Quando a Cosac & Naify anunciou que iria fechar as portas, ficamos tristes por vários motivos. Sentimos como um luto a despedida da editora que, movida pelas paixões do excêntrico Charles Cosac, tinha trazido novos ares para a produção editorial brasileira, com um catálogo que abarcava de clássicos a literatura de vanguarda, passando pelas artes e pela moda, sempre com acabamento impecável.
Mas, para um grupo restrito de leitores, que podemos chamar de colecionadores, o fim da Cosac significou também um futuro de vazios nas estantes. Passariam a ser relíquias as coleções que vínhamos montando há tantos anos, com investimentos consideráveis: Prosa do Mundo, Mulheres Modernistas, Coleção Portátil…
Aproveitamos ao máximo os saldões da Cosac na Amazon e, muito provavelmente, compramos livros em volume suficiente para sustentar a editora por mais um ano, caso Cosac voltasse atrás em sua decisão.
Ainda assim, o vazio continua presente. Para os leitores-colecionadores que não poderão dar continuidade a seu catálogo próprio, a morte da Cosac foi duplamente sentida.
E aqui a questão não é perder acesso a uma obra específica. O Auto-de-Fé, de Elias Canetti, pode ser encontrado em sebos, em outras edições. Mas aquela lombada azul com letras brancas nunca estará na minha estante fazendo companhia a Pais e Filhos, de Turguêniev, ou O Vermelho e o Negro, de Stendhal.
Não à toa, o mercado paralelo de livros da Cosac & Naify tem alcançado cifras inimagináveis para livros em domínio público, que estão sendo reeditados pelas demais editoras presentes no mercado brasileiro. O de Canetti, por exemplo, até poderia ser meu, por singelo 150 reais.
Muitas vezes, leitores-colecionadores são pegos entre a razão e o completo desvario (e nem sempre o lado certo vence essa briga). Até hoje me debato com o seguinte dilema: muito provavelmente, nunca lerei Vida e Proezas de Alexis Zorbas, de Nikas Kazantzakis, porque nem a história nem o autor me interessam muito. Ainda assim, muitas vezes fiquei ponderando comprar o exemplar da Tag Livros apenas porque ele é o volume número 1 da coleção que está sendo formada desde o início deste ano com as obras exclusivas para assinantes do clube (ainda não cedi à tentação e aguardo comentários entusiasmados de vocês dizendo que, na verdade, irracional é não ter o primeiro livro de uma coleção).
Por vezes, tentamos colocar juízo na cabeça de amigos, mas sabemos que incorreríamos no mesmo pecado. O leitor-colecionador não tem limites. Em busca da padronização de sua estante, ele vaga por sebos, procura raridades e, principalmente, comete loucuras financeiras no geral impensáveis em outras áreas de sua vida.
A Mari, que padece do mesmo problema, com um pouco mais de entusiasmo por causa da sua organização, um dia desses me disse que estava pensando em doar seus livros da Chimamanda Ngozi Adichie para fazer a coleção nova da Companhia das Letras, com imagens de mulheres negras com cabelo trançado, em cores vivas (ainda não sabemos o desfecho dessa história).
Eu mesma, um dia desses, acabei me aventurando no sebo Estante Virtual em busca do primeiro volume de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, na coleção da Editora Globo traduzida por grandes poetas brasileiros. Já tinha lido o livro, mas ele era de uma edição diferente e não ornava com os demais volumes na estante.
Tenho tentado refrear os ímpetos colecionistas de livros que apenas enfeitariam a estante. Mas se colecionar livros for um vício, tudo bem. Dos males o menor, não é? Conte para gente qual loucura você já fez para completar uma coleção!
Tainara Machado
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5 de setembro de 2017 at 10:52
Identifiquei-me muito com o texto! Editoras que mudam coleções não têm coração, haha. As que fecham então… Navegando pelo site da Amazon há alguns dias, descobri que tenho uma verdadeira fortuna em livros. haha
Ah, e não comprei as novas edições da Chimamanda (ainda). Estou resistindo bravamente, 🙂