[A Besta Humana] Semana #7

Estamos na reta final de A Besta Humana! Para a próxima semana, chegamos ao fim do livro! Gostaram desse clássico francês?

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

Despertados por paixões e cobiças, cada um de nós é capaz de realizar crueldades sem medir consequências, nos mostra Émile Zola em A Besta Humana. Os personagens desse clássico francês são dominados por instintos primitivos, sem muita capacidade de reflexão sobre suas atitudes. A sociedade tende a fechar os olhos para os crimes cometidos e enquanto, na superfície, a história é de uma pacata normalidade, quase todos lutam para matar ou morrer.

Logo no início do décimo capítulo, temos a confirmação da suspeita de tia Phaisie, que morreu envenenada pelo marido, Misard. Cidadão pacato, “fleumático”, como o qualifica Zola, Misard foi capaz de seguir seu plano assassino até o fim, mesmo depois que Phaisie desconfiou que ele colocava o veneno no sal. Passou então a envená-la “por baixo”, ao contaminar a água para lavagem higiênica da esposa. Até mesmo os personagens mais inexpressivos conseguem nos surpreender por sua sagacidade para fazer o mal.

Era parado por acessos de tosse que o faziam se dobrar, quase morto também, tão magro e raquítico com seus olhos turvos e cabelos sem cor que, tudo indicava, não teria muito tempo para cantar vitória. De qualquer maneira, havia acabado com ela, aquele mulherão grande e forte, como o inseto devora o carvalho: deitada de costas, consumida, reduzida a nada, enquanto ela durava ainda.

Tia Phaisie, porém, não pretendia deixar barato. Pouco podendo fazer para se livrar do marido, se resignou a morrer sem lhe entregar os mil francos que havia recebido de herança, o motivo para o crime. Ela, que assistia à passagem dos trens e do movimento do mundo de sua janelinha naquele pedaço de terra esquecido, se recusa a fechar os olhos ao morrer, enquanto os lábios se mantinham crispados, como se reprimissem um “sorriso de zombaria”.

Mesmo morta, Misard a ouvia dizer: “Procura, procura”! E procurava sem cessar, sem mais escrúpulos, deixando-se notar pela filha, Flore. O esforço, ao menos por enquanto, porém, foi em vão.

Flore, ao contrário do que seria de se esperar, não se indigna pelo assassinato da mãe, não sofre com o luto, não pensa em denunciar Misard. Ela tem outro plano em mente, ainda mais macabro. Desde que confirmou sua suspeita sobre o romance de Jacques e Séverine, a vida de Flore passou a se resumir à “tortura do ciúme”. Pensou em denunciar o crime do casal Roubaud contra o presidente Grandmorin, para que Séverine fosse presa, mas ao fim decide que a melhor coisa a se fazer é matar o jovem casal de amantes.

O plano ardiloso da forte jovem consiste em nada menos do que fazer descarrilhar a Lison, o trem de Jacques, transportando os dois no caminho para Paris, como faziam todas as sextas-feiras desde que se tornaram amantes. Ele, na locomotiva, e ela, sempre postada no primeiro vagão, certamente morreriam, mesmo que isso custasse outras tantas vidas.

Não chegava a ser um raciocínio, ela apenas obedecia ao selvagem instinto de destruição.

O plano toma sua cara final quando Cabuche aparece com uma carroça carregada de dois enormes blocos de pedra. Ao saber da morte de Phaisie, se dirige à casa perto da via para se despedir da morta, deixando Flore com os animais. Pouco antes de o trem se aproximar, a jovem, munida de força impressionante, arrasta a carroça para o meio da via e mantem os animais parados. Não há nada mais que se possa fazer, enquanto a Lison se aproxima do obstáculo. Em um primeiro momento, Flore fica em estado de estupor:

Sentia apenas ter dado alívio a uma necessidade, sem o menor sentimento de piedade pela dor de tanta gente que ela sequer enxergava.

E isso diante da visão de um massacre causado pelo acidente, com corpos espalhados pelo local, sangue para todos os lados, restos da carroceria do trem. Nessa parte, Zola não perde a oportunidade de aproximar mais uma vez o comportamento humano do animal:

Acrescentava-se à aflição das duas a interminável agonia do cavalo sobrevivente, com as patas dianteiras amputadas. Jazia próximo a elas, com um relinchar contínuo, um grito quase humano, tão vibrante e carregado de dor que dois feridos, impressionados, se puseram a uivar também como bestas. Nunca um grito de morte havia rasgado os ares com lamento tão profundo, inesquecível, de fazer gelar o sangue.

