[Resenha] Cinco Esquinas

A primeira sensação que temos ao ler Cinco Esquinas, o novo livro do peruano Mario Vargas Llosa, lançado em meados do ano passado pela Alfaguara, é de estranhamento. Os personagens são repulsivos e caricaturais, o enredo parece um pouco batido, as descrições do ambiente são pedantes e repetitivas. Mas, apesar desses defeitos, não foram necessárias mais do que 50 páginas para que eu estivesse bastante envolvida neste thriller, que se passa no período anterior à queda do ditador Alberto Fujimori, que governou o Peru entre 1990 e 2000.

O romance começa com uma cena de sexo entre duas amigas que acabam passando a noite juntas por causa do toque de recolher imposto pelo governo no período, como forma de combate às ameaças de grupos terroristas, como o Sendero Luminoso. Em entrevistas, Llosa afirmou que o romance entre Marisa e Chabela só poderia acontecer em um período marcado pelo terror e pelo medo, no qual era comum que as pessoas passassem a noite em casa de amigos por causa do toque de recolher.

Mas há, também, um componente sensual que faz parte da “química” necessária para que a obra mais recente do peruano funcione. Sem essa relação inesperada e bastante ardente que se desenvolve em paralelo à trama central do livro, Marisa e Charbela não passam de duas esposas da alta sociedade, com maridos ricos e com a tendência bastante irritante de usar o diminutivo em suas frases. São truques tão antigos quanto a literatura, e dos quais Llosa abusa para prender a atenção do leitor em Cinco Esquinas.

Em meio a esse relacionamento, o marido de Marisa passa a receber ameaças. Enrique Cárdenas, o Quique, um engenheiro extremamente bem sucedido, é chantageado por Rolando Garro, dono de uma revista de notícias sensacionalistas e fofocas sobre celebridades, a Revelações. As fotos comprometedoras de Quique em uma orgia são usadas para tentar subornar o empresário.

A partir daí, a narrativa acaba ganhando ares de suspense, ao misturar assassinato, chantagens e injustiças (mais um truque!) com a prática de poder durante o período em que Fujimori governou. Vargas Llosa procura fazer uma crítica feroz ao poder de destruição de biografias do jornalismo “marrom”, sensacionalista, especialmente quando estava a mando de poderosos como o poderoso braço direito de Fujimori,  o chefe do serviço de inteligência Vladimiro Montesinos, descrito no livro apenas como o Doutor.

No entanto, a crítica acaba parecendo caricatural, especialmente porque falta aos personagens profundidade, facetas e traços um pouco mais reais que permitam que os leitores criem empatia com a história.  

Quique, por exemplo, tem tanta personalidade quanto seu escritório, decorado com livros de couro que nunca foram abertos e gravuras sem vida, sugeridas por sua renomada arquiteta. Ingênuo, Quique é sucessivamente manipulado pelas pessoas no seu entorno.

Na outra ponta do espectro social, os personagens não são menos condenáveis. Garro é um jornalista fuleiro, com péssima aparência e hábitos condenáveis. Na redação da revista se destaca sua principal redatora, a Baixinha. Supostamente a mulher forte do romance, criada apenas pelo pai em um bairro pobre, ela acaba depositária de todos os estereótipos que os escritores costumam atribuir a esse tipo de mulher, da solidão na vida pessoal à dureza no enfrentamento das situações adversas.

O único personagem digno de alguma empatia em Cinco Esquinas é um senhor abandonado, com início de demência senil, que perdeu o emprego do qual já não gostava muito por causa das críticas de Rolando Garro, na mesma época em que sua esposa faleceu. Ele é também um dos únicos personagens que habita o bairro que dá nome ao romance, um lugar abandonado e marcado pela violência, mas que já foi ponto de encontro da boêmia limenha. 

O surpreendente neste livro é, que, mesmo com personagens insossos, Vargas Llosa é capaz de sustentar uma trama com um fim inesperado, ainda que pouco plausível. Cinco Esquinas é uma obra menor de Vargas Llosa, ganhador do prêmio Nobel em 2010, que tem se afastado cada vez mais do experimentalismo de obras como Conversas na Catedral – um livro polifônico, em que o narrador muda a todo o tempo, às vezes até no mesmo parágrafo – para escrever romances de costumes que exigem pouco esforço por parte do leitor e, ao mesmo tempo, entregam uma carga elevada de adrenalina e emoção com a leitura.

Travessuras da Menina Má, com sua viagem pelos movimentos culturais que marcaram o fim do século XX, é um exemplo perfeito desse tipo de romance. Já Cinco Esquinas não tem trechos marcantes ou reflexões inesquecíveis, embora também tenha a capacidade de nos prender até a última página. O arrebatamento digno dos grandes clássicos da literatura passa longe, mas Vargas Llosa ainda é capaz de contar uma boa história. 

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
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2 Comentários

  1. Fiquei empacada lendo “travessuras da menina má”, ai peguei birra com Llosa… Vou tentar esse livro pra perder o trauma!!! 😀

    • Tainara Machado

      19 de janeiro de 2017 at 15:50

      Oi Carol! Tente sim! A leitura é bem fácil e flui bem, embora não seja o melhor livro do Llosa! Tomara que você goste da leitura! Depois de ler Cinco Esquinas, fiquei com vontade de voltar para os romances mais famosos dele, como Tia Julia e o Escrevinhador, para ver se mudou muito desde então!

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