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[Divã] Quem tem medo de falar de racismo?

Enquanto o mundo assistia embasbacado à atuação do jovem Kylian Mbappé na vitória da França sobre a Argentina, em um jogo que classificou os franceses para as quartas-de-final da Copa do Mundo da Rússia, o youtuber brasileiro Júlio Cocielo proferia uma “piada” absurdamente racista em seu Twitter: para ele, Mbappé “conseguiria fazer uns arrastão top na praia”.

O post gerou furor na internet, mas houve quem defendesse Cocielo: para uma parte de seus fãs, foi apenas uma brincadeira, já que Cocielo tem “bom coração”. Desde então, ele apagou impressionantes 50 mil tweets, não antes que milhares de prints com afirmações homofóbicas e racistas viessem à tona.

Mbappé é um atleta jovem, forte e extremamente talentoso. Comparar a rapidez de suas arrancadas ao potencial de “arrastão” é de um racismo perverso, mas defender o youtuber e afirmar que essa foi apenas uma brincadeira é bastante sintomático do racismo que se esconde nos meandros da sociedade brasileira. É pouco provável que Cocielo dissesse que Cristiano Ronaldo faria arrastões top na praia.

Em seu novo livro, Quem Tem Medo do Feminismo Negro (Companhia das Letras, 145 páginas, R$ 29,90)  Djamila Ribeiro é clara sobre o papel do humor na perpetuação do racismo.

É preciso perceber que o humor não é isento, carregando consigo o discurso do racismo, do machismo, da homofobia, da lesbofobia, da transfobia. Diante de tantos humoristas reprodutores de opressão, legitimadores da ordem, fico com a definição do brilhante Henfil: “O humor que vale para mim é aquele que dá um soco no fígado de quem oprime”.

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[Resenha] Coisas Que Não Quero Saber

Em Coisas Que Não Quero Saber, a sul-africana Deborah Levy transforma relatos autobiográficos em ensaios e constrói uma breve narrativa sobre o poder libertador da escrita. Quatro textos, organizados a partir do ensaio Por Que Escrevo, de George Orwell, trazem à tona três momentos cruciais da vida da escritora. As memórias que Levy passou décadas tentando afastar afloram em sua escrita, instigada, sobretudo, pelas perguntas:

“O que fazemos com o conhecimento com o qual não suportamos conviver? O que fazemos com as coisas que não queremos saber?”

O primeiro ensaio contextualiza essa autoinvestigação a que Levy se propõe. Após uma crise de choro nas escadas rolantes do trem de Londres, ela decide, abruptamente, fazer uma viagem a um lugar ermo de Maiorca. Durante essa escapada, um encontro fortuito a faz voltar às suas origens e encarar algumas lembranças difíceis.

Levy nasceu na África do Sul da época do Apartheid. Ela tinha apenas cinco anos quando assistiu, em sua própria casa, à prisão do pai, perseguido por ser membro do partido social-democrata African National Congress e atuar contra o regime segregacionista. Passam-se quatro anos até que ela e o irmão voltem a vê-lo.

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[Entrevista] Scholastique Mukasonga

“Minha mãe era uma contadora de histórias reconhecida. Ela não sabia nem ler nem escrever e desconhecia o francês. Mas se eu tenho qualquer talento para escrita, é a ela que eu devo essa habilidade. Mais do que o título de escritora, reivindicarei o de contadora de histórias.”

Todos nós que acompanhamos a leitura de Nossa Senhora do Nilo não hesitamos em dar esse título a Scholastique Mukasonga. A desenvoltura para narrar uma grande história a partir de curtos episódios e personagens emblemáticos é marcante em sua obra.

Por essas qualidades, sua obra tem recebido grande reconhecimento. O primeiro título de Scholastique Mukasonga, Inyenzi ou les Cafards, obteve o reconhecimento da crítica e alcançou grande público na França. O segundo, A Mulher de Pés Descalços, levou o prêmio Seligmann 2008 “contra o racismo, a injustiça e a intolerância”. O terceiro, L’Iguifou, foi coroado pelo prêmio Renaissance, e o quarto, Nossa Senhora do Nilo, pelo prêmio Renaudot 2012.

Nascida em Ruanda, a escritora vive hoje na região da Baixa Normandia, na França. Comunicamo-nos com ela por e-mail e fomos extremamente bem acolhidas. Desde o primeiro contato, a autora se mostrou saudosa do sol do Brasil e dos brasileiros. A todo momento, ressaltou o quanto se sentia grata pelo tempo que dedicamos à leitura atenta de Nossa Senhora do Nilo e se mostrou interessada em conhecer as opiniões de seus leitores.

Estamos muito felizes de encerrar nosso oitavo Clube do Livro com uma participação tão especial!

Confiram, abaixo, a entrevista na íntegra.

