[Resenha] Os Irmãos Sisters

Em plena corrida do ouro no oeste dos Estados Unidos, dois irmãos são contratados para liquidar um garimpeiro na Califórnia. Poderia ser mais uma história de faroeste, mas Os Irmãos Sisters, de Patrick deWitt, é um livro de fôlego, em que a missão original da dupla logo cede espaço para uma narrativa que discute compaixão, ganância, fraternidade e moral, ao mesmo tempo em que prende o leitor como poucos romances são capazes.

Boa parte dessa sedução se deve a Eli, o narrador da história. Irmão mais novo da dupla, Eli é a antítese do assassino frio e calculista: sensível, dado a reflexões sobre justiça, ele  se sente desprezado pelo irmão, mas não consegue abandoná-lo.

Entre os desvios de caminho aos quais os dois são submetidos, conseguimos compreender melhor a natureza oposta, mas um tanto complementar, dos dois irmãos. Logo no início do livro, Eli é picado por uma aranha e tem uma forte reação alérgica. Em seguida, uma dor de dente aguda impede que eles prossigam viagem e os dois acabam decidindo pedir abrigo em uma cabana ocupada por uma velha misteriosa.

Ao deixar o lugar, a mulher pendura um cordão de contas sobre o batente da porta, que os dois acreditam estar enfeitiçado. Decididos a não passar por debaixo do amuleto, Charlie consegue se esgueirar pela janela e sai em busca de uma ferramenta para soltar seu irmão. Eli fica sozinho e, por causa de um evento inesperado, acaba precisando sair às pressas da cabana, pela porta mesmo. No fim dos acontecimentos um tanto trágicos do dia, ele reflete:

Pensei que tinha cruzado o batente por um cavalo de que não gostava, mas Charlie não tinha feito o mesmo por sua própria carne e sangue. Uma vida de altos e baixos, pensei.

O humor autodepreciativo de Eli contribui para fazer deste um faroeste um tanto atípico. O livro compartilha com o gênero a multiplicidade de personagens e de encontros insólitos e surpreendentes, mas as figuras que cruzam o caminho dos dois irmãos têm um colorido próprio e não se limitam ao combo ganância e burrice que costuma ser a descrição típica desses perfis.

Dos donos de estabelecimentos de pequenas cidades ao castor que constrói uma barragem no rio  no qual os dois irmãos estão trabalhando, os personagens são divertidos, repugnantes ou encantadores na medida certa. Tub, o cavalo de Eli, por exemplo, acaba despertando imensa compaixão nos leitores.

Autor de diálogos rápidos e afiados, deWitt também não descuidou, como ele próprio disse, do enredo. O ritmo do romance flui como os rios que cortam a Califórnia na trama: com sobressaltos, alterações de curso e surpresas que fisgam o leitor, sempre disposto a avançar mais um pouco para saber o desfecho de cada episódio.

Mesmo repleto de mortes um tanto sangrentas, Os Irmãos Sisters não chega a ser violento. A atenção de deWitt recai mais sobre as tênues relações humanas construídas por homens solitários, vagando pelo oeste da Califórnia em busca de uma riqueza muitas vezes sem sentido.

Eli, por exemplo, quase nunca fica com o dinheiro que ganha, distribuindo grande parte da renda auferida no caminho para mulheres desconhecidas que lhe dão uma migalha de atenção. Charlie mostra franco desprezo por essas atitudes, mas os irmãos sempre conseguem chegar a algum tipo de acordo em relação aos próximos passos.

O próprio deWitt acabou se aproximando muito de seus irmãos nas andanças de seus pais pela costa oeste americana, o que ajuda a explicar a propriedade com que ele descreve o sentimento que une esse parentesco: Eli enxerga todos os desvios de caráter de Charlie, mas é seu principal defensor.

Pensei em quantas vezes puxei meu revólver contra um estranho e meti uma bala em seu corpo, meu coração numa explosão louca de raiva, pela simples razão de que ele estava atirando em Charlie e minha alma exigia que protegesse minha carne e meu sangue.

No caminho em busca da riqueza, os homens encontram dúvidas morais, misticismo, situações inesperadas, mas acabam confrontados com os sentimentos mais elementares comuns à humanidade: medo, esperança, humildade. Quase toda essa batalha é resumida em uma frase lapidar:

A maioria das pessoas está presa a seu próprio medo e sua própria estupidez e não tem força para analisar o que está errado em sua vida. A maioria das pessoas vai continuar insatisfeita, sem nunca tentar entender por que ou como elas poderiam mudar as coisas para melhor; elas morrem sem nada no coração a não ser sangue sujo, velho e fino, sangue fraco, diluído, e não vale a pena suas memórias serem lembradas, vocês verão o que estou falando.

A leitura de Os Irmãos Sisters foi minha primeira experiência com um clube de assinatura de livros. Posso falar que, por enquanto, adorei. Fui presenteada pela minha mãe, temporariamente, com a assinatura da TAG. O primeiro livro que recebi foi A Câmara Sangrenta, da Angela Carter, mas foi a indicação de Daniel Galera que logo me prendeu atenção.

O curioso é que esse é um livro que provavelmente jamais despertaria a minha atenção na livraria. Obras sobre aventura e faroeste não costumam fazer parte da minha lista de interesses, mas confiei nas palavras do curador e não me arrependi.

Novo, com pouco mais de 40 anos, Patrick deWitt certamente é um autor para ficarmos de olho. Foi uma ótima descoberta!

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
Tainara Machado

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2 Comentários

  1. Excelente resenha e blog também é bem bacana. Não conhecia e já estou seguindo!

    • Tainara Machado

      28 de abril de 2017 at 15:13

      Seja bem vindo, Anderson! Muito obrigada pelo elogio, ficamos muito felizes! Aproveite e nos siga nas redes sociais, lá você encontra todos os nossos conteúdos e também dicas de lançamentos e notícias interessantes do mundo literário! 🙂

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