Falta pouco para o Dia dos Namorados e achei essa uma boa desculpa para fazer uma lista com cinco casais interessantes da literatura. Nem todos “viveram felizes para sempre”, mas tiveram uma história tão intensa, que o final é um mero detalhe.
1. Florentino Ariza e Fermina Daza (O Amor nos Tempos do Cólera): a história desses dois personagens é daquelas de novela! Após trocas de cartas e juras de amor eterno, a trajetória do casal é interrompida pelo matrimônio de Fermina com o doutor Juvenal Urbino, o promissor médico que venceu a epidemia do cólera.
Após meio século separados, Florentino reencontra Fermina no velório de Urbino e se declara a ela. Inicia-se aí a redescoberta de um amor suspenso no tempo. Os amantes, agora septuagenários, mostram que, a qualquer idade, é possível viver o novo.
O comandante olhou Fermina Daza e viu em suas pestanas os primeiros lampejos de um orvalho de inverno. Depois olhou Florentino Ariza, seu domínio invencível, seu amor impávido, e se assustou com a suspeita tardia de que é a vida, mais que a morte, a que não tem limites.
– E até quando acredita o senhor que podemos continuar neste ir e vir do caralho? – perguntou.
Florentino Ariza tinha a resposta preparada havia cinquenta e três anos, sete meses e onze dias com as respectivas noites.
– Toda a vida – disse.
E sabe o que é mais romântico nessa obra-prima de Gabriel García Márquez? Ela foi inspirada na história dos pais do escritor. Gabriel Elígio García, telegrafista, violinista e poeta, se apaixonou por Luiza Santiago Márquez, mas o casal enfrentou a oposição do pai da moça, que decidiu enviar à jovem ao interior por um ano para afastá-los. Gabriel montou, então, com a ajuda de amigos telegrafistas, uma rede de comunicação que alcançava Luiza onde ela estivesse. Pausa para o suspiro!
2. A criatura dócil e o seu marido (Uma Criatura Dócil): para mim, a melhor obra de Fiódor Dostoiévski. A breve novela é narrada por um marido atormentado diante do corpo da mulher, que jaz sobre a mesa. Ela, a “criatura dócil” do título, acabara de cometer suicídio, atirando-se pela janela. À época do casamento, ele tinha mais de quarenta anos e ela, uma jovem órfã sem muitas perspectivas na vida, ainda não completara dezesseis. No começo, tudo vai bem, mas com o tempo, “a criatura dócil se rebela”. O perfil possessivo e acomodado do marido entra em choque com os arroubos da juventude da esposa. Ele tenta expurgar sua culpa relembrando todos os momentos que o levaram àquela cena triste, que abre o livro:
…pois é, por enquanto ela está aqui, ainda está tudo bem: venho olhá-la a cada instante; mas amanhã será levada, e como é que irei me arranjar sozinho? Agora ela está na sala, em cima da mesa, juntaram duas mesas de jogo, o caixão vem amanhã, branco, com mortalha de seda branca, mas, aliás, não se trata disso. Eu só faço andar e tentar esclarecer isso tudo para mim mesmo. Já faz seis horas que estou tentando esclarecer e não há meio de concentrar meus pensamentos num ponto.
3. Dorine e André (Carta a D. – História de um amor): esse livreto, de apenas 58 páginas, não é uma obra de ficção. É uma das declarações de amor mais bonitas que já li. Nele, o jornalista André Gorz dirige-se a Dorine, sua companheira por quase sessenta anos. Ao refletir sobre sua relação com a esposa e sobre tudo que produziu nos campos da literatura, filosofia e sociologia, ele decide escrever essa obra, pois se incomoda com um aspecto: “Por que você está tão pouco presente no que escrevi se a nossa união é o que existe de mais importante na minha vida?”.
Gorz começa, então, a relembrar as várias fases de sua vida juntos, desde que se conheceram em 1947, em Lausanne, na Suíça. A inteligência e o espírito resoluto da mulher, o apoio incondicional e a contribuição que ela deu à profissão e às produções do marido, sua coragem diante das doenças que teve – Gorz admira tudo em Dorine:
Você está para fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que quarenta e cinco quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz cinquenta e oito anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. De novo, carrego no fundo do meu peito um vazio devorador que somente o calor do seu corpo contra o meu é capaz de preencher.
Esse livro foi escrito entre março e junho de 2006. No ano seguinte, a doença de Dorine se agravou irremediavelmente. Os dois se suicidaram e seus corpos foram encontrados lado a lado em setembro de 2007.
4. Bentinho e Capitu (Dom Casmurro): este é o casal da literatura brasileira. Não importa se você é do time que acredita no ciúme de Bentinho ou na dissimulação de Capitu. Qualquer uma das interpretações torna o casal emblemático. Essa obra de Machado de Assis sobrevive há séculos, porque, além de sua escrita genial, ele abordou temas universais e atemporais no que diz respeito a relacionamentos amorosos.
