Autor: Mariane Domingos (página 27 de 43)

[Resenha] O Último Magnata

Há livros em que os personagens se sobrepõem a história. O Último Magnata, do escritor norte-americano F. Scott Fitzgerald, é um bom exemplo desse tipo de romance. Monroe Stahr, mandachuva do universo glamoroso do cinema e centro da trama, prende a atenção do leitor de tal forma que o enredo torna-se totalmente secundário.

Cecilia, a narradora da história, confessa, logo nas primeiras páginas, ser uma das muitas pessoas que sucumbiram diante do fascínio que Stahr exerce. Ele é sócio de seu pai e a conhece desde que ela era uma garotinha. A diferença de idade não impede que Cecilia nutra uma paixão não correspondida por Stahr.

Pelos olhos dessa narradora tendenciosa, revela-se um personagem ao mesmo tempo imbatível e vulnerável. Stahr é um típico expoente do sonho americano: self-made man, começou de baixo e, com muito trabalho, chegou ao posto de rei de Hollywood. Executivo influente, suas vontades se tornam realidade, sejam elas plausíveis ou não:

Não havia o que questionar ou discutir. Stahr parecia ter razão sempre – não apenas na maior parte do tempo, mas sempre – sob pena de a estrutura vir abaixo, como se fosse de manteiga e derretesse.

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“Não era tanto a pobreza que o derrubava. Mais grave era a riqueza germinada sabe-se lá em que obscuros ninhos. E a indiferença dos poderosos para com a miséria dos irmãos.”

 

Mia Couto em Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra

[Divã] O futuro das livrarias

As últimas semanas foram repletas de notícias bombásticas para os apaixonados por literatura. Infelizmente, as surpresas não foram boas. Primeiro, a crise na Livraria Cultura e a possível fusão com a Saraiva. Depois, os rumores sobre o encerramento das operações da Fnac no país.

O que está acontecendo com o mercado? Que os brasileiros não estão entre os povos que mais leem no mundo, não é novidade para ninguém. Isso, no entanto, não impediu que as grandes livrarias sobrevivessem e até expandissem sua presença no território nacional nas últimas décadas. Crise econômica? Sem dúvida, todos os setores sentem seus efeitos, mas não acredito que ela seja predominante para a situação em questão. Observando meus próprios hábitos de consumo, cheguei à conclusão de que o faturamento das livrarias vem caindo porque o modelo de negócio está se transformando.

Impossível não identificar nesse cenário a presença da Amazon no Brasil. Promoções todos os dias, preços muito mais baixos que os do mercado e agilidade (muita agilidade) na entrega. Sempre que um livro sai da minha lista de desejo para o carrinho, entram pelo menos uns cinco novos. A julgar pelo meu comportamento de consumo, eles lucram em cima da quantidade. Dá pra contar nos dedos as vezes em que comprei na Amazon e não atingi o valor mínimo para não pagar frete. Minha lógica funciona assim: R$ 4,90 no frete? Com mais R$ 5 ou R$ 10 pego um livro do super saldão da Cosac Naify. Um desperdício gastar esse valor em um serviço que pode ser gratuito! E tenho certeza de que não sou a única que pensa assim.

Embora eu tenha comprado muito mais online nos últimos tempos, ainda frequento livrarias e faço compras que me custam, somando ao valor do livro os gastos com deslocamento, em média 40% a mais do que se eu tivesse comprado na Amazon. Por quê?

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[Resenha] O Espírito da Ficção Científica

Dois jovens cheios de sonhos e apaixonados por literatura chegam à Cidade do México e logo se inserem em um círculo de amigos que compartilham seus gostos e também o frenesi da juventude. Nas mãos do escritor chileno Roberto Bolaño, esse enredo, aparentemente banal, ganha contornos originais que anunciam todo potencial de um dos maiores nomes da literatura latino-americana.

Jan, fanático por ficção científica e Remo, por poesia (ambas paixões compartilhadas pelo escritor), partem do Chile rumo ao México prontos para experimentar a liberdade que eles acreditam ser possível apenas a partir de uma vida imersa na literatura. Enquanto Remo não tarda em encontrar empregos que proporcionem não apenas o exercício da escrita, mas também o seu sustento, o amigo Jan parece viver em uma realidade alternativa. Passa os dias encerrado no pequeno quarto que alugaram, escrevendo cartas para seus escritores de ficção científica favoritos e tendo sonhos estranhos com os personagens dos livros que lê.

As vozes de Jan e Remo compõem a narrativa fragmentada de O Espírito da Ficção Científica, que ainda conta com um terceiro “narrador”, se é que assim podem ser chamadas as transcrições soltas de uma entrevista absurda, regada a muito álcool, entre uma jornalista e um escritor premiado.

Os capítulos se alternam sem uma ordem definida: os relatos de Remo se misturam às cartas desvairadas de Jan e aos trechos dessa entrevista nonsense. A linearidade do enredo se apoia nos relatos de Remo desenvolvidos a partir de suas incursões pela Cidade do México e sua convivência com Jan.

A narrativa fragmentada, interrompida é uma marca do escritor chileno. Neste romance, essa justaposição não é tão bem trabalhada como em 2666 ou A Pista de Gelo – produções de um Bolaño mais maduro, que parece ter o controle da história, não importa quantas digressões os personagens façam.

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Ocaso do século

(…)

Quem quis se alegrar com o mundo
depara com uma tarefa
de execução impossível.

A burrice não é cômica.
A sabedoria não é alegre.
A esperança
já não é aquela bela jovem
et cetera, infelizmente.

(…)

 

Wisława Szymborska em [poemas]

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