Nos últimos capítulos, o narrador de Enclausurado, de Ian McEwan, tomou duas decisões importantes: não é capaz de se suicidar e nem pretende seguir os passos da mãe como assassino para se vingar de seu tio. Qual é, então, o futuro que lhe aguarda? Faltando poucas páginas para o fim dessa leitura, queremos saber o que você está achando da história desse inusitado narrador! Para a próxima semana, avançamos mais três capítulos, até a página 167.
Por Mariane Domingos e Tainara Machado
Se o narrador de Enclausurado já aprendeu algo sobre a natureza humana é que ela é, essencialmente, contraditória e que o processo de tomada de decisão costuma ser caracterizado por impulsos e retrocessos, idas e vindas, até que se tenha feito um avanço irreversível, como um assassinato, por exemplo.
Ainda que isolado do mundo, o feto é capaz de compreender melhor do que Claude, seu tio, o misto de remorso e culpa que assombra Trudy após a morte de seu pai, John. Enquanto a mãe se declara desesperada, seu futuro padrasto lê com certo entusiasmo as notícias que relatam a morte de John, sobre a qual ainda não se suspeita de assassinato.
As nuances do relacionamento entre os dois são entendidas pelo feto em um processo de aprendizado indireto, secundário, mas ainda assim absolutamente sensível. Como o próprio McEwan disse, a partir do momento em que aceitamos a premissa desse livro, o restante da história está situado no campo do real. O narrador absorve o mundo externo a partir da perspectiva de sua mãe e de novelas e programas de rádio, o que lhe permite análises bastante aguçadas sobre a natureza dos relacionamentos afetivos, sem deixar de lado certa ironia:
Mas até eu sei que o amor não se deixa guiar pela lógica nem o poder é distribuído igualmente. Os amantes chegam a seus primeiro beijos tanto com cicatrizes quanto com desejos. Nem sempre buscam alguma vantagem. Alguns precisam de abrigo, outros pressionam apenas pela hiper-realidade do êxtase, pelo qual contarão mentiras pavorosas ou farão sacrifícios irracionais. (…) Não ouvi um número suficiente de novelas de rádio para saber mais do que isso, embora a música popular tenha me ensinado que eles não sentem em dezembro o que sentiam em maio e que ter um útero pode ser incompreensível para aqueles que não têm, sendo o oposto também verdadeiro.
Para o feto, é igualmente incompreensível que sua mãe, magoada e amargurada, seja rapidamente seduzida pelo desejo por Claude e que, logo depois de ameaças, os dois voltem para a cama. Diante do cenário sombrio, o feto arquiteta um plano para escapar de vez dessa situação:
Preciso usar meus braços, minhas mãos, mas há tão pouco espaço! Vou dizer bem rápido: vou me matar. A morte de um bebê, na verdade um homicídio por causa do ataque irresponsável de meu tio a uma mulher no nono mês de gravidez.
A vontade de “vir a ser”, de “dar uma volta”, logo fazem com que o feto aborte os planos de enrolar o cordão umbilical em volta de seu pescoço, enquanto discorre sobre o espaço que pretende firmar no mundo. Esse trecho é uma belo ensaio sobre o mundo de hoje, suas mazelas e suas belezas. O feto, assim como nós mesmos nos sentimos às vezes, se debate entre o otimismo e o pessimismo, porque, ao mesmo tempo em que os horrores acontecem, eles abrem espaço para “narrativa heroica de invenções brilhantes”.
O narrador começa, então, uma longa reflexão sobre atitudes impulsivas e o quanto deixar a emoção dominar a razão pode ser nocivo. Ele percebe que seu quase suicídio foi um ato impensado que não traria nenhum tipo de punição para o amante de sua mãe e, talvez, nem para ela mesma. Ele diferencia o “pensar” do “agir” e chega à conclusão de que se ele concretizasse seus planos de vingança em nada se distinguiria do comportamento desprezível de Trudy e Claude:
A vingança pode ser executada cem vezes ao longo de uma noite insone. O impulso, a intenção sonhadora são humanos, normais e devíamos nos perdoar.
Mas a mão erguida, a execução violenta, essa é amaldiçoada. A matemática diz isso. Não há volta ao status quo ante, nenhum refrigério, nenhum doce alívio – ou algum que dure. Só um segundo crime.
O raciocínio só é interrompido pelo restabelecimento da raiva e repulsa de sua mãe por Claude, que tenta reassumir o comando da situação. Quando ela parece ter se recomposto e está pronta para apagar os rastros do crime, uma visita chega para lembrar que bem mais complicado do que varrer a embalagem do veneno para debaixo do tapete será lidar com os rastros da culpa.
Elodia, a poeta que acompanhou John na noite anterior ao assassinato, bate à porta para convidá-los para uma homenagem que o meio literário está organizando. Junto com o convite, ela revela que nunca teve nenhum caso com John e que aquela cena foi armada, porque ele ainda amava Trudy e estava abalado com o romance dela com o irmão. A notícia parece mexer com a mãe, que até então se apoiava no comportamento desprezível do ex-marido naquele jantar fatídico para aliviar sua culpa. E, agora, Claude não tem mais nenhum argumento para apaziguar os rompantes de consciência da amante.
Essa montanha-russa de sentimentos da mãe não impede que o feto pense também no seu bem-estar. Em meio a planos de assassinato, vinganças, problemas políticos e sociais do mundo, há espaço para seu momento egoísta. De alguma forma, ele precisa se encaixar nessa história:
Como ela poderia pensar em me dar para alguém? Vai precisar de mim. Vou iluminar a penumbra de inocência e compaixão que ela vai desejar manter a seu redor.
Seu momento de subir ao palco se aproxima. Dentro da sua casca de noz, o feto percebe, com certa amargura, que não há nenhuma preparação para recebê-lo, sua mãe não fez o “ninho”. Qual será, então, seu destino?
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