Chegamos ao fim de mais um Clube do Livro do Achados & Lidos! E aí, o que achou deste romance da franco-marroquina Leïla Slimani, Canção de Ninar? Animados com a vinda dela para a Flip deste ano? Na próxima semana, publicaremos, aqui no blog, as impressões dos nossos leitores! Mande sua opinião para nós no e-mail blogachadoselidos@gmail.com ou aqui nos comentários!

Mariane Domingos e Tainara Machado

Por fim, toda escuridão que vinha tomando conta de Louise explode no ato nefasto do início do livro. A babá já não é mais capaz de suportar o peso de sua existência solitária, nem a realidade opressora que a rodeia. Quando se vê encurralada, sem nenhuma perspectiva, ela reage da pior forma, silenciando, com violência, aquele mundo no qual ela não se sente mais acolhida.

Embora Slimani construa uma personagem que, claramente, tem sérios problemas psicológicos, é interessante notar como a autora não deixa escapar o quanto o contexto social contribui para moldar o comportamento humano. Louise é o ponto extremo a que uma situação de injustiça e desigualdade em diversos aspectos pode levar.  

O servilismo que marcou toda vida profissional da babá deixou sequelas graves, como a completa anulação da sua vida familiar. Sempre tão atenta ao bem-estar das famílias alheias, ela deixou de lado a sua própria.  

Tanto na figura de Louise quanto na do casal, Slimani traz à tona um tema bastante atual: os limites tênues entre o pessoal e o profissional. No caso da babá, a situação chega ao ponto de ela não conseguir mais identificar uma vida fora do trabalho. Já Myriam e Paul vivem a ilusão de um equilíbrio entre essas duas esferas, confiando cegamente essa harmonia à figura mais desequilibrada do romance – a babá.

Em pequenos, mas simbólicos gestos, Louise vai invadindo o núcleo familiar dos patrões. E não é que eles não percebessem o que estava acontecendo. Eles não queriam perceber. Era mais cômodo continuar fingindo que a babá era um membro da família. O problema é que esse fingimento tornou-se sério demais para Louise. Slimani nos mostra, claramente, que relações trabalhistas jamais serão (ou substituirão) laços familiares.

Outro aspecto bastante atual da narrativa está contido na personagem Myriam. Recém-casada e grávida, ela vê seus sonhos de carreira ficarem cada vez mais distantes, enquanto se dedica aos filhos. É notável que essa responsabilidade recaia apenas sobre ela, enquanto Paul continua a se dividir entre o trabalho e os filhos, sob a justificativa de que tem como responsabilidade manter o lar. Nenhum dos dois, contudo, é feliz nessa situação, mas mudar exige sacrifício de todos.

Quando Myriam decide conciliar a maternidade com a carreira, sofre críticas de todos os lados. Paul é refratário à ideia de deixar os filhos com uma babá desconhecida. A sogra a crítica pela educação das crianças. Até mesmo na escola ela é reprovada:

– Se a senhora soubesse! É o mal do século.Todas essas pobres crianças abandonadas a si mesmas, enquanto os pais são devorados pela mesma ambição.

Em uma sociedade patriarcal, as tarefas podem até ser compartilhadas, mas a responsabilidade e a culpa acabam sendo sempre da mãe.

Quando começam a procurar uma babá, Myriam é explícita: não quer uma babá imigrante, ainda que ela tenha ascendência árabe. Essa distância que ela impõe entre sua nova identidade e sua origem dá lugar a alguns diálogos que marcam a xenofobia francesa, o distanciamento que os imigrantes bem-sucedidos tentam impor em relação  às mulheres que, por falta de documentos ou recursos, têm mais dificuldade em se adaptar ao novo país, como as babás que recheiam os parquinhos do bairro.

Ainda que as características exploradas por Slimane reflitam questões pungentes na França, esse é um romance que levanta questões universais, como imigração, o papel da mulher na sociedade e as relações de trabalho que ainda remetem ao servilismo. Canção de Ninar é uma tragédia dos tempos modernos. E, tal qual as tragédias gregas, é um romance capaz de provocar a “catarse”. De longe, o enredo de Slimani parece um extremo distante, mas quando mergulhamos na história, percebemos que os fios que constroem essa narrativa não são assim tão estranhos à realidade que nos cerca.

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