Em A Livraria Mágica de Paris, o livreiro Jean Perdu, traumatizado pela partida de sua amante, transforma um barco ancorado à margem do rio Sena, em Paris, em uma Farmácia Literária, nome dado ao empreendimento. À cada cliente – ou paciente -, Jean Perdu receita um livro. Algumas dores da alma, ele pensa frequentemente, só podem ser curadas pela literatura.
Foi exatamente para atenuar esses sofrimentos inexplicáveis, mas ainda assim reais, que Perdu comprou o barco que, na época, ainda era uma barcaça de carga e se chamava Lulu; ele o reformara com as próprias mãos e o enchera de livros, os únicos remédios para as inúmeras e indeterminadas doenças da alma.
Esse é o ponto de partida de A Livraria Mágica de Paris, da alemã Nina George. A trama despretensiosa combinada à pitada de charme que é uma farmácia literária estacionada à beira do Sena foram a receita perfeita para que mais de 1 milhão de exemplares de livros fossem vendidos ao redor do mundo.
As indicações de Perdu são interessantes. A Elegância do Ouriço, de Muriel Barbery, para uma mulher que precisa reencontrar o amor próprio. Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago, para quem está no meio da vida e perdeu a capacidade de enxergar. Como tentamos fazer com amigos, Perdu troca pedidos de livros ruins por indicações de clássicos, como quando sua vizinha pede Desejo Ardente e leva para casa O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde.
No entanto, como numa paixão de verão que não sobreviverá ao inverno, o que funciona e atrai no começo da narrativa logo começa a perder seu encanto. Nas primeiras páginas, descobrimos que Jean Perdu, o personagem principal, vive uma vida solitária, enquanto tenta escapar do fantasma do seu grande amor, que o teria abandonado há mais de duas décadas.
Por um acaso, Perdu descobre uma carta deixada por sua amante e o conteúdo da missiva o leva a decidir abandonar Paris e rumar, em sua Farmácia Literária, para uma pequena cidade na região de Provence, Bonnieux, em busca de respostas para perguntas que deveriam ter sido feitas 20 anos antes.
O que era para ser uma aventura e uma história sobre o poder redentor da literatura, contudo, não passa de uma trama dominada por frases feitas e desdobramentos completamente previsíveis. Na tentativa de contar uma história sobre a redescoberta da capacidade de amar e de estabelecer laços afetivos a qualquer tempo da vida, George escreveu um romance em que abundam clichês, descrições desnecessárias e personagens pouco convincentes.
Em vez de se basear em clássicos da literatura que recomenda aos seus clientes, Perdu guia sua viagem pelo fictício Luzes do Sul, de Sanary, o que nos rende passagens com um teor elevado de melodrama:
– Sanary diz que, para encontrar as respostas para nossos sonhos, é preciso navegar para o sul. E que é possível se reencontrar lá, mas apenas se a gente se perder no caminho, se a gente se perder totalmente. Pelo amor. Pela saudade. Pelo medo. No sul, deve-se ouvir o mar para entender que o riso e o choro se parecem muito, e que a alma às vezes precisa chorar para ser feliz.
A partir do momento em que Perdu desatraca o barco da margem do Sena e começa sua viagem para Bonnieux, esse tom de autoajuda passa a ser frequente. Ao longo do caminho, outros personagens se juntam ao livreiro, mas eles pouco agregam à história. Max, o escritor jovem com bloqueio criativo, e Cuneo, o italiano em busca de seu grande amor, são caricaturas de viajantes, com tramas tão pouco elaboradas que suas histórias pecam em credibilidade e, em vez de divertir, aborrecem o leitor.
Com personagens vazios e trechos carregados de melodrama desnecessário, o que nos resta neste livro é saborear a travessia que Jean Perdu empreende pelo interior da França. Como caderno de viagens, A Livraria Mágica de Paris funciona melhor. Ainda que por vezes as descrições de cores e paisagens sejam um pouco excessivas, é quase impossível não se imaginar tomando um café da manhã com croissant na Borgonha ou comendo mexilhões com molho de creme de leite em Cassis durante a leitura.
Em determinado trecho, Perdu categoriza livros:
– Obviamente, livros são mais que médicos. Alguns romances são amorosos, companheiros de uma vida inteira; alguns são um safanão; outros são amigos que o envolvem em toalhas aquecidas quando bate aquela melancolia outonal. E muitos… bem. Muitos são algodão doce rosado, cutucam o cérebro por três segundos e deixam para trás um nada agradável.
A Livraria Mágica de Paris se encaixa nessa última categoria, mas sem necessariamente deixar um sabor doce na boca. O que era para ser um tributo ao poder encantador dos livros sobre a vida das pessoas é, ao cabo, uma trama de final decepcionante, mais previsível que novela.
Tainara Machado
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16 de junho de 2018 at 18:10
parabéns pelo resumo…realmente o livro começa muito bom, mas perde-se em sentimentalismos, personagens e situações caricatas.
Uma pena…
14 de março de 2019 at 12:36
Excelente narrativa sobre o livro, no entanto, em relação ao final, não foi a impressão que me passou seu desfecho… mas é bom, pois demonstra que o impacto pode ser diferente e variar de um para o outro. Tudo depende das nossas experiências… da forma como compreendemos ou passamos a compreender a vida. Parabéns!!!
2 de agosto de 2019 at 19:44
Interessante essas informações!
31 de dezembro de 2019 at 19:11
Ainda bem, encontrei alguém que soube traduzir meu sentimento sobre o livro! Cuidado com o marketing excessivo nas livrarias, nem tudo que reluz é ouro 😉
14 de maio de 2020 at 14:52
Tive ótimas recomendações sobre este livro mas antes da metade achei-o decepcionante. Esperava uma ode aos livros e personagens apaixonantes e apaixonados pelos livros. Pincei algumas frases boas mas tudo muito clichê. Ótima sua análise.