Achados & Lidos: O que mais nos impressionou em Nossa Senhora do Nilo foi a sua habilidade para contar histórias. A grande narrativa se forma a partir do conjunto de pequenas histórias, com muita sutileza. Em A Mulher de Pés Descalços, você comenta que sua mãe era uma grande contadora de histórias. Ouvi-la era um momento especial em família. A oralidade que marca sua literatura é uma influência e, ao mesmo tempo, uma homenagem à sua mãe? Você acredita que a arte de contar histórias é a base da literatura?

Scholastique Mukasonga: Os povos que, como os ruandeses, não conheciam a escrita, não tinham uma verdadeira literatura. Diferentes gêneros (poesias de guerra, pastorais, narrativas históricas etc.) eram praticados na corte real. Os contos populares reservavam-se, sobretudo, às mulheres. Eu fiz uma espécie de patchwork de temas no capítulo IX de A Mulher de Pés Descalços [O País dos Contos].

Minha mãe era uma contadora de histórias reconhecida. Ela não sabia nem ler nem escrever e desconhecia o francês. Mas se eu tenho qualquer talento de escritora, é a ela que eu devo essa habilidade. Mais do que o título de escritora, reivindicarei o de contadora de histórias.

Achados & Lidos: O que acontecia no liceu Nossa Senhora do Nilo era apenas uma amostra do que se passava em Ruanda na época. Por que você escolheu o liceu para ambientar essa narrativa, com personagens tão jovens?

Mukasonga: Se o romance não fosse autobiográfico, o liceu Nossa Senhora do Nilo jamais teria existido. Eu me servi do liceu que frequentei, Notre-Dame de Citeaux, em Kigali. O liceu é um microcosmo da Ruanda dos anos 70, onde se desenhavam as premissas do genocídio de 1994. Ele me permitiu conservar a unidade de lugar (o liceu) e a unidade de tempo (um ano escolar correspondente à longa temporada de chuvas).

Achados & Lidos: Assim como em A Mulher de Pés Descalços, em que as mulheres têm um papel central na narrativa, em Nossa Senhora do Nilo, a questão feminina também é bastante presente. O episódio da primeira menstruação, todas nós, leitoras, sentimos o peso que carregamos por sermos mulheres. Você acredita que as escritoras têm um papel importante em relatar essa situação e contribuir para mudá-la?

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[Nossa Senhora do Nilo] Semana #3

Na última leitura, mergulhamos na rotina do liceu Nossa Senhora do Nilo! Nas sutilezas das histórias cotidianas, Scholastique Mukasonga faz um preciso retrato do povo ruandês. Para a próxima semana, avançamos até a página 104.

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

A educação é uma ferramenta poderosa nas mãos do colonizador – o dia a dia no liceu Nossa Senhora do Nilo não nos deixa mentir:

O sinal tocou outra vez. As aulas iam começar. Francês, matemática, religião, higiene, história-e-geografia, educação física, esporte, inglês, kinyarwanda, costura, francês, culinária, história-e-geografia, física, higiene, matemática, religião, inglês, costura, francês, religião, francês…

Um aspecto chama a atenção nesse trecho: Mukasonga se utiliza do recurso linguístico da repetição para estabelecer um ritmo, especialmente no final, em que fica clara a predominância das aulas de francês e religião na grade curricular das alunas. Enquanto o idioma local – o kinyarwanda – tem um espaço tímido na programação, o francês se impõe como a língua a ser aprendida e a religião, como assunto a ser priorizado. Quando pensamos na história de colonização do nosso país e dos nossos vizinhos na América, vemos que as coisas não foram tão diferentes por aqui, não é?

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[Nossa Senhora do Nilo] Semana #1

Prontos para a oitava edição do Clube do Livro do Achados & Lidos? Antes de iniciarmos a leitura, vamos conhecer melhor a obra da escritora ruandesa Scholastique Mukasonga, que causou furor em sua recente passagem pelo Brasil. Para a próxima sexta-feira, vamos até a página 38. Se ainda não conseguiu seu exemplar de Nossa Senhora do Nilo, corra que ainda dá tempo!

Mariane Domingos e Tainara Machado

Em 1994, em Ruanda, os hutus no comando do país mataram 800 mil tutsis e deixaram muitos outros milhares desabrigados, em um dos genocídios que marcaram o século XX. Scholastique Mukasonga, autora de Nossa Senhora do Nilo, livro escolhido para a oitava edição do Clube do Livro do Achados & Lidos, perdeu 27 membros de sua família no massacre, entre eles seus irmãos e sua mãe.

Ela só sobreviveu porque teve acesso à educação, em um dos colégios católicos mantidos pelos colonizadores belgas, onde ela aprendeu francês. Ainda muito jovem, Mukasonga emigrou, primeiro para o Burundi, em 1973, e depois para a França, em 1992, cumprindo assim a ideia fixa de sua mãe, que era salvar os filhos, ou pelo menos algum deles.

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