manhã com sua amante, tudo parece seguir um caminho previsível, quando um fato aparentemente banal é o gatilho que coloca em cena outro personagem – a cólera:

… mas meus olhos de repente foram conduzidos, e essas coisas quando acontecem a gente nunca sabe bem qual o demônio e, apesar da neblina, eis que vejo: um rombo na minha cerca viva, ai de mim, amasso e queimo o dedo no cinzeiro, ela não entendendo me perguntou “o que foi?”, mas eu sem responder me joguei aos tropeções escada abaixo (o Bingo, já no pátio, me aguardava eletrizado), e ela atrás de mim quase gritando “mas o que foi?”, e a dona Mariana corrida da cozinha pelo estardalhaço, esbugalhando as lentes grossas, embatucando no alto da escada, pano e panelas da mão, mas eu nem via nada, deixei as duas para trás e desabalei feito louco, e assim que cheguei perto não me aguentei “malditas saúvas filhas da puta”, e pondo mais força tornei a gritar “malditas saúvas filhas da puta”, vendo uns bons palmos de cerca drasticamente rapelados, vendo uns bons palmos de chão forrados de pequenas folhas, é preciso ter sangue de chacareiro para saber o que é isso…

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