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Praticando o desapego

leitor-no-divaSe há um problema com o qual todo leitor vai se deparar, cedo ou tarde, este é o espaço. A depender do tamanho da sua casa, da disposição das estantes e de suas prioridades (sinto muito por quem também coleciona DVDs), esse encontro de contas pode vir logo ou demorar uns bons anos, mas é inevitável.

O meu aconteceu há pouco tempo. Mudei-me recentemente para uma casa menor e com muito menos armários e prateleiras. Para a minha sorte, o apartamento novo tem uma bela estante, mas há o inconveniente de que ela não é toda minha. Pior ainda, tenho que dividi-la com livros de direito, que ocupam um espaço enorme.

Por isso, fui obrigada a praticar o desapego. Gostaria de poder escrever que foi uma experiência libertadora, que eu consegui reduzir a coleção a uma lista seleta de títulos bem escolhidos e que doei tudo o que tinha, mas seria uma mentira. Até porque a separação não foi traumática: a parte da minha (já não tão) pequena biblioteca que eu não pude trazer ficou na minha mãe.

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[Resenha] Formas de Voltar para Casa

Sabia pouco, mas pelo menos sabia isto: que ninguém fala pelos outros. Que, mesmo que queiramos contar histórias alheias, terminamos sempre contando nossa própria história.

Para ser bom, um livro não precisa ser grande, ter trama complexa, muitos personagens ou abusar das palavras difíceis. Ele pode ser tão simples quanto Formas de Voltar para Casa, do chileno Alejandro Zambra.

Como diz Alan Pauls na resenha que ocupa a orelha da edição da Cosac Naify (essa da foto), o tom é a grande invenção do Zambra romancista. E ele é baixo. São frases curtas, diretas, mas cheias de sentido e interpretações, como quando, logo na primeira página, o narrador relembra as brigas dos pais. “Ela dizia cinco frases e ele respondia com uma única palavra. Às vezes dizia, cortante: não. Às vezes dizia, à beira de um grito: mentira. E às vezes, inclusive, como os policiais: negativo”. Zambra, que já apareceu por aqui, é fonte quase inesgotável para o Marque a página.

Se o tom é baixo, os sentimentos são sutis, quase sussurrados. O livro começa com as lembranças do terremoto que atingiu o Chile em 1985, noite na qual o narrador, sem nome, conheceu Claudia, “o nome de noventa por cento das mulheres da minha geração”. Ela é um dos tantos “personagens secundários”, título do primeiro capítulo do livro, que teve a vida virada do avesso por um acontecimento que parecia estar fora do presente, de tão longe do dia a dia daquele bairro no subúrbio de Santiago: o golpe que levou Augusto Pinochet ao poder.

Com curiosidade, parecendo se tratar de apenas mais uma brincadeira de criança, o narrador obedece ao pedido dela, três anos mais velha, para que espie seu tio, Raúl. Só vai entender que assim partilhou de algumas das muitas cicatrizes que Claudia leva desse período muitos anos depois. O que ele,  por sua vez, guarda do período mais sombrio da história recente do Chile é, pelo contrário, a falta de marcas indeléveis desses anos. Em outro momento, pensa, em meio a uma conversa com colegas de faculdade, que “era o único que provinha de uma família sem mortos, e essa constatação me encheu de uma estranha amargura: meus amigos tinham crescido lendo os livros que seus pais ou seus irmãos mortos tinham deixado em casa. Mas na minha família não havia mortos nem havia livros”.

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Eternos começos

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Dia desses, em um café, conversávamos sobre o que é, talvez, a obra mais falada e menos lida de todos os tempos. Em Busca do Tempo Perdido, do francês Marcel Proust, é universalmente conhecido pelas frases longas, pelo texto rebuscado e pela dificuldade que é passar das 100 primeiras páginas de O Caminho de Swann – que dirá atravessar os sete volumes que compõem a obra.

Não à toa, o trecho mais popular da história é o momento em que o narrador morde uma “madeleine”, um biscoito francês, e o sabor o leva a reminiscências de sua infância em Combray.

A cena está logo nas primeiras páginas, onde a maioria dos mortais consegue chegar. Não muitos conseguiram ir além disso. Chegar a O Tempo Recuperado, então, é tarefa hercúlea – pessoalmente, não conheço ninguém que tenha completado esse trabalho.

Todo esse preâmbulo é apenas para compartilhar uma das minhas maiores aflições literárias: ficar presa no começo de um livro. Acontece com certa frequência e nem sempre porque o livro é difícil ou um grande clássico.

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[Resenha] Diga o Nome Dela

imagem pacífico

Seguir em frente pode significar deixar tanto para trás que se torna insuportável. Em Diga o Nome Dela, o escritor americano Francisco Goldman enfrenta com maestria um sentimento tão paradoxal e particular ao luto. Se desfazer de objetos, roupas e livros é difícil porque aos poucos se percebe que será preciso se deparar com uma segunda morte, às vezes até mais dolorosa, que é a das memórias.

Embora seja um autor razoavelmente conhecido nos Estados Unidos, colaborador da The New Yorker, Goldman teve apenas este livro traduzido e publicado no Brasil, pela Cia da Letras. Conheci a história nas páginas da revista piauí, e fiquei com aquele texto ecoando na minha cabeça por semanas – gosto, não sei bem explicar por quê, de histórias de grandes amores e finais tristes.

Meses depois, encontrei-o dando sopa em uma feirinha de livros na redação. No excerto do livro publicado pela piauí, Goldman conta como conheceu sua jovem esposa, Aura, como a pediu a esposa em casamento, os temores dela sobre a probabilidade de ficar viúva jovem (a diferença de idade entre os dois era de 20 anos) e encerra o texto com sua morte prematura.

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