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[Resenha] De Amor e Trevas

De Amor e Trevas, romance autobiográfico do escritor israelense Amós Oz, é um passeio memorável pela Jerusalém dos anos 40 e 50, com um olhar profundo sobre o lar de sua infância, que, assim como a conturbada cidade, guardava belezas e tensões dignas de nota. Em uma narrativa que abre mão da ordem cronológica para acompanhar os caprichos da memória, Oz revisita o passado e resgata a construção de sua própria identidade e a do seu país.

Filho de imigrantes do Leste Europeu, que fugiam do antissemitismo crescente no Velho Continente, Oz nasceu em Jerusalém, em uma família de intelectuais. Seu pai, Árie Klausner, era sobrinho do grande estudioso da história e literatura hebraica Yossef Klausner. Apesar de toda sua erudição, o pai de Oz não conseguiu seguir os passos do tio e jamais ocupou um lugar de destaque na elite intelectual de Israel. Avesso ao silêncio e sempre em busca do gracejo perfeito, Árie era uma pessoa brilhante que nunca soube mostrar seu brilho.

Como ele conquistou Fânia Klausner, mãe de Oz, era um verdadeiro mistério. Dona de uma beleza contagiante e de uma retórica incomum, ela tinha a habilidade de se colocar, com extrema naturalidade, no centro das conversas mais eruditas. A luz que Fânia irradiava no convívio social disfarçava a escuridão que ela carregava em seu íntimo. O abandono da terra natal para viver em um lugar desconhecido e ermo, um casamento infeliz, uma alma sensível demais para crueza do mundo – essas são apenas algumas das especulações que pululam na narrativa de Oz, em uma tentativa de compreender, ou ao menos apaziguar, o fim trágico da mãe. Fânia se suicidou quando o filho tinha 12 anos.

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[Divã] A Arte da Tradução

Imagine que, se você quisesse ler Dostoiévski, teria que aprender russo. Ou japonês, se o escolhido fosse Haruki Murakami. Ou que boa parte do mundo jamais conheceria Machados de Assis ou Clarice Lispector, já que apenas uma parte pequena da população global fala português? A cada obra, uma nova língua. Esse seria o mundo sem os tradutores.

Sorte que essa é uma das atividades mais antigas do mundo. No dia 30 de setembro, comemora-se o dia internacional desse profissional porque é também o dia de São Jerônimo, que entre outras prerrogativas carrega o título de tradutor da Bíblia para o latim. São eles, os tradutores, que ao encarar o desafio de reescrever uma obra em outra língua, nos permitem saltar a barreira que nos separa da literatura produzida em outros idiomas.

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“Não acho que se possa definir o estilo conscientemente, tanto quanto ninguém pode definir a cor dos próprios olhos. Afinal, seu estilo é você. No fim das contas, a personalidade de um escritor tem muito a ver com a sua obra. A personalidade tem que estar humanamente lá. Personalidade é uma palavra desvalorizada, eu sei; mas exprime o que quero dizer. A humanidade individual do escritor, sua palavra ou seu gesto diante do mundo, tem que aparecer quase como um personagem que entra em contato com o leitor. Se a personalidade é vaga, ou confusa, ou meramente literária, ça ne va pas.”

 

Truman Capote em As Entrevistas da Paris Review

[Nossa Senhora do Nilo] Semana #7

A visita da rainha da Bélgica ao liceu foi a história central do último capítulo lido. A partir dessa anedota, Scholastique Mukasonga trabalha um tema universal e complexo – o perigo quando uma imagem se distancia demais da realidade que pretende representar. Para a próxima semana, avançamos mais um capítulo, até a página 231.

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

O retrato do presidente vigiando todas as casas ruandesas. As fotos dos astros ocidentais, capas de revista da época, fixadas nas paredes do dormitório das adolescentes. Os esforços para a perfeição durante a visita real. A rainha vestida de branco, sem uma manchinha sequer. O que esses trechos do último capítulo lido têm em comum? Todos eles acabam na discussão acerca do poder da imagem para construção da autoridade e para desconstrução de uma realidade.

Para o chefe de um Estado recém formado, ter o seu retrato nas casas dos cidadãos é uma forma de legitimação, ainda que muitos deles nem desconfiem do porquê desse ato. A imagem, embora não fale, está ali, marcando território e representando o poder e a lealdade.

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[Resenha] Os Fatos – A Autobiografia de um Romancista

Quando Philip Roth anunciou, em meados de 2014, que estava se aposentando e pararia de escrever, a comunidade literária ficou em choque. O escritor, há anos entre os cotados ao Prêmio Nobel de literatura, é uma das principais vozes do romance americano da segunda metade do século XX, autor de clássicos como Complô Contra a America e Humilhação.

Lançado em 1988, mas editado no Brasil apenas no ano passado, Os Fatos – A Autobiografia de um Romancista, bem poderia ter sido seu livro de despedida. Como já sugere o subtítulo do livro, o título traz a história de Roth por trás da ficção e foi escrita após um período de colapso físico e psicológico do autor. Com sua habitual ironia, Roth habita nesta obra o limite tênue entre ficção e realidade, uma estratégia narrativa interessante para um autor que muitas vezes foi criticado por ser excessivamente autobiográfico.

Esse jogo aparece logo nas primeiras páginas. O prólogo do livro trata de uma carta de Roth escrita para Zuckerman, um de seus personagens mais marcantes. Também escritor, Zuckerman sempre foi interpretado como um alterego do autor, e por isso é mais uma nota de seu brilhantismo o fato de que Roth tenha optado por iniciar sua autobiografia pedindo autorização para  publicação para um de seus personagens mais emblemáticos.

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