Estamos agora bem perto do fim da leitura de A Máquina de Fazer Espanhóis e detetives continuam a visitar o Lar da Feliz Idade em busca de indícios de possíveis crimes no asilo. Ao mesmo tempo, António é confrontado com um dilema incontornável: qual será o seu legado quando seus dias acabarem? Curiosos para saber o desfecho dessa trama? Então continuem nos acompanhando! Na próxima semana, avançamos mais dois capítulos de A Máquina de Fazer Espanhóis – até a página 241, se você tem a edição da Biblioteca Azul, ou até a página 231, se você tem a edição da Cosac Naify.
Por Mariane Domingos e Tainara Machado
Alguns capítulos de A Máquina de Fazer Espanhóis nos impressionam pela incrível capacidade que Valter Hugo Mãe tem de sintetizar ideias e pensamentos em algumas poucas páginas.
O décimo oitavo capítulo, um ótimo exemplo desse fôlego narrativo de Hugo Mãe, se inicia com mais uma demonstração da raiva que repousa dentro de António. As visitas de sua filha são sempre um evento traumático em seu cotidiano no Lar da Feliz Idade. Mais recentemente, ele transformou em hábito a atividade de espezinhar as flores que Elisa deposita regularmente no túmulo da mãe após suas visitas.
A atitude infantil de António expõe, como em tantos outros momentos, o fato de que a senilidade muitas vezes nada mais é do que um regresso aos hábitos dos primeiros anos de vida, só que em estágio mais triste, pois se regride, em vez de avançar. As birras do idoso, contudo, contrastam com seu pleno domínio das razões pelas quais não gostaria de ver flores enfeitando o túmulo da esposa:
nenhuma beleza havia de se erguer levianamente diante de mim naquele lugar onde devia tanger o corpo da minha mulher. nenhuma beleza vestiria aquela brancura para me enganar do vazio da pedra, do frio da pedra, do modo como a pedra nem ouvia nem falava.