Tudo começou quando fui pela primeira vez à Festa do Livro da USP, em 2008. Nas bancadas da Cosac Naify e da Editora 34, reluziam os clássicos russos – edições lindíssimas e traduções primorosas, todas com 50% de desconto. Daí pra frente, a coleção só aumentou: novos autores, novos títulos e nenhuma decepção.
Não é comum ver literatura russa na grade curricular dos colégios brasileiros. Como meus hábitos literários na infância e na adolescência eram totalmente influenciados pela escola, apenas na faculdade surgiu esse interesse.
Uma das minhas melhores lembranças da graduação de Jornalismo na USP é viver rodeada de leitores ávidos. Não demorou muito para o nome de Dostoiévski se destacar nas conversas, e eu me sentir um pouco envergonhada por não conhecer o autor.
Logo depois da minha primeira Festa do Livro, resolvi a questão. Devorei, em seguida, minhas primeiras aquisições: Anna Kariênina, de Liev Tolstói, e Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski. Não poderia ter iniciado melhor. O atormentado Raskólnikov e a infeliz Anna me acompanharam por meses e meses. Quem me perguntasse sobre literatura naquela época, não ouviria nada diferente de Dostoiévski e Tolstói. Depois de anos tendo apenas Machado de Assis no meu rol de gênios literários, essa lista finalmente crescia.
Mas por que será que a literatura russa atravessa séculos, conquistando tantos leitores? O Brasil é tão distante da Rússia, geograficamente, politicamente e culturalmente. Ainda assim, não faltam fãs da literatura russa por aqui.
Quando eu e Tatá decidimos fazer uma programação especial para os 100 anos da Revolução Russa no blog, confesso que estávamos mais querendo extravasar uma paixão nossa, rs. Não imaginávamos o sucesso que essas publicações teriam. Nosso recorde de curtidas no instagram estão nas duas chamadas recentes sobre Dostoiévski (esta lista e esta resenha).
Há vários fatores que colaboram para essa popularidade. Um deles é o belo trabalho de editoras como a 34 e a Cosac Naify que investiram em traduções direto do russo, recrutando grandes profissionais que conhecem não apenas o idioma, mas também a cultura e a literatura russas.
Além disso, essas edições contam com ótimos prefácios ou posfácios que contextualizam o romance e o escritor, tornando a leitura muito mais acessível. Ler um clássico é mergulhar no passado, sem perder de vista o presente. Textos de apoio são fundamentais para que essa experiência seja completa.
Mas vale notar que nem só de clássicos vive essa minha paixão russa. Em 2016, graças ao burburinho do prêmio Nobel de 2015, conheci a bielorrussa Svetlana Aleksiévitch. Uma proposta e um estilo únicos, mas uma narrativa igualmente poderosa. Assim como Dostoiévski e muitos de seus compatriotas, Aleksiévitch é uma exímia observadora de sua época.
O humano é a matéria-prima da literatura russa, por isso ela atravessa séculos sem esmorecer. Cada um ao seu estilo, os grandes escritores russos buscam, no cotidiano e no homem comum, aquilo que a História deixou de lado.
E a literatura, como bem mostra Aleksiévitch em um dos depoimentos de O Fim do Homem Soviético, tem um papel fundamental na compreensão desse povo e desse país, de dimensões e contradições continentais:
Nós somos sonhadores, é claro. A alma se esforça e sofre, mas as coisas andam pouco, porque já não há forças para isso. As coisas ficam paradas. A misteriosa alma russa… Todos tentam entendê-la… Leem Dostoiévski… O que eles têm lá além da alma? Nós além da alma só temos mais alma. Adoramos conversar na cozinha, ler um livro. A principal profissão é a de leitor. De espectador. E com isso nos sentimos peculiares, exclusivos, embora não haja base nenhuma para isso, além do petróleo e do gás. Por um lado, é isso o que atrapalha a mudança de vida, mas por outro dá certa sensação de sentido, talvez. Sempre fica meio no ar isso de que a Rússia deve criar, mostrar ao mundo algo fora do comum.
Ler Aleksiévitch aproximou-me ainda mais do pensamento russo e aguçou um desejo que Dostoiévski, Tolstói, Tchekhov, Gógol e companhia já haviam despertado em mim: conhecer a Rússia.
Enquanto esse sonho não se concretiza, contento-me em ir todos os anos à Festa do Livro da USP e voltar com ao menos um título para meu cantinho russo na estante. Para 2017, já anotei O Mestre e Margarida, de Mikhail Bulgákov, e Os Demônios, de Fiódor Dostoiévksi. Tem mais dicas para mim? Deixe aqui nos comentários!
Mariane Domingos
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