No último trecho de Canção de Ninar, Slimani nos forneceu uma visão mais próxima da vida íntima de Louise e deu seu passado, em um relato bastante solitário. De forma hábil, a escritora continua a construir as pegadas de uma tragédia e está difícil conter a ansiedade para não terminar o livro! Está acompanhando conosco? Para a próxima semana, avançamos até a página 119, ou capítulo 23.
Mariane Domingos e Tainara Machado
A relação de dependência entre Louise e a família ganha contornos mais nítidos à medida que a autora nos fornece um retrato mais próximo do cotidiano solitário da babá e de seu passado ao lado do marido e da filha.
Depois da viagem à Grécia, Louise retorna para seu apartamento, dominada por uma sensação de asfixia:
Quando abre a porta de seu apartamento, suas mãos começam a tremer. Tem vontade de rasgar a capa do sofá, dar um soco no vidro da janela. Um magma informe, uma dor queima suas entranhas, e é difícil para ela não gritar.
Os sinais de depressão ficam mais visíveis a cada página, e a solidão é uma droga da qual ela não quer abdicar, como descreve a autora. Em seu apartamento quase vazio, Louise aguarda por um chamado da família: se veste, pensa na rotina deles, no provável passeio aos sábados, mas a ligação nunca vem. Nessa expectativa, Louise deixa o tempo passar, perde a oportunidade de sair sozinha e fazer algo que gosta, observar as vitrines de Paris.
A “docilidade” incomodava o ex-marido, Jacques. Em um dos capítulos dedicados a personagens que apenas tangenciam a narrativa, mergulhamos rapidamente na relação profundamente tóxica do casal. Jacques desprezava a esposa e a classificava como uma tagarela submissa aos patrões, enquanto se dedicava aos devaneios de vingança contra o sistema judicial do país, até que sua morte deixa Louise sozinha e endividada, abandonada também pela filha, que fugiu de casa na adolescência.
Nesses intervalos solitários, ela rememora o nascimento da filha, quando a gravidez indesejada foi duramente criticada por seu patrão à época, como se o corpo de Louise fosse também propriedade dele. Seu ódio pelos fins de semana data dessa época, quando a filha pequena a cobrava pela ausência, aos domingos, dos passeios e atividades aos quais ela se dedicava durante a semana.
Essa diferença, de como Louise leva seus dois mundos particulares, fica ainda mais clara quando os dias de verão chegam e a babá se diverte com Mila e Adam pelas ruas de Paris. Em um contexto social necessariamente marcado por uma vida dupla, ela abdica da própria felicidade para satisfazer os desejos dos outros.
Um desejo que, no entanto, nem sempre é satisfeito, já que seu papel oscila de acordo com os humores da família. Na maior parte da vezes, principalmente para Myriam, ela é uma dádiva que resolve todos os problemas e a exime da culpa de se dividir entre o trabalho e a criação dos filhos. Com Paul, os atritos se acumulam. A cena na praia, quando ele olha feio para a babá por um empurrão, ganha um contorno mais duro quando ele chega em casa e surpreende Louise maquiando a menina, em uma tarde modorrenta de inverno.
Paul a olha fixamente. Ele, que estava tão feliz por voltar mais cedo, tão contente por ver os filhos, sente um sobressalto. Tem a impressão de ter surpreendido um espetáculo sórdido ou doentio. Sua filha, sua pequenininha, parece um travesti, uma cantora de cabaré decadente, acabada, destruída. Ele não se controla. Está furioso, fora de si. Odeia Louise por ter promovido esse espetáculo.
Essas fissuras também são abertas no relacionamento com as crianças, especialmente em uma tarde em que Mila some repentinamente no parque, para ser encontrada ao lado de uma senhora. Entre o alívio de ter encontrado a menina e o desespero causado pela situação, as duas se exaltam e Mila acaba lhe dando uma mordida. Para os pais, contudo, as duas ficam em silêncio, o que parece um prenúncio da tragédia que, sabemos, nos aguarda nas próximas páginas.
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