[A Máquina de Fazer Espanhóis] Semana #11
Reta final de A Máquina de Fazer Espanhóis! Nesse último trecho lido, um pouco de suspense deixou no ar a possibilidade de um desfecho com emoções. Quais são os seus palpites? Na próxima semana, concluímos a leitura e nos despedimos de António e do Lar da Feliz Idade.
Por Mariane Domingos e Tainara Machado
Desde o início do romance, a narrativa se concentra em alguns moradores do Lar da Feliz Idade. No capítulo 19, Valter Hugo Mãe nos dá a chance de conhecer outros internos. Em uma descrição que António faz do horário do almoço, conhecemos grupinhos de pessoas, que assim como ele, senhor Pereira, Silva da Europa e Esteves, formaram laços de amizade fundamentais para trazer leveza ao dia a dia no asilo.
É interessante a maneira como Hugo Mãe conduz essa descrição. A disposição das mesas no pátio e as observações de António acerca do comportamento alheio lembram muito um ambiente escolar, em que a forma como todos se organizam diz bastante sobre seus hábitos, relacionamentos e a posição que ocupam em determinado grupo social:
o salão de almoço era longo e largo, com mais de quarenta mesas rectangulares, que serviam para um máximo de seis pessoas, e cinco redondas onde, em cada uma, se podiam sentar seis pessoas. Eu sentava-me, desde o primeiro dia, na mesa redonda mais à esquerda.
Ao falar sobre outros moradores do lar, António também aborda um aspecto relevante da convivência em um asilo. Às vezes, aquele rosto familiar nos horários das refeições, de repente, desaparecia. Diferente de uma escola, em que provavelmente o aluno teria se mudado ou algo parecido, a ausência no Lar da Feliz Idade significava a morte. Por isso, qualquer mudança na disposição dos grupos, das cadeiras e das mesas era tão dolorosa:
já não perguntávamos por estas pessoas, as que compunham as salas mas com quem não falávamos. não perguntávamos sobre o mesmo resultado de sempre, seria masoquista e até um pouco ofensivo para com os colegas, todos se esforçando por fazer de conta que aquele ainda era um lugar de vida.
E, embora os internos fossem “desaparecendo”, António nota que o número de moradores do Lar nunca oscilava. Eles somavam sempre 93 pessoas no Feliz Idade. Essa matemática inflexível abre brecha para especulações sobre o que realmente acontecia com os internos que morriam e acabavam por abrir vaga para novos colegas. Afinal, a existência humana não é assim tão exata e seria impossível conduzir naturalmente tamanha perfeição numérica.
O Lar da Feliz Idade aparentava mais um negócio em que a conta precisava sempre fechar, do que a uma instituição com uma missão de proporcionar tranquilidade e cuidado na terceira idade. Adiante na leitura, até mesmo a morte de Esteves é colocada sob suspeita, em uma conversa entre António e senhor Pereira:
estava feliz por ter cem anos. e depois vem o doutor bernardo e diz que ele se calou e já estava. eu não sei, senhor silva, a mim parece-me assim muito ajeitadinha aquela morte.
A suspeita leva à ação. Os dois senhores, mais traquinas do que duas crianças, começam a questionar o papel de Medeiros no falecimento de Esteves. Já incapaz de sair da cama, o senhor com quem Esteves dividiu o quarto em seus últimos dias foi capaz de lhe assustar até os ossos com seus olhares fulminantes e breves frases sobre a morte.
Desconfiados, os dois resolvem sair do quarto na madrugada para inspecionar como está a vida do espanhol, recém-chegado ao asilo, na companhia de Medeiros. A cena que se segue é um pouco hilária e muito trágica. Nas andanças pelo Lar, Valter Hugo Mãe narra esbarrões, pedidos de silêncio e conversas sussurradas em um ritmo digno de um grande autor:
há de haver uma luz de fora. as portadas não fecham direito. abra a porta, ó senhor pereira. eu vou abrir. porque não abre você. eu abro, sou mais cuidadoso. não me largue a mão. você não tem medo. tenho. chhh. você ainda me assusta mais. feche, feche agora. não vejo nada. aninhe-se. ui, doem-me as pernas para isso. não consigo. então encoste-se quieto à parede. não fale. chhh.
Ao chegar ao quarto de Medeiros, os dois se posicionam de ouvidos na porta, para tentar escutar alguma ameaça que porventura o velho possa fazer ao espanhol. Os dois, contudo, não estavam preparados para o que se seguiu:
naquele momento o senhor medeiros abriu a boca e disse, morre filho da puta, morre, seu grande filho da puta, e o espanhol respondeu, cabrão de diabo, filho da puta és tu.
Enfim descobrimos que as suspeitas sobre a máquina de tirar metafísica de um homem tinham certo respaldo na realidade. Medeiros representa um assustador mecanismo de aceleração da morte usado pelo Lar da Feliz Idade, ao enlouquecer seus companheiros de quarto. Depois de Esteves, a vez seria do espanhol, mas quem acaba muito abalado pela descoberta é António, que encerra o vigésimo capítulo à beira de um ataque cardíaco.
Será que teremos uma má notícia as últimas páginas do livro?
Achados & Lidos
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