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[Resenha] O Dono do Morro

De vez em quando, nós do Achados e Lidos deixamos a literatura um pouco de lado para embarcar no jornalismo. O Dono do Morro – Um Homem e a Batalha pelo Rio (Companhia das Letras, 353 páginas), do jornalista inglês Misha Glenny, é do tipo que vale a viagem.

O livro reúne as qualidades essenciais para uma boa reportagem. É bem escrito, bem apurado e, o que considero seu grande trunfo, se baseia em um dos personagens mais interessantes a emergir dos morros do Rio de Janeiro nas últimas décadas: o Nem da Rocinha.

Sua história é digna de cinema. Antônio Francisco Bonfim Lopes nasceu em uma família pobre. A mãe era empregada doméstica e passava a maior parte da semana dormindo no emprego, em um dos bairros abastados da orla do Rio de Janeiro. O pai pulava de trabalho em trabalho, mas acabou se fixando em um bar de Copacabana. Os dois bebiam e o lar tinha episódios violentos.

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[Divã] Jornalismo e literatura

O Dia do Jornalista, comemorado na última sexta-feira, 7 de abril, me fez pensar em grandes escritores que também atuam no jornalismo. Uma tentativa, talvez, de compreender por que, há dez anos, quando prestei vestibular, escolhi essa formação, rs. A lista, bem extensa, revelou uma variedade de épocas e estilos que mostram as nuances da relação entre as duas profissões.

O escritor francês Honoré de Balzac foi o primeiro que lembrei. Ele exerceu intensamente na juventude a atividade jornalística, com artigos sobre política, literatura, filosofia e mais duas outras áreas em que poucos o imaginam. Balzac foi crítico pioneiro de moda e de gastronomia na Paris dos anos 1820-30. O livro Tratado da Vida Elegante, publicado ano passado pela Penguin Companhia no Brasil, reúne esses textos.

O jornalismo era tão presente na realidade de Balzac que aparece quase como um personagem em um de seus romances mais famosos, Ilusões Perdidas. Nele, o jovem poeta Lucien abandona sua vida provinciana e vai para Paris, onde realiza o sonho de ser jornalista e é definitivamente corrompido pela vaidade social. Sua ascensão na profissão acompanha sua decadência moral:

Uma vez admitido no jornalismo e na literatura em pé de igualdade, Lucien percebeu as enormes dificuldades a serem vencidas no caso de querer se elevar: todos consentiam em tê-lo como igual, ninguém o queria como superior. Imperceptivelmente, ele renunciou, pois, à glória literária, acreditando que a fortuna política era mais fácil de ser obtida.

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“Sinatra estava doente. Padecia de uma doença tão comum que a maioria das pessoas a considera banal. Mas quando acontece com Sinatra, ela o mergulha num estado de angústia, de profunda depressão, pânico e até fúria. Frank Sinatra está resfriado.”

Gay Talese em Fama & Anonimato

[Resenha] O Livro Amarelo do Terminal

Borrar as fronteiras entre o jornalismo e a literatura não é tarefa fácil. Há sempre o risco de se avançar demais em um dos lados e comprometer a outra parte da equação: a informação ou a narrativa. Em O Livro Amarelo do Terminal, no entanto, Vanessa Barbara não faz concessões.

Para escrever esta reportagem, Barbara passou seis meses percorrendo os corredores, passarelas e portões do Tietê, ainda como estudante de jornalismo. Levantou artigos sobre o período de construção do terminal, as idas e vindas da obra, as reformas antes mesmo da inauguração. Falou das estatísticas oficiais que atraem atenção dos portais de notícias nas vésperas de feriado. E encontrou também personagens que parecem saídos da ficção. Minha parte preferida são as boas horas em que ela passou ao lado das moças do balcão de informação, uma área que Barbara também parece ter apreciado muito.

“Onde é que eu posso comprar um teco de pimenta?”, um homem perguntou para Silvana, atendente do local. “Eles pensam que a gente tem resposta para tudo”. Como no dia em que chegou uma velhinha calma, perguntando:
– Moça, onde é que eu faço inscrição para ir pro Iraque?
-… Desculpe?
– Pro Iraque. Eu quero ir pra guerra, buscar o meu filho.
– Ahn… senhora, nós não oferecemos esse tipo de serviço.

Se as moças do balcão de informação não sabem dizer onde se alistar para o Iraque, pode ter certeza que elas poderão te ajudar se o objetivo for saber onde fica o Shopping D, qual ônibus vai para Jaguariúna ou como achar o Pelé na estação.

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[Vozes de Tchernóbil] Semana #6

Infelizmente, a leitura está chegando ao fim! Para a próxima semana, vamos até a página 349.

Por Tainara Machado e Mariane Domingos

No último post, falamos aqui do trabalho primoroso de edição de Svetlana Aleksiévitch, de sua capacidade de sobrepor narrativas sem torná-las repetitivas e de nos conduzir, ao longo da história, pelos diferentes sentimentos com que foram confrontados os habitantes de Tchernóbil e arredores.

O trecho que lemos nesta semana traz com mais ênfase a visão de cientistas e pesquisadores que foram enviados ao reator pelas autoridades. Ao longo dos depoimentos, é levantado um traço muito interessante da relação dos soviéticos com a ciência: as zonas que foram atingidas pela explosão viviam, simultaneamente, em duas eras. A evolução, ou melhor, o salto tecnológico dessa nação foi brusco e setorizado. Não houve preparação. “O átomo e a pá” coexistiam:

Dentre os trabalhadores da central de Tchernóbil, muitos eram camponeses. De dia estavam nos reatores, e à noite, cuidando das suas hortas, ou na casa dos pais, na aldeia vizinha, plantando batatas com a pá ou espalhando esterco com a forquilha. (…) A sua consciência oscilava entre dois tempos, entre duas eras: a da pedra e a atômica. E o homem, como um pêndulo, movia-se de um extremo a outro.

Até entre os pesquisadores e cientistas, o nível de compreensão da extensão do acidente era desigual, mas não resta dúvida de que essas eram as pessoas que tinham mais clareza sobre as consequências perniciosas do desastre. O que você faz quando sabe o que está acontecendo e não tem nenhuma reação? Em um dos relatos, Aleksiévitch parece confrontar o narrador com essa questão.

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