A dificuldade de encarar sua dura realidade e a inevitável comparação com a vida alheia tornam a existência de Louise cada vez mais amarga. Os rastros de ódio que a levam ao ato brutal do início do romance já são evidentes e assustadores. Para a próxima semana, avançamos até a página 169 e ficamos a quatro capítulos do fim Canção de Ninar!

Mariane Domingos e Tainara Machado

O regresso dos patrões, depois da temporada nas montanhas, não traz boas notícias à Louise. Logo que eles se reencontram, Paul confronta a babá com uma notícia que chocou o casal. De imediato, ela pensa que os vizinhos a denunciaram, relatando os dias que ela passou no apartamento do casal, durante sua ausência. No entanto, não se trata disso. Paul e Myriam receberam uma notificação do Tesouro que revelava as dívidas de Louise e seu desinteresse em negociar o valor devido.

A babá se sente quase aliviada, quando percebe que os patrões não descobriram seu deslize durante as breves férias. A revelação dos seus problemas financeiros lhe inspira menos temor do que a descoberta de seu comportamento, cada vez mais obsessivo, de negação da própria realidade. Louise vive em um estado constante de fuga:

Louise queria tanto ficar. Dormir lá, no pé da cama de Mila. Não faria barulho, não incomodaria ninguém. Louise não quer voltar para o seu apartamento. A cada noite ela volta um pouco mais tarde e anda pela rua, com os olhos baixos, o cachecol erguido até o queixo.

Inevitável perceber nessa situação um sintoma das disparidades tão presentes nas sociedades de hoje. Louise ocupa um posto cuja linha entre o íntimo e o público é bastante tênue e no qual as relações servis são mais do que evidentes. Como afastar, então, as comparações? Lendo esses últimos capítulos, lembramo-nos de um trecho do livro O Sol na Cabeça, compartilhado recentemente na nossa seção Marque a Página:

“É foda sair do beco, dividindo com canos e mais canos o espaço da escada, atravessar as valas abertas, encarar os olhares dos ratos, desviar a cabeça dos fios de energia elétrica, ver seus  amigos de infância portando armas de guerra, pra depois de quinze minutos estar de frente pra um condomínio com plantas ornamentais enfeitando o caminho das grades, e então assistir adolescentes fazendo aulas particulares de tênis. É tudo muito próximo e muito distante. E, quanto mais crescemos, maiores se tornam os muros.”

Não importam o tamanho da dependência dos patrões em relação à Louise e a profundidade do seu relacionamento com as crianças: ela jamais será da família. Sempre haverá um muro. Afinal, por mais que, em vários momentos, ambas as partes tentem se esquecer disto, o que une Paul e Myriam a Louise é uma relação de trabalho.

Quando a babá cai de cama, em uma manifestação clara do seu corpo diante de todo o estresse, o casal se sente, em um primeiro momento, perdido, e, só depois, preocupado. Na mensagem que Myriam deixa no telefone de Louise, as ideias se embaralham e, apesar de ela se esforçar para demonstrar inquietação pelo bem-estar da babá, o que sobressai é a cobrança:

“Bom dia, Louise, espero que você esteja bem. Já são quase oito. Mila está doente desde ontem à noite, teve febre. Tenho um caso importante, eu tinha te contado que faria uma defesa hoje. Espero que esteja tudo bem, que não tenha acontecido nada. Me ligue assim que você receber esta mensagem. Estamos esperando você.”

O período em que Louise fica acamada revela bastante sobre o que se passa em seu íntimo. Slimani usa com bastante perspicácia a podridão material da casa em que ela vive para descrever a escuridão que toma conta dos pensamentos da babá:

Ela odeia esse lugar. Está obcecada pelo cheiro de podridão que vem do box do banheiro. Ela o sente até na boca. Todas as juntas, todos os interstícios se encheram de um musgo esverdeado, e por mais que ela o esfregue com raiva, ele renasce durante a noite, mais denso que nunca.

Claramente, não é do box do banheiro que Slimani está falando aqui, mas sim do ódio que cresce dentro de Louise.

Será que esse sentimento sempre esteve com ela? Ou as circunstâncias a levaram a esse ponto? No capítulo que encerrou o último trecho lido, temos a perspectiva de um adolescente que, em sua infância, esteve sob os cuidados de Louise. Em seu relato, ele dá a entender que sempre houve algo de errado com a babá, como se sob aquele couraça de tranquilidade e polidez houvesse uma bomba relógio.

E você, o que está achando da construção dessa personagem e da narrativa como um todo? Conte-nos nos comentários!

        

Canção de Ninar
Editora Planeta
R$ 31,60
192 páginas

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