Não são poucas as histórias famosas que nasceram da trajetória de clãs poderosos, de disputas entre herdeiros ou de rivalidades entre famílias. A Lista da Semana traz cinco parentelas da literatura que vão fazer a sua família parecer a mais normal do mundo, rs. Confira!
1. Bonanno, em Honra Teu Pai, de Gay Talese: Há um tipo de família que é objeto de fascínio de grande parte do público contemporâneo. Estou falando da máfia, uma das matérias-primas mais queridas pela ficção dos nossos tempos. De livros a produções de TV e cinema, não faltam exemplos de narrativas que foram beber nessa fonte.
A obra de Talese é ainda mais chamativa por trazer uma história real. Honra Teu Pai é um clássico do jornalismo literário e foi o primeiro livro de não ficção a revelar a vida secreta da máfia. Em quase sete anos de pesquisa, Gay Talese teve acesso irrestrito ao clã Bonanno, um dos grupos que controlava Nova York.
Em um relato despido de romantismo, o jornalista reconstrói a saga dessa família, a partir do sequestro do patriarca “Joe Bananas” Bonanno, em 1964. Nesse momento, seu filho Bill Bonanno começa um embate pelo controle da própria família, justamente quando o papel do crime organizado se transformava na sociedade norte-americana.
Vale ressaltar que, quando o assunto é máfia, a palavra “família” ganha um sentido bem mais abrangente. Nos Estados Unidos, na década de 30, a máfia, que é de origem siciliana, foi reestruturada de uma forma empresarial moderna. Havia uma fraternidade nacional, com cerca de 5 mil homens, divididos entre 24 organizações separadas (“famílias”). Em Nova York, onde vivia quase metade desse contingente, havia cinco “famílias”, uma delas a dos Bonanno. Cada organização tinha suas peculiaridades, mas devia seguir as regras da fraternidade e respeitar alguns valores que destoavam totalmente de suas práticas criminosas, como podemos notar nesta conversa emblemática de Joe com seu filho:
Embora a infidelidade não fosse mais rara no mundo do crime do que em outros meios, sempre se tentava por todos os meios evitar que uma mulher casada passasse por vexames, e a conduta de Bill era tida como escandalosa. Seu pai apareceu certa noite e apelou para seu senso de honra. “Não seja o primeiro a sujar o nosso nome”, disse Joseph Bonanno. “Nosso nome sempre foi limpo, faz muito tempo, durante muitas gerações, não seja o primeiro…”
2. Buddenbrook, em Os Buddenbrook, de Thomas Mann: Impossível não citar nesta lista um romance que leva, no título, o nome da família protagonista. Nesse clássico da literatura alemã, Thomas Mann relata a ascensão e a queda de um clã de comerciantes.
Sua narrativa é marcada por simbolismos que remontam a tradições de estirpes poderosas, como a mansão imponente onde aconteciam grandes festas, as reverências com que eram tratados, o livro de família, entre outros. Mais do que o sobrenome, cada membro desse clã carregava o peso de um passado glorioso:
O prestígio de Thomas Buddenbrook vinha de outras fontes. Thomas não era somente ele mesmo; honravam nele também as personalidades inesquecidas do pai, do avô e do bisavô; além dos próprios sucessos comerciais e públicos, era o portador de uma glória cívica centenária.
Ficou interessado nessa história? Leia a resenha que publicamos aqui no blog.
3. Gereth, em Os Espólios de Poynton, de Henry James: Onze em cada dez disputas familiares têm herança no meio, pode apostar, rs. Certamente, o escritor inglês Henry James levou em conta tal premissa quando escreveu essa novela.
Fleda Vetch, personagem central da história, é uma mocinha sensível e pobre, que se descobre no meio de uma batalha entre mãe e filho pela posse de uma herança – a belíssima propriedade, Poynton, no sul da Inglaterra, e toda uma coleção de objetos de arte que o casal Gereth cultivou ao longo de uma vida dedicada ao bom gosto e à arte. Quando o Sr. Gereth morre, pela lei inglesa da época, seu filho herda tudo. Para infelicidade da viúva expropriada, Owen está de casamento marcado com Mona Brigstock, uma jovem de uma família de posses, mas sem nenhum requinte. Disposta a salvar seu pecúlio do mau gosto dos Brigstock, a Sra. Gereth se une à Fleda, quem ela considera a parceria ideal para seu filho por saber apreciar toda beleza das relíquias de Poynton.
… Fleda pôde perceber que para ela [Sra. Gereth] não havia na Inglaterra nada que se comparasse a Poynton. Havia lugares maiores e mais ricos, mas nenhuma obra de arte tão completa, nada que empolgasse tantos as pessoas realmente esclarecidas.
