Autor: Mariane Domingos (página 19 de 43)

[Divã] Livros e memória afetiva

Tenho a impressão de que dentre as pessoas mais importantes da minha vida estão alguns livros.

O escritor português Valter Hugo Mãe disse essa frase durante uma palestra em São Paulo, no ano passado. Concordo totalmente. Os livros guardam mais do que a história dos seus personagens. Como bons amigos, eles carregam um pouco da nossa própria história.

Tenho o hábito de anotar na folha de rosto dos meus livros o mês e o ano em que concluí a leitura – além do registro, é uma forma de controlar minha pilha de não lidos, rs. De vez em quando, gosto de revirar minha estante olhando essas datas.

Apesar da decepção por ver que meu fôlego literário para calhamaços tem diminuído (saudade, vida de estudante), há outros sentimentos que me invadem. Alguns títulos me despertam memórias afetivas de certos períodos da minha vida.

Em março de 2011, terminei a leitura de 2666, de Roberto Bolaño. A obra-prima do escritor chileno é um livro denso, com uma narrativa violenta e perturbadora. Ainda assim é um dos meus romances favoritos. Provavelmente, porque era o que eu precisava naquele momento em que a espera por uma decisão me angustiava. A escrita de Bolaño me acompanhou por meses, preenchendo vazios e marcando minha memória sobre esse romance. Todos que me perguntam sobre 2666 recebem respostas entusiasmadas, seguidas de um “tem que ler!”.

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[Resenha] O Palácio da Memória

Uma, duas, três, quatro, cinco histórias… Quando você se dá conta já está há horas lendo o livro O Palácio da Memória, de Nate DiMeo. Sua narrativa envolvente nos faz passar de um capítulo a outro como se estivéssemos ouvindo um bom amigo contar casos tão interessantes e emblemáticos que até nos questionamos: como demorei tanto tempo para conhecer essa história?

O livro é uma coletânea dos melhores episódios criados e apresentados por DiMeo em um dos podcasts mais conhecidos da atualidade – The Memory Palace. As histórias e os personagens são todos reais: pessoas comuns (ou seriam extraordinárias?) que marcaram a História por sua inteligência, coragem ou determinação, e nem sempre tiveram o devido reconhecimento.

Mesmo nos casos em que o personagem principal é alguém que desfrutou, em vida ou postumamente, da fama, a abordagem de DiMeo não se aproxima do que encontramos nos livros didáticos ou nos jornais. Sua narrativa privilegia o que escapa à História oficial: o cotidiano, o banal, o humano.

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“Logo descobriu que não podia absolutamente mais se mexer. Não se admirou com esse fato, pareceu-lhe antes pouco natural que até agora tivesse conseguido se movimentar com aquelas perninhas finas. No restante sentia-se relativamente confortável.”

 

Franz Kafka em A Metamorfose

[Lista] 5 livros de não ficção

A literatura tem um papel importante na representação da realidade. Se a ficção já cumpre bem esse papel ao trazer tramas e personagens que refletem os dilemas do indivíduo e da sociedade, a não ficção consegue conectar o leitor com seu entorno de maneira ainda mais direta. Como nessa categoria cabem inúmeros gêneros literários e temáticas, a lista de hoje é bastante diversa – de memórias a livro-reportagens, de tragédias a arte.

17.09.11_lista_nao_ficcao_11. A Sangue Frio, de Truman Capote: nesse clássico contemporâneo, o escritor americano inaugurou um novo estilo literário – o romance de não ficção. Obra polêmica justamente por se estruturar sobre a linha tênue da realidade e da ficção, não há dúvida que Capote chacoalhou tanto os conceitos de literatura quanto de jornalismo.

Ele passou seis anos apurando o brutal assassinato da família Clutter, ocorrido em 1959 em uma pequena cidade no Kansas, Estados Unidos. Sem gravador ou bloco de notas, contando apenas com sua memória, Capote conversou com vizinhos da vítima, investigou as circunstâncias do crime e, principalmente, entrevistou os dois assassinos. Em anos de apuração, o autor acabou estabelecendo uma estranha relação de amizade e confiança com os criminosos – fato que, por diversas vezes, colocou em xeque a veracidade de sua narrativa.

A obra-prima de Capote não alcançou o sucesso apenas por essa polêmica. A linguagem irônica, os densos perfis psicológicos dos envolvidos e o exame exaustivo, ora neutro ora apaixonado, da realidade deram origem a um retrato cortante da violência nos Estados Unidos e do lado sombrio do sonho americano:

De que tinham medo? “Pode acontecer de novo.” Com algumas variações, era essa a resposta costumeira. No entanto, uma professora observou: “As pessoas não estariam tão alteradas se isso tivesse acontecido com outros que não os Clutter. Com uma família menos admirada. Menos próspera, menos segura. Mas eles representavam tudo o que as pessoas daqui valorizam e respeitam, e o fato de uma coisa dessas ter acontecido com eles – é o mesmo que alguém dizer que Deus não existe. Dá a impressão de que a vida não tem sentido. Acho que as pessoas não estão apenas assustadas; estão é profundamente deprimidas”.

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[Resenha] Dias de Abandono

Ler Elena Ferrante é mergulhar no turbilhão de sentimentos, nem sempre virtuosos, tampouco compreensíveis, que compõem a natureza humana. Se nos volumes da tetralogia napolitana a escritora já dá mostras dessa habilidade em trechos esparsos cuja precisão e impacto exigem releitura, em Dias de Abandono são 181 páginas dessa prosa avassaladora. O fôlego narrativo de Ferrante é surpreendente: faz o leitor esquecer seu entorno e o transporta para a caótica intimidade de Olga, uma mulher abandonada pelo marido depois de 15 anos de casamento.

O processo de redescoberta da personagem é central no enredo. Todos os estágios do abandono – dos momentos de lucidez aos de irracionalidade completa – são descritos minuciosamente. A narradora em primeira pessoa potencializa a honestidade do relato. A sensação é de que Olga está logo ao lado, confessando despudoradamente todo seu sofrimento.

Em um primeiro momento, ela se força a manter a calma. Apoiando-se na certeza de que a ruptura com Mario é passageira, Olga leva os dias de maneira desatenta, como se colocasse sua vida em suspenso, apenas aguardando o restabelecimento de sua rotina passada. À medida que o tempo avança, a esperança esmorece e dá lugar a uma mistura de raiva, saudade e obsessão.

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