Toda essa cena ainda não foi capaz de comover Flore. Ela só repensa o que fez quando vê que Séverine está viva. Seu plano havia falhado, já que o trem lotado impediu que Séverine viajasse nos primeiros vagões, saindo ilesa da batida. Já Jacques, depois do esforço de busca de Flore, que percebe o que tinha feito, é encontrado vivo, ainda que machucado.

Diante do espetáculo de sua matança, Flore decide se suicidar, ao se jogar em frente a um trem em movimento.

E não é só Flore que morre. Como se marcasse o fim de sua capacidade de amar, Jacques assiste, semi-acordado após ter sido socorrido das engrenagens do trem, aos últimos suspiros de sua máquina.

À pobre Lison restavam apenas alguns minutos. Ela esfriava, as brasas da fornalha viravam cinza, o sporo que havia escapado tão violentamente das suas laterais abertas terminava como um suspiro de criança que chora. Suja de terra e de gosma, ela que sempre se apresentava tão luzente, agora emborcada de costas, numa poça escura de carvão, tendo o fim trágico de um animal de raça que um acidente fulmina em plena rua.

Em A Besta Humana, os instintos animais dominam os personagens, que quase nunca sentem remorso, mesmo depois dos crimes mais inescrupulosos. A vida deles pode se fazer em pedaços, como acontece com Roubaud, que perdeu a esposa, o dinheiro e estava prestes a perder também o emprego por causa do assassinato, mas mesmo assim não se arrepende dos seus atos.

As comparações constantes com a frieza das máquinas também refletem essa ideia. Enquanto Lison ganha aspectos humanos, os homens ganham aspectos de máquina. Tal qual os trens que passam, sem se importar com a tragédia que há pouco tinha manchado de sangue aqueles trilhos, os personagens seguem suas vidas e seus planos egoístas.

Nos intervalos de praxe os trens passavam, se cruzando nas duas vias, com a circulação restabelecida. Passavam inexoráveis em sua onipotência mecânica, indiferentes, ignorando dramas e crimes. Que importância têm os desconhecidos da multidão, caídos no percurso, esmagados sob as rodas? Os mortos tinham sido retirados, o sangue lavado e partia-se em frente, rumo ao futuro.

Mesmo Jacques, um dos mais racionais da trama, convive com sua “doença”, o impulso assassino que o domina perto de mulheres. Ele não consegue matar Roubaud, mas em um desfecho imprevisível assassina a sangue frio sua amante nua, na casa de Croix-de-Maufras, para onde foi levado para se restabelecer do acidente com a Lison. Não era à toa que diziam que a casa tinha um ar assombrado, assustador.

E o pobre Cabuche, quebrador de pedras, consegue sempre estar no lugar errado, na hora errada. Pouco calculista e metódico – um personagem realmente ingênuo – Cabuche encontra Séverine com um furo na garganta caída no quarto atapeçado em vermelho e, por um impulso, a abraça e a coloca na cama. É flagrado cheio de sangue por Roubaud e Misard.

Agora, só falta um capítulo! Será que ainda teremos mais surpresas nas últimas páginas?

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3 Comentários

  1. Um livro repleto de emoções!
    Acho que Cabuche é mais que um personagem ingênuo. A todo o momento suas características físicas e a “brutalidade de suas ações” são ressaltadas e, é comparando até mesmo com uma besta, um animal. Porém, ele é o mais sensível de todos os personagem. Seu caráter, apesar das circunstâncias, se diferencia do egoísmo e da crueldade. Isto nos faz refletir sobre o preconceito com as aparências físicas.
    Ah! Estou adorando a leitura. E os posts ajudam a ver diversos pontos q passam despercebidos.

    • Muito legal, Gabi, essa interpretação sobre o personagem de Cabuche! Acho que você tem toda razão!

    • Que bom que está gostando, Gabi! Bem interessante seu olhar sobre Cabuche! Com certeza ele é o mais sensível dos personagens, mas temo que tenha o pior dos destinos em um mundo que só vê aparências! Estou torcendo por ele!

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