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[Divã] Como criar empatia

 

Há algumas semanas, esbarrei com uma reportagem bastante interessante. Um grupo de garotos, todos na faixa de 16 e 17 anos de idade, recebeu como punição por ter pichado um prédio com insultos racistas a tarefa de ler uma lista de clássicos da literatura de autores negros, afegãos e judeus (vale dar uma olhada na seleção de títulos aqui).

O objetivo, óbvio, era desenvolver nestes meninos a empatia pela história e pelo sofrimento alheios e fazê-los entender o poder devastador dos discursos de ódio. A juíza, Alex Rueda, filha de uma bibliotecária, declarou que a sentença partiu de sua própria formação, já que ela conheceu e compreendeu o mundo pelos livros.  

A capacidade de nos colocar no lugar do outro é, sem dúvida, um grande valor da literatura. Mais do que nos levar a conhecer lugares distantes sem sair do sofá de casa, o poder dos livros reside principalmente em nos permitir compartilhar experiências coletivas, discriminação, sofrimento e abusos sem que essa seja nossa vivência imediata.

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[Resenha] Um Copo de Cólera

Antes de escrever este texto, li duas vezes Um Copo de Cólera. A primeira leitura durou uma semana, dividida em intervalos de outras atividades. Terminei com a sensação de que havia algo no texto que me escapava. A segunda tentativa foi em uma manhã, de forma ininterrupta e em voz alta. As duas experiências me deixaram com uma certeza: o personagem principal do livro de Raduan Nassar, escritor brasileiro recentemente agraciado com o Prêmio Camões, é a linguagem.

A força do vocabulário, milimetricamente escolhido e posicionado, faz dessa obra um daqueles sopros de originalidade da literatura. Não comece a leitura esperando um enredo mirabolante, do tipo que você precisa chegar à última página para unir todas as pontas e assimilar o sentido da história. Nassar significa suas ideias em cada palavra. Não há sequer um trecho supérfluo no livro. Talvez por isso ele não seja extenso – tem apenas 84 páginas. Seria impossível sustentar esse fôlego por muito mais.

A história é narrada por um homem recluso e com ares de “Narciso” – referência ao personagem da mitologia grega que definha admirando sua própria beleza no reflexo de um rio. Depois de uma noite de paixão, à mesa do café da manhã com sua amante, tudo parece seguir um caminho previsível, quando um fato aparentemente banal é o gatilho que coloca em cena outro personagem – a cólera:

… mas meus olhos de repente foram conduzidos, e essas coisas quando acontecem a gente nunca sabe bem qual o demônio e, apesar da neblina, eis que vejo: um rombo na minha cerca viva, ai de mim, amasso e queimo o dedo no cinzeiro, ela não entendendo me perguntou “o que foi?”, mas eu sem responder me joguei aos tropeções escada abaixo (o Bingo, já no pátio, me aguardava eletrizado), e ela atrás de mim quase gritando “mas o que foi?”, e a dona Mariana corrida da cozinha pelo estardalhaço, esbugalhando as lentes grossas, embatucando no alto da escada, pano e panelas da mão, mas eu nem via nada, deixei as duas para trás e desabalei feito louco, e assim que cheguei perto não me aguentei “malditas saúvas filhas da puta”, e pondo mais força tornei a gritar “malditas saúvas filhas da puta”, vendo uns bons palmos de cerca drasticamente rapelados, vendo uns bons palmos de chão forrados de pequenas folhas, é preciso ter sangue de chacareiro para saber o que é isso…

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