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[Resenha] Pureza

Depois de escrever o “grande romance americano” sobre a derrocada da classe média nos Estados Unidos durante o governo de George W. Bush, o americano Jonathan Franzen parte de uma premissa mais simples em Pureza, seu livro mais recente, lançado no Brasil no ano passado pela Companhia das Letras.

A história narra a busca de uma jovem, Pip Tyler, por seu pai, sobre quem a mãe se recusa a dar informações. O enfoque mais restrito não quer dizer, contudo, que o autor tenha deixado de lado alguns traços marcantes de suas obras anteriores, como o hábito de escrever livros longos, a partir de múltiplos pontos de vista, sem linearidade de tempo. Mas depois que Liberdade foi considerado uma obra-prima e a revista Time estampou Franzen na capa como o grande romancista americano, o autor parece ter deixado certa pretensão formal de lado para escrever um livro mais tradicional.

Mais à vontade, o autor não deixa de tratar com ironia o status que ganhou como escritor nos últimos anos. Um de seus personagens, em determinado momento, busca escrever um romance que lhe garantirá um lugar no cânone norte-americano, mas avalia que, para chegar lá, precisa de mais do que conteúdo.

Houve um tempo em que bastava escrever O Som e a Fúria ou O Sol Também se Levanta, Mas agora tamanho se tornara essencial. Livro grosso, história longa.

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[Divã] O que você está lendo?

Livro de cabeceira é uma expressão que não funciona para mim. O que tenho mesmo é uma biblioteca de cabeceira. Diariamente, convivo com uma dezena de personagens, viajo de um século a outro e transito entre as mais diferentes realidades.

No último mês, por exemplo, minhas manhãs foram na companhia de Mia Couto e seus ensaios sobre as belezas e as mazelas da África. Pela tarde, eu mergulhava numa trama de assassinato narrada por um feto irreverente. À noite, me transportava para o século XIX para encontrar Os Buddenbrook.

Ler vários livros ao mesmo tempo é um hábito que me acompanha há anos. As causas desse comportamento vão desde explicações psicológicas, como estado de espírito e ansiedade literária, até aspectos mais práticos, como impossibilidade de carregar calhamaços por aí.

O ponto inicial da simultaneidade de leituras é a dificuldade de pegar na estante um só título. Vivo no eterno paradoxo do amor pela variedade e da angústia pela escolha. Quando viajo, nunca levo um só romance, não importa se vou ficar um fim de semana apenas. Meu maior receio é: e se eu não gostar da história? Uma segunda ou terceira opções são fundamentais para apaziguar meu espírito. Em seu ensaio Como se deve ler um livro?, Virginia Woolf, descreveu brilhantemente esse sentimento:

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“Ele anda brincando com a ideia de pedir para encontrá-la em seu tempo livre. Gostaria que passassem uma noite juntos, talvez até a noite toda. Mas não a manhã seguinte. Ele se conhece bem demais para sujeitá-la à manhã seguinte, quando estará frio, ranzinza, impaciente para ficar sozinho. É assim seu temperamento. Seu temperamento não vai mudar, está velho demais para isso. Está fixo, estabelecido. O crânio, depois o temperamento: as duas partes mais duras do corpo.”

 

J. M. Coetzee em Desonra

[Enclausurado] Semana #6

Está cada vez mais difícil parar a leitura de Enclausurado! Nesse último trecho, o plano criminoso dos amantes Trudy e Claude começa a se concretizar e tivemos cenas de prender a respiração. Qual será o destino de John? Para a próxima semana, avançamos até a página 126.

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

O narrador de Enclausurado é o grande trunfo dessa obra de Ian McEWan – disso já não resta dúvida. Nesses dois últimos capítulos, o feto assume brilhantemente sua ambígua posição de espectador e narrador-personagem. Ver o plano de Claude e Trudy tomando forma a partir da narrativa sarcástica do feto foi o ponto alto do romance até agora.

As referências a Hamlet ficam cada vez mais claras. As similaridades de enredo são óbvias. Na obra de Shakespeare, o filho do rei da Dinamarca, Hamlet, sabe pelo fantasma de seu pai que seu tio Cláudio envenenou o irmão com a ajuda da amante, Gertrudes (que também é sua mãe). Hamlet decide então se vingar.

Mas há outros aspectos, estes bem mais sutis, que remetem à obra shakesperiana. A sensação é de estar assistindo, ao lado do narrador, ora na coxia, ora na plateia, a uma peça de teatro. Os diálogos que parecem decorados, os movimentos ensaiados, os improvisos no script – a concretização do assassinato é uma verdadeira aula de encenação. E de escrita. McEwan imprime um ritmo impressionante à narrativa, com cenas em que o suspense é tão grande que sentimos o mesmo tipo de ansiedade do bebê na barriga de Trudy.

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[Resenha] Os Buddenbrook

Pequena ou grande, barulhenta ou discreta, rica ou pobre – não importa o tipo, uma família é sempre um terreno fértil para uma boa história. Thomas Mann apostou nessa premissa quando, aos 25 anos, em 1900, concluiu seu primeiro romance: Os Buddenbrook – Decadência de uma família.

O clássico da literatura alemã conta a trajetória desse clã entre os anos de 1835 e 1877. A maior parte das 700 páginas foca na terceira geração, formada pelos irmãos Thomas, Antonie, Christian e Klara. Netos de um poderoso comerciante, eles herdam os negócios e a responsabilidade de preservar a glória do sobrenome.

Esse fardo se mostra mais pesado do que parece. Como bem anuncia o subtítulo da obra, não se trata de uma história de final feliz. Ao longo da narrativa, Mann insere alguns elementos que funcionam como um termômetro material das angústias e dos insucessos da família: a placa suntuosa que identifica o prédio da firma, a mansão na Mengstrasse, a fortuna sempre contabilizada de forma tão precisa e o livro de família, uma espécie de diário do clã. Esses sinais são como lembretes do pesado destino que paira sobre os Buddenbrook:

Tomou o diário, folheou-o e, subitamente, ficou absorta pela leitura. O que lia eram, na maioria, coisas simples, que conhecia havia muito tempo, mas cada um dos que as tinham escrito herdara dos seus antecessores um modo de narrar solene e sem exagero; formara-se assim, por instinto e sem propósito, um estilo de crônica em que se expressava o respeito que uma família tinha a si mesma, assim como à tradição e à história, respeito discreto e por isso sumamente cheio de dignidade.

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