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Lemos, gostamos (ou não) e indicamos (ou não). Aqui, colocamos nossas impressões sobre livros que, de alguma forma, nos marcaram. Tem opinião, mas não tem spoiler!

[Resenha] O Ventre da Baleia

Em um ano e meio, Tomás vê sua vida dar uma reviravolta que o tira do eixo em todos os sentidos – pessoal e profissional. Esse é o objeto da história de O Ventre da Baleia, livro do escritor espanhol Javier Cercas, que pode ser caracterizado como um drama cômico, com pitadas de romance policial.

Como o próprio Tomás, o narrador-personagem, define, trata-se de uma “história inventada, mas verdadeira”, uma “crônica de verdades fictícias e mentiras reais”. O ponto de partida para a trama pitoresca é o seu reencontro com Claudia, uma paixão platônica da adolescência que volta à sua vida em uma situação casual, durante um fim de semana em que a esposa de Tomás, Luisa, estava fora da cidade em um congresso.

Quando se depara com Claudia, o narrador sente todos os desejos da longínqua adolescência voltarem com força para conduzi-lo à sua primeira infidelidade no casamento. A partir daí, uma sucessão de acontecimentos aniquila uma a uma as rotinas que lhe garantiam uma vida tediosa, mas bem equilibrada e planejada.

Professor assistente do departamento de estudos literários da Universidade Autónoma de Barcelona, Tomás segue os passos de uma carreira que tem tudo para se consolidar no meio acadêmico, ainda que tardiamente, considerando que alguns colegas de sua mesma faixa etária já ocupam o posto de professor titular. Luisa, sua esposa há cinco anos e com quem espera seu primeiro filho, também desfruta de uma sólida posição no meio acadêmico de História, o que colabora para a pressão do sucesso profissional de Tomás.

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[Resenha] A Livraria Mágica de Paris

Em A Livraria Mágica de Paris, o livreiro Jean Perdu, traumatizado pela partida de sua amante, transforma um barco ancorado à margem do rio Sena, em Paris, em uma Farmácia Literária, nome dado ao empreendimento. À cada cliente – ou paciente -, Jean Perdu receita um livro. Algumas dores da alma, ele pensa frequentemente, só podem ser curadas pela literatura.

Foi exatamente para atenuar esses sofrimentos inexplicáveis, mas ainda assim reais, que Perdu comprou o barco que, na época, ainda era uma barcaça de carga e se chamava Lulu; ele o reformara com as próprias mãos e o enchera de livros, os únicos remédios para as inúmeras e indeterminadas doenças da alma.

Esse é o ponto de partida de A Livraria Mágica de Paris, da alemã Nina George. A trama despretensiosa combinada à pitada de charme que é uma farmácia literária estacionada à beira do Sena foram a receita perfeita para que mais de 1 milhão de exemplares de livros fossem vendidos ao redor do mundo.

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[Resenha] O Último Magnata

Há livros em que os personagens se sobrepõem a história. O Último Magnata, do escritor norte-americano F. Scott Fitzgerald, é um bom exemplo desse tipo de romance. Monroe Stahr, mandachuva do universo glamoroso do cinema e centro da trama, prende a atenção do leitor de tal forma que o enredo torna-se totalmente secundário.

Cecilia, a narradora da história, confessa, logo nas primeiras páginas, ser uma das muitas pessoas que sucumbiram diante do fascínio que Stahr exerce. Ele é sócio de seu pai e a conhece desde que ela era uma garotinha. A diferença de idade não impede que Cecilia nutra uma paixão não correspondida por Stahr.

Pelos olhos dessa narradora tendenciosa, revela-se um personagem ao mesmo tempo imbatível e vulