[Lista] 5 destinos que conheci pelos livros

Julho está chegando e é mês de férias para muita gente (inclusive para mim \o/), por isso resolvi falar de duas das coisas que mais gosto na vida: leitura e viagem. Pode até ser clichê, mas é a mais pura verdade que ler é viajar sem sair do lugar. Preparei, então, uma lista com cinco destinos que a literatura me apresentou.

1. Islândia: o romance A Desumanização, do escritor Valter Hugo Mãe, se passa na Islândia – uma terra de beleza exótica e de uma espiritualidade intrínseca à natureza. A história é narrada por Halla, uma menina que enfrenta, ainda na infância, o significado da morte. Ela perde sua irmã gêmea, Sigridur, e se vê obrigada a encarar o inevitável – o amadurecimento. O livro traz, por meio da escrita delicada de Mãe, um retrato poético da região e de sua cultura:

O meu pai também dizia que a Islândia era deus e era a beleza de deus. E achava que, um dia, deus ia ficar feio. Quando deus ficar feio, disse ele, as coisas mudarão de lugar. As de cima para baixo, as de baixo para cima e as do meio para dentro. Até, talvez, vir para fora aquilo que está agora escondido. As coisas boas e as más.

O escritor sempre teve um fascínio pela Islândia. No posfácio, ele até agradece artistas como Björk, pela influência que tiveram no seu imaginário encantado sobre aquelas terras: “Sei que este livro é uma declaração de amor esquisita, mas é a mais sincera declaração de amor aos fiordes do oeste islandês”. Mãe passou uma temporada na Islândia para escrever esse romance e quem o acompanha nas redes sociais sabe que ele já se tornou um habitué da região!

2. Paris: vedete da literatura mundial, a capital francesa rende uma lista de títulos só dela. Selecionei um que pode soar uma escolha um tanto contraditória, já que a história não traz uma visão muito otimista da vida parisiense. Mesmo assim, decidi falar sobre ele, porque o li antes de visitar a cidade e as descrições minuciosas do lugar me marcaram e aguçaram ainda mais a minha curiosidade.

Em uma fria manhã do mês de setembro, dirigiu-se à rue de la Harpe, com seus dois manuscritos sob o braço. Caminhou até o Quais des Augustins, pôs-se a andar na calçada olhando alternativamente a água do Sena e as lojas dos livreiros, como se um bom gênio o aconselhasse a jogar-se na água mais do que na literatura.

E aí, adivinhou qual é o livro? Esse que caminha pela rue de la Harpe é Lucien, herói do grande romance de Honoré de Balzac, Ilusões Perdidas. Mais do que um cenário, Paris é quase que um personagem dessa obra. A história é centrada na transformação do jovem, que sai de sua vida provinciana, na qual se destacava, para ser mais um na multidão parisiense. Em suas tentativas de não cair no esquecimento, ele acaba tomando decisões questionáveis que colocam em xeque seu caráter.

Ser alguém em sua região e nada em Paris são dois estados que pedem transições; e aqueles que passam bruscamente de um a outro caem numa espécie de aniquilamento. Para um jovem poeta que encontrava eco para todos os seus sentimentos, um confidente para todas as suas ideias, uma alma para partilhar suas mínimas sensações, Paris transformar-se-ia num terrível deserto.

Ah, Balzac! <3

3. Praga: já falei sobre A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera, na minha lista de 5 livros que comprei pelo título. Ele vai aparecer de novo por aqui, porque, além de um ótimo enredo que traz à tona a questão da existência humana, o romance se passa em uma cidade que tenho muita vontade de conhecer – Praga. A época retratada não é a mais áurea da República Tcheca: 1968, ano em que os soviéticos invadem o país, após a Primavera de Praga. Sem perder o fio que conduz os quatro personagens centrais, Kundera contextualiza muito bem o período e as transformações por que passaram, desde a Segunda Guerra Mundial, não apenas o povo tcheco, mas também seu território:

Ela chegou à praça da Cidade Velha, onde se ergue a austera catedral de Tyn e as casas barrocas se alinham num quadrilátero irregular. O antigo prédio da prefeitura, uma construção do século XIV que em outra época ocupava um dos lados da praça, está em ruínas há mais de vinte e sete anos. Varsóvia, Dresden, Colônia, Budapeste, Berlim, foram terrivelmente mutiladas na última guerra, mas seus habitantes as reconstruíram e, em geral, tiveram o cuidado de restaurar com o maior capricho os bairros históricos. Essas cidades faziam os habitantes de Praga sentir complexo de inferioridade. Em sua cidade, o único prédio histórico destruído pela guerra é a antiga prefeitura. Decidiram conservá-la em ruína para que nenhum polonês ou alemão pudesse culpá-los de não ter sofrido o suficiente.