A alegria com que pôs o seu chapéu de casada, e o ar de casada com que me deu a mão para entrar e sair do carro, e o braço para andar na rua, tudo me mostrou que a causa da impaciência de Capitu eram os sinais exteriores do novo estado. Não lhe bastava ser casada entre quatro paredes e algumas árvores; precisava do resto do mundo também. E quando eu me vi embaixo, pisando as ruas com ela, parando, olhando, falando, senti a mesma coisa. Inventava passeios para que me vissem, me confirmassem e me invejassem. Na rua, muitos voltavam a cabeça curiosos, outros paravam, alguns perguntavam: “Quem são?” e um sabido explicava: “Este é o Doutor Santiago, que casou há dias com aquela moça, D. Capitolina, depois de uma longa paixão de crianças; moram na Glória, as famílias residem em Mata-cavalos.”
Deu até vontade de reler!
5. Eduard e Charlotte (As Afinidades Eletivas): amor e destino, casamento e liberdade. Essa obra de Goethe é centrada no conflito entre duas ideias sobre o casamento – a que o autor tinha e a que a sociedade da época aceitava – além de um terceiro elemento, diante do qual ambas se mostravam vulneráveis – a paixão.
O título é inspirado pelo princípio da química a respeito de certos elementos que são atraídos para outros. O casal Eduard e Charlotte vê sua história mudar com a chegada de Otillie e do capitão em sua casa. A atração que nasce entre Eduard e Otillie e entre Charlotte e o capitão desafia a paz da existência aristocrática do casal, que era fundada, principalmente, no compromisso do matrimônio.
Uma frase de Eduard, em conversa com Charlotte, logo do começo do romance, já anuncia que toda grande certeza tem uma surpresa à espreita:
O modo como vivemos tem se revelado até aqui um arranjo feliz. Não deveríamos, porém, fazer nada de novo?
E você, tem casais preferidos na literatura?
Mariane Domingos
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30 de maio de 2016 at 16:43
Ricardo e a chilenita Lily de ‘Travessuras da menina má’, do Vargas Llosa. Tá certo que tem muito mais manipulação que romantismo nesse casal… Mas o próprio livro levanta a questão: qual é a verdadeira face do amor?
2 de junho de 2016 at 18:02
Também gostei muito de Ricardo e Lily (Otília).
12 de junho de 2016 at 21:28
Bem lembrado, Gabriel! Os casais menos óbvios são os mais interessantes.
1 de junho de 2016 at 00:53
Que tema MARAVILHOSO para o post!
Bom, estive pensando e cheguei a 5 que também acho interessantes:
1) Odisseu e Penélope (Odisseia): muuuuito amor! Só penso nele chorando na ilha de Calipso pra voltar ao lar onde estava Penélope!
2) Jacó e Raquel (Gênesis/Bíblia): esse casal mereceu soneto de Camões! 14 anos de pastor Jacó serviu por sua amada!<3
3) Federigo e Monna Giovanna (Decamerão): MELHOR novela da obra! A prova de amor de Federigo me leva às lágrimas todas as vezes que leio (e sempre pego pra chorar… Momentos de crise)!!
4) Diadorim e Riobaldo (Grande Sertão: veredas): gente, Riobaldo ama Diadorim e ponto! Quer coisa mais revolucionária na Literatura Brasileira do que Guimarães sugerir um relacionamento homoafetivo na primeira metade do século XIX?!?
5) Cecília e Robbie (Reparação): Como não morrer com o romance dos dois? Mesmo quem não tenha lido o livro de McEwan e só viu o filme é maravilhoso!
<3
12 de junho de 2016 at 21:37
Ana, Milton Hatoum também acha que Diadorim e Riobaldo formam uma das histórias de amor mais bonitas da literatura, veja aqui! <3 Eu já escrevo minhas listas esperando as suas, porque sempre aumento consideravelmente minha fila de leituras.
2 de junho de 2016 at 20:45
Os meus cinco:
1 -(a feminista) Catarina e (o grotesco) Petruchio de ‘A megera domada’ (não foi fácil preterir Romeu e Julieta) – A guerra dos sexos, o casamento e críticas aos costumes da época são a ênfase desta peça teatral de Shakespeare que teve inúmeras versões para o cinema e TV. A minha preferida é a primorosa novela ‘O cravo e a rosa’.
2 – Scarlet O’Hara e Rhett Butler de ‘O vento levou’ – O único livro de Margaret Mitchell se transformou em um dos maiores clássicos do cinema. A história da mimada e irreverente Scarlet O’Hara que enfrenta tudo e passa por cima de todos para salvar da falência a fazenda da família durante a guerra de secessão e a reconstrução do pós guerra. O casal quase se acerta no final, mas um acontecimento trágico leva Rhett a pedir a separação. Triste, Scarlet volta para a fazenda Tara, onde em casa, no dia seguinte, pensará melhor em como reconquistar Rhett. After all, tomorrow is another day.
3 – Lara e o médico Iúri Jivago de ‘Doutor Jivago’. Este livro de Boris Pasternak publicado primeiramente em italiano em 1957 e só em 1989 na Russia, por ter ser proibido, conta os encontros e desencontros do grande amor entre Lara e Jivago durante a Revolução Russa.
4 – Fermina Daza e Florentino Ariza / 5 – Capitu e Bentinho – que você magistralmente descreveu.
12 de junho de 2016 at 21:46
Lilian, confesso que vi apenas a adaptação para TV de A Megera Domada e devo dizer que foi uma das melhores novelas a que já assisti. Concordo com você!
E já estou com vontade de ler E o Vento Levou! Conhecia a história de ouvir falar do filme, um clássico, mas acho que a leitura deve ser ainda mais interessante.