Do tipo curioso

Ler a última frase do livro antes de terminá-lo. Ou o último parágrafo. Ou a última página. Ou o último capítulo. Nem sempre fui assim. Tudo começou na minha adolescência quando conheci Agatha Christie.

A Rainha do Crime não me deixava seguir a ordem das páginas. Os personagens, as intrigas, as suspeitas surgiam e eu PRECISAVA de uma “dica” de quem cometeu o Assassinato no Expresso do Oriente, quem preparou Um Brinde de Cianureto, quem é a mente maquiavélica que habita A Casa Torta. Pronto, nascia mais uma leitora curiosa.

Ao leitor curioso, nunca faltam desculpas para fingir que ele lê o final por arte do acaso. “Sem querer abri naquela página”. “Uma manchinha no papel me chamou atenção”. “O marcador estava lá e eu precisava dele”. “Tinha uma orelha e eu fui desfazer”. É destino, gente.

À medida que avança na história e percebe que a informação da última frase não satisfaz sua curiosidade, o leitor curioso coloca mais velocidade na marcha à ré. Lê o último parágrafo, passa pra penúltima página, folheia o último capítulo. Sempre em busca daquela palavra-chave que vai esclarecer se o herói completará sua jornada, são e salvo.

As leituras precoces de últimos trechos de livro são, na maioria das vezes, rápidas e atropeladas. Não dá tempo de ler com calma. Leitor curioso experiente não se deixa flagrar, nem por ele mesmo. Adiantar o final, principalmente em romances policiais, é crime inafiançável no mundo da literatura.

E para quem acha que, ao descobrir o desfecho, perde-se o interesse na narrativa, engana-se. Para o leitor curioso, saber o desenlace da trama torna a leitura mais tranquila, mas nunca, desnecessária.

Moral da história? Numeração de páginas é um sistema arbitrário de controle da trajetória do leitor. Leitores curiosos, uni-vos!

ps.: Você ainda não foi diagnosticado como leitor curioso? Sugiro que passe pela prova de fogo. Vá à livraria ou biblioteca mais próxima e pegue um livro de Agatha Christie. Se você conseguir chegar à última página sem nenhunzinho desvio de rota (olhadelas contam, e livros “caindo” abertos na última página, também): 1) parabéns e 2) nunca permita que alguém lhe chame de curioso.