Autor: Mariane Domingos (página 28 de 43)

[Lista] 5 livros com narradores marcantes

No Clube do Livro do Achados, estamos lendo Enclausurado, de Ian McEwan. O ponto alto desse romance é, sem dúvida, o irreverente narrador – um feto que testemunha, de seu casulo, o plano de assassinato do pai, arquitetado pela mãe e o amante. Embalada por essa trama, resolvi fazer uma seleção com os melhores narradores que encontrei em minhas leituras.

17.03.02_lista_narradores_barbery1. A Morte do Gourmet, de Muriel Barbery: Pierre Arthens, um famoso crítico de gastronomia, tenta em suas últimas horas de vida, na solidão de seu quarto, relembrar um sabor que o marcou, mas ficou nos limbos da memória.

Ele é apenas um dos narradores desse romance composto por múltiplas vozes – o próprio Pierre e pessoas que o conhecem reconstroem os caminhos desse personagem que sacrificou tudo para viver o prazer da boa mesa.

O texto de Barbery, na voz de Pierre, se destaca pela experiência sensorial que proporciona ao leitor. Sabores, culpas, memórias e aromas encontram a combinação perfeita nas palavras desse narrador:

Vou morrer em quarenta e oito horas – a não ser que esteja morrendo há sessenta e oito anos, e que só hoje tenha me dignado a notar. (…) Que ironia! Depois de decênios de comilança, de torrentes de vinho, bebidas alcóolicas de todo tipo, depois de uma vida na manteiga, no creme, no molho, na fritura, no excesso a toda hora sabiamente orquestrado, minuciosamente paparicado, meus mais fiéis lugares-tenentes, o sr. Fígado e seu acólito, o Estômago, portam-se maravilhosamente bem e é meu coração que me abandona. Morro de insuficiência cardíaca. Que amargura também! Recriminei tanto os outros por não o terem em sua cozinha, em sua arte, que nunca pensei que talvez fosse a mim que ele fizesse falta, esse coração que me trai tão brutalmente, com um desprezo mal disfarçado, tal a rapidez com que se afiou o cutelo…

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[Resenha] O Mar

Quando o passado oprime o presente e se impõe como único caminho possível para o futuro não resta muita saída a não ser a memória. Em O Mar, do premiado escritor irlandês John Banville, Max Morden é um velho historiador de arte que busca na cidade de veraneio de sua juventude o calmante para a angústia que o abateu desde a morte da esposa, Anna.

Banville imprime na narrativa o ritmo oscilante da memória: de um parágrafo a outro, sem preâmbulos, o leitor passa de observador do adolescente Max a espectador do introspectivo viúvo.

Max refugia-se na mesma casa, hoje transformada em uma pensão, onde conheceu, há muitos anos, os gêmeos Chloe e Myles, filhos do exuberante casal Grace. As diferenças sociais – claramente marcadas pelo fato de Max e seus pais se instalarem em um humilde chalé e os Grace, em uma bela casa de aluguel – não impedem que as crianças estabeleçam uma espécie de amizade, ou melhor, um companheirismo de verão.

A paixão platônica e adolescente que Max nutria pela Sra. Grace foi o que o levou a se aproximar dos gêmeos – eles eram seu passaporte de entrada para a casa e para intimidade daquela família. Logo, esse sentimento, tão intenso quanto efêmero, é esquecido e dá lugar a outra paixão.

A memória que Max desperta remete à formação de sua identidade. À medida que a narrativa avança, fica claro que não são apenas lembranças ao léu. Os fatos que ele recorda marcaram, de maneira incontornável, sua existência.

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“Sethe tinha vivido então vinte e oito dias – o trajeto de uma lua inteira – de vida não escrava. (…) Dias de cura, facilidade e conversa de verdade. (…) Todos lhe ensinaram como era acordar de manhã e escolher o que fazer do dia. Foi assim que suportou a espera por Halle. Passo a passo, no 124, na Clareira, junto com os outros, ela recuperou a si mesma. Libertar-se era uma coisa; reclamar a propriedade desse eu libertado era outra.”

 

Toni Morrison em Amada

[Divã] O que você está lendo?

Livro de cabeceira é uma expressão que não funciona para mim. O que tenho mesmo é uma biblioteca de cabeceira. Diariamente, convivo com uma dezena de personagens, viajo de um século a outro e transito entre as mais diferentes realidades.

No último mês, por exemplo, minhas manhãs foram na companhia de Mia Couto e seus ensaios sobre as belezas e as mazelas da África. Pela tarde, eu mergulhava numa trama de assassinato narrada por um feto irreverente. À noite, me transportava para o século XIX para encontrar Os Buddenbrook.

Ler vários livros ao mesmo tempo é um hábito que me acompanha há anos. As causas desse comportamento vão desde explicações psicológicas, como estado de espírito e ansiedade literária, até aspectos mais práticos, como impossibilidade de carregar calhamaços por aí.

O ponto inicial da simultaneidade de leituras é a dificuldade de pegar na estante um só título. Vivo no eterno paradoxo do amor pela variedade e da angústia pela escolha. Quando viajo, nunca levo um só romance, não importa se vou ficar um fim de semana apenas. Meu maior receio é: e se eu não gostar da história? Uma segunda ou terceira opções são fundamentais para apaziguar meu espírito. Em seu ensaio Como se deve ler um livro?, Virginia Woolf, descreveu brilhantemente esse sentimento:

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[Resenha] Os Buddenbrook

Pequena ou grande, barulhenta ou discreta, rica ou pobre – não importa o tipo, uma família é sempre um terreno fértil para uma boa história. Thomas Mann apostou nessa premissa quando, aos 25 anos, em 1900, concluiu seu primeiro romance: Os Buddenbrook – Decadência de uma família.

O clássico da literatura alemã conta a trajetória desse clã entre os anos de 1835 e 1877. A maior parte das 700 páginas foca na terceira geração, formada pelos irmãos Thomas, Antonie, Christian e Klara. Netos de um poderoso comerciante, eles herdam os negócios e a responsabilidade de preservar a glória do sobrenome.

Esse fardo se mostra mais pesado do que parece. Como bem anuncia o subtítulo da obra, não se trata de uma história de final feliz. Ao longo da narrativa, Mann insere alguns elementos que funcionam como um termômetro material das angústias e dos insucessos da família: a placa suntuosa que identifica o prédio da firma, a mansão na Mengstrasse, a fortuna sempre contabilizada de forma tão precisa e o livro de família, uma espécie de diário do clã. Esses sinais são como lembretes do pesado destino que paira sobre os Buddenbrook:

Tomou o diário, folheou-o e, subitamente, ficou absorta pela leitura. O que lia eram, na maioria, coisas simples, que conhecia havia muito tempo, mas cada um dos que as tinham escrito herdara dos seus antecessores um modo de narrar solene e sem exagero; formara-se assim, por instinto e sem propósito, um estilo de crônica em que se expressava o respeito que uma família tinha a si mesma, assim como à tradição e à história, respeito discreto e por isso sumamente cheio de dignidade.

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