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[Resenha] Middlesex

Nasci duas vezes: primeiro como uma bebezinha, em janeiro de 1960, num dia notável pela ausência de poluição no ar de Detroit; e de novo como um menino adolescente, numa sala de emergências nas proximidades de Petoskey, Michigan, em agosto de 1974.

Middlesex, segundo romance de Jeffrey Eugenides, publicado em 2002, é, desde o princípio, claro sobre a história que será narrada: a vida de uma menina que, por uma alteração genética desconhecida e rara, se descobriria um menino na adolescência. Calíope Stephanides, que se tornaria Cal anos mais tarde, é hermafrodita. Um assunto que continua sendo tratado com preconceito e estranhamento, ainda que hoje se fale com um pouco mais de naturalidade sobre identidade de gênero, é o tema de um romance épico sobre formação e sexualidade.

O romance, com ares de odisseia familiar, é muito bem construído. Eugenides opta por dedicar por parte do livro à trajetória da família Stephanides, perfazendo o caminhos percorridos por uma mutação genética, a 5-alfa-redutase, de baixíssima incidência, que irá definir o destino da personagem central do livro

A história começa com um episódio inusitado, a cerimônia da colher. Embora seja narrado em primeira  pessoa, por Calíope/Cal, o narrador é onisciente quando se trata dos fatos anteriores ao seu nascimento. Presenciamos assim o momento em que Desdêmona balança a colher de  prata guardada na caixinha de bichos da seda que trouxe consigo da Europa e diz que o segundo bebê de Tessie e Milton seria  um menino.

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[Resenha] O Diabo no Corpo

O enredo? Um caso entre uma mulher casada, de 19 anos, e um jovem de 16. O período? Primeira Guerra Mundial, sendo o marido traído um soldado. O autor? Raymond Radiguet, que escreveu o romance entre seus 16 e 18 anos. O Diabo no Corpo, uma das poucas obras desse escritor francês, que faleceu precocemente aos 20 anos, gerou polêmica quando foi publicado em 1923 e, ainda hoje, conquista leitores por sua ousadia.

O narrador é um colegial que descobre as angústias e prazeres da paixão ao lado de Marthe, que, apesar de jovem e apenas um pouco mais velha que ele, já era casada com Jacques, um soldado em combate na Primeira Guerra Mundial. O romance foi lançado no período pós-guerra. O fato de o grande enganado da história ser um membro do exército claramente não agradou a sociedade, que ainda lidava com as cicatrizes recentes de uma juventude sacrificada em anos sangrentos. Logo no início do romance, Radiguet já ambienta, de uma maneira até um pouco irônica, o contexto conturbado de então, que possibilitou aquele caso proibido:

Vou me expor a recriminações. Mas o que posso fazer? É minha culpa se completei doze anos alguns meses antes do início da guerra? Sem dúvida, os transtornos que me trouxe esse período extraordinário foram de um tipo que jamais se experimenta nessa idade; mas como, apesar das aparências, nada é forte o bastante para nos envelhecer, ainda criança eu tomaria parte numa aventura em que mesmo um homem se veria em apuro. Não fui o único. E que não é a mesma dos rapazes mais velhos. Que aqueles já indispostos comigo considerem o que foi a guerra para tantos meninos: quatro anos de férias.

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[Resenha] Dias de Abandono

Ler Elena Ferrante é mergulhar no turbilhão de sentimentos, nem sempre virtuosos, tampouco compreensíveis, que compõem a natureza humana. Se nos volumes da tetralogia napolitana a escritora já dá mostras dessa habilidade em trechos esparsos cuja precisão e impacto exigem releitura, em Dias de Abandono são 181 páginas dessa prosa avassaladora. O fôlego narrativo de Ferrante é surpreendente: faz o leitor esquecer seu entorno e o transporta para a caótica intimidade de Olga, uma mulher abandonada pelo marido depois de 15 anos de casamento.

O processo de redescoberta da personagem é central no enredo. Todos os estágios do abandono – dos momentos de lucidez aos de irracionalidade completa – são descritos minuciosamente. A narradora em primeira pessoa potencializa a honestidade do relato. A sensação é de que Olga está logo ao lado, confessando despudoradamente todo seu sofrimento.

Em um primeiro momento, ela se força a manter a calma. Apoiando-se na certeza de que a ruptura com Mario é passageira, Olga leva os dias de maneira desatenta, como se colocasse sua vida em suspenso, apenas aguardando o restabelecimento de sua rotina passada. À medida que o tempo avança, a esperança esmorece e dá lugar a uma mistura de raiva, saudade e obsessão.

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[Resenha] O Vendido

Pode ser difícil de acreditar vindo de um negro, mas eu nunca roubei nada. Nunca soneguei impostos nem trapaceei no baralho. Nunca entrei no cinema sem pagar nem fiquei com o troco a mais dado por um caixa de farmácia indiferente às regras do mercantilismo e às expectativas do salário mínimo.

As primeiras frases de O Vendido, de Paul Beatty, são um aperitivo do humor sarcástico e um tanto perturbador que marca praticamente todas as páginas desse romance, ganhador do Man Booker Prize no ano passado. Narrado em primeira pessoa por Eu, um garoto negro de um bairro pobre na região da Califórnia, o livro começa com seu julgamento perante a Suprema Corte dos Estados Unidos.

Os crimes de que Eu é acusado são verdadeiramente hediondos: escravizar um funcionário e promover a segregação racial na cidade de Dickens. A realidade, porém, é que Hominy, o escravo, não trabalha nem 15 minutos por dia e fez de tudo para que Eu o aceitasse em sua servidão, argumentando até mesmo que “a verdadeira  liberdade é ter o direito de ser escravo”.

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[Dicas da Imensidão] Semana #9

Até o momento, Peso foi o conto que mais escancarou a questão feminina, ao abordar  um tema bastante sério e urgente: a violência doméstica contra mulheres. Mantendo o estilo que já conhecemos, de revelar a história aos poucos em relatos que oscilam entre passado e presente, Margaret Atwood nos presenteia com mais uma narrativa de altíssima qualidade. Para a próxima semana, vamos até a página 214, com a leitura do conto que intitula o livro – Dicas da Imensidão.      

Mariane Domingos e Tainara Machado

A narradora do conto Peso é marcada pelo cansaço. Uma fadiga em relação à vida, às pessoas e à crueldade humana. Logo nas primeiras frases, ela deixa isso claro:

Estou ganhando peso. Não estou ficando maior, apenas mais pesada. (…) O peso que sinto está na energia que consumo para me locomover: andar pela calçada, subir a escada, ao longo do dia. Está na pressão em meus pés. É uma densidade nas células, como se eu bebesse metais pesados. Nada que se possa medir, embora existam as pequenas protuberâncias de carne habituais que precisam ser tornadas mais firmes, mais musculosas, mais trabalhadas com malhação. Trabalhada. Tudo está se tornando trabalhoso demais.

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