4. Rio de Janeiro: poucos escritores eternizaram essa cidade na literatura mundial como o gênio Machado de Assis. Em uma das minhas obras preferidas, O Alienista, a alegria de D. Evarista diante da permissão do marido, o dr. Simão Bacamarte, para visitar o Rio de Janeiro é contagiante:

– Consinto que vás dar um passeio ao Rio de Janeiro.

D. Evarista sentiu faltar-lhe o chão debaixo dos pés. Nunca dos nuncas vira o Rio de Janeiro, que posto não fosse sequer uma pálida sombra do que hoje é, todavia era alguma coisa mais do que Itaguaí. Ver o Rio de Janeiro, para ela, equivalia ao sonho do hebreu cativo. Agora, principalmente, que o marido assentara de vez naquela povoação interior, agora é que ela perdera as últimas esperanças de respirar os ares da nossa boa cidade; e justamente agora é que ele a convidava a realizar os seus desejos de menina e moça.

Quando penso nos clássicos brasileiros, outra imagem carioca que me vêm à cabeça é a rua do Ouvidor! No século XIX, todo o burburinho do Velho Mundo tinha passagem obrigatória por ali. Não à toa, a rua aparece em várias produções literárias do período, seja em breves citações ou em cenários de acontecimentos importantes, como em Memórias Póstumas de Brás Cubas, quando o nosso defunto autor reencontra sua paixão Virgília:

No dia seguinte, estando na rua do Ouvidor, à porta da tipografia do Plancher, vi assomar, a distância, uma mulher esplêndida. Era ela; só a reconheci a poucos passos, tão outra estava, a tal ponto a natureza e a arte lhe haviam dado o último apuro.

5. Rússia: não poderia terminar de outra forma senão com meu maior desejo turístico incentivado pela literatura! É impossível ler Dostoiévski, Tolstói, Tchekhov, Gógol, Turguêniev e não sentir vontade de conhecer São Petersburgo, Moscou e até a Sibéria! Deixo aqui um trechinho de Avenida Niévski, uma obra de Nikolai Gógol, em que o personagem principal é essa avenida, símbolo da modernidade e da efervescência de São Petersburgo:

Basta entrar na Avenida Niévski para sentir o aroma de um passeio. Mesmo que tenhamos algum assunto urgente e incontornável, ao entrar na avenida certamente esqueceremos tudo. Aqui é o único lugar onde as pessoas aparecem não por necessidade, um lugar para onde são atraídas não por uma obrigação, nem pelo interesse comercial, que arrebata Petersburgo inteira.

Vale um adendo para falar da esplêndida edição que a Cosac Naify fez dessa obra. Além das litogravuras de 1835 no início do livro, que reproduzem a paisagem da avenida de ponta a ponta, o texto é disposto em dois sentidos, em uma alusão ao ir e vir dos transeuntes. Um daqueles projetos gráficos em que forma e conteúdo literário conversam harmonicamente e que nos fazem sentir imensa saudade da Cosac Naify.

E vocês, já viajaram pelas páginas de um livro? Quais destinos e títulos mais lhe marcaram? Deixe aqui nos comentários!

Mariane Domingos

Mariane Domingos

Eu amo uma boa história. Se estiver em um livro, melhor ainda. / I love a good story. If it has been told in a book, even better.
Mariane Domingos

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1 Comentário

  1. Mariane, Avenida Niévski é sensacional. Gógol criou esse livro ótimo e colocou um lugar como personagem… <3

    Lembrei-me também – além da sua certeira lista – de Amós Oz, que nos transporta para Israel, e Mia Couto, que nos leva à África…

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