Autor: Mariane Domingos (página 15 de 43)

[Resenha] De Duas, Uma

De Duas, Uma (Editora Todavia, 104 páginas), breve romance do escritor mexicano Daniel Sada, é um sopro de originalidade para literatura latino-americana contemporânea. A partir de uma trama simples e uma linguagem direta, Sada constrói uma narrativa que, enquanto se desenvolve, não abre brechas para divagações, nem dele nem do leitor. Por outro lado, oferece uma infinidade de interpretações quando termina. Não fosse pela ausência de criaturas antropomórficas, o romance se assemelharia bastante ao gênero de fábulas.

As irmãs Gamal, gêmeas idênticas, são habitantes de uma cidadezinha do interior do México, onde trabalham como costureiras e vivem de forma austera, poupando com sabedoria seus rendimentos. Ficaram órfãs ainda jovens e foram cuidadas pela tia Soledad até que alcançassem idade suficiente para tomar as rédeas de seu destino.

A cada dia mais parecidas, Gloria e Constitución levam uma vida sem sobressaltos, encerradas em um universo apenas seu. No ateliê de costura, há uma placa que diz: “SOMOS PROFISSIONAIS OCUPADAS. LIMITE-SE AO QUE LHE DIZ RESPEITO. NÃO VENHA NOS DISTRAIR SEM MOTIVO. ATENCIOSAMENTE, AS IRMÃS GAMAL”.

O conflito começa quando tia Soledad convida as duas para uma festa de casamento da família, segundo ela, uma oportunidade imperdível para arrumar maridos. As gêmeas, não querendo deixar o ateliê abandonado e firmes na ideia de que o que é de uma pertence à outra, decidem que apenas uma delas irá a festa e, caso o pretendente apareça, elas embarcariam juntas nesse relacionamento:

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A máquina do tempo

Se a máquina do tempo nos tritura,
ao mesmo tempo cria imagens novas.
Renascemos em cada criatura
que nos traz do Infinito as boas-novas.

 

Carlos Drummond de Andrade
em Receita de Ano-Novo

[Divã] Retrospectiva literária de 2017

39 livros e contando. Terminei meu 2017 literário muito satisfeita, não só com as 9202 páginas lidas, mas pelos achados, reencontros e experiências que esse ano me proporcionou.

O blog já tem um ano e nove meses de vida e seguimos firmes e fortes, com um ritmo alucinante de publicações. Já tivemos por aqui quase 100 resenhas, 50 listas e 50 textos no Leitor no Divã, além do Marque a Página semanal e do Clube do Livro, que já vai para sua décima edição. Cada texto que publicamos tem em média uma página e meia do Word. Deixo as contas com vocês, porque não sou muito boa nisso, rs, mas sei que é muito conteúdo.

Eu e Tatá tivemos mudanças profissionais em 2017 e confessamos que não foi nada fácil conciliar o blog com as demandas do trabalho. Não foram poucas as semanas em que parecia que não ia dar tempo de terminar a leitura ou escrever o texto. Nossa parceria e o orgulho pelo que construímos aqui manteve aceso nosso compromisso.

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[Resenha] Não Me Abandone Jamais

Em outubro, a Academia Sueca anunciou o escritor nipo-britânico Kazuo Ishiguro como o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura por “seus romances de grande força emocional, que revelaram o abismo sob nossa sensação ilusória de conexão com o mundo”. Se acertaram ou não no prêmio, é uma questão polêmica, mas não há dúvidas de que definiram com acurácia sua obra.

Não Me Abandone Jamais conta a história de três amigos de infância, Kath (a narradora), Ruth e Tommy. Eles cresceram em Hailsham, uma espécie de internato, que, à primeira vista, parece um colégio comum, mas, na verdade, esconde vários mistérios. Aquelas crianças têm algo de especial, que só é revelado a elas, e aos leitores, à medida que a história avança.

Nesse sentido, a narrativa de Ishiguro é um tanto enfadonha. Apenas por volta da página 100, o primeiro grande enigma é revelado. E, diferente de outras obras em que os silêncios e as insinuações formam um sofisticado enredo, nesse caso, não há um quebra-cabeça desafiador, que envolve o leitor. Por vezes, parece que existem apenas pontas soltas e nenhum fio condutor.

Outro aspecto que desabona o texto de Ishiguro é a artificialidade com que ele insiste em organizar as lembranças da narradora. Grandes escritores já se destacaram pela habilidade com que trabalham a memória. No entanto, não é essa destreza que o texto de Ishiguro transparece. Em vez de dar vazão aos fluxos de memória da personagem e encontrar o brilho de sua literatura nesse caos, o autor opta pelo caminho mais seguro e menos original da ordem cronológica. Não são poucos os trechos em que ele lança mão de deixas como esta:

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“Assim como ninguém lhe ensinaria um dia a morrer: na certa morreria um dia como se antes tivesse estudado de cor a representação do papel de estrela. Pois na hora da morte a pessoa se torna brilhante estrela de cinema, é o instante de glória de cada um e é quando como no canto coral se ouvem agudos sibilantes.”

 

Clarice Lispector em A Hora da Estrela

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