O texto delicioso de James, as agendas ocultas dos personagens e o desfecho surpreendente fazem dessa leitura uma ótima dica para quem gosta de dramas familiares.
4. Karamázov, em Os Irmãos Karámazov, de Fiódor Dostoiévski: Daria para fazer uma lista como esta só com literatura russa, tamanha a habilidade dos escritores russos para elaborar enredos familiares. Não podemos esquecer que um dos trechos mais célebres sobre o tema é de Liev Tolstói, logo na primeira frase de Anna Kariênina: “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”.
Como eu queria variar a lista, resolvi eleger apenas um representante da literatura russa: Os Irmãos Karamázov. O romance retrata o universo dessa que é uma das famílias mais disfuncionais da história da literatura. Os protagonistas da trama são o devasso Fiódor Karamázov e seus três filhos – o orgulhoso e apaixonado Dmitri; o intelectual Ivan; e o “puro” Aliócha.
O assassinato do patriarca do clã levanta a suspeita de um parricídio. O que se segue é uma investigação não só policial, mas principalmente da alma humana – o ponto forte da obra de Dostoiévski. Neste trecho, em que o promotor do caso discursa, fica clara a noção da família como um microcosmo da sociedade. O escritor russo partiu de um drama familiar para destrinchar temas universais e dilemas sociais:
De fato – continuou ele –, o que é a família Karamázov, que subitamente ganhou tão triste fama em toda Rússia? Talvez eu esteja exagerando demais, no entanto me parece que no quadro dessa familiazinha como que se vislumbram alguns elementos fundamentais e gerais de nossos círculos intelectuais de hoje (…). Olhem para aquele infeliz, para aquele velhote desenfreado e devasso aquele ‘pai de família’ que terminou de maneira tão triste sua existência.
5. Montéquio e Capuleto, em Romeu e Julieta, de William Shakespeare: As últimas famílias da lista dispensam grandes apresentações. A mais conhecida história de amor da literatura é também a história de uma rivalidade sangrenta entre dois clãs de Verona.
Romeu, filho dos Montéquio, e Julieta, herdeira dos Capuleto, desafiam a rixa familiar e empreendem uma jornada perigosa e trágica, sonhando com um impossível futuro longe da violência e da loucura. O prólogo não poderia ser mais claro:
CORO Duas casas de fortuna, iguais em dignidade,
Lá na bela Verona, o palco desta ação,
Por um rancor antigo, em nova hostilidade
Irrompem, derramando, irmãs, o sangue irmão.
Das vísceras fatais, da inimizade dura,
Ao mundo vem um par de amantes desditosos,
Que, ao preço de sua vida, em vária desventura,
Põem fim à longa guerra e aos lances rancorosos.
E você, se lembra de alguma família inesquecível da literatura? Deixe aqui nos comentários!
Mariane Domingos
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25 de abril de 2017 at 00:05
Olá Marine! Adorei o texto, sinto vontade de comprar todos para ler, mas onde está o tempo? Precisaria de uma nova vida para ler os livros que tenho vontade. Assim de repente não consigo citar uma família literária que foi marcante, mas sempre tem núcleos familiares encantadores. O que sei é que a primeira frase de Anna Kariênina me fez comprar o livro, está em minha estante aguardando minhas sonhadas férias, já que são muitas páginas. Nunca tinha lido nada sobre Honra Teu Pai, primeira vez que vejo e me pareceu muito interessante. Ele não possui uma abordagem muito romântica da máfia? Gosto de histórias baseadas nisso, mas não gosto quando são demonstrados como vítimas da sociedade. Abraço!
28 de abril de 2017 at 21:51
Que bom que gostou da lista, Maria! Obrigada pelo comentário. Realmente são muitos livros e pouco tempo, rs!
Eu gostei muito da leitura de Honra Teu Pai. Gay Talese é um jornalista reconhecido por seu incansável trabalho de apuração e por seu texto fluido. Ele é um verdadeiro storyteller.
A família Bonnano é o centro de uma história que segue os princípios básicos de uma narrativa. Temos um anti-herói fazendo a jornada do herói. Por isso é inevitável que, em algum momento você se flagre “torcendo” por eles, por mais dilemas éticos que isso represente, haha. Mas, comparado às abordagens que já vi sobre o tema, o livro sai na frente no quesito visão realista. A quantidade de fatos que Talese traz é impressionante – o funcionamento da máfia, os números, suas atividades… Tudo muito bem apurado! Enfim, eu recomendo fortemente a leitura.
Um abraço,
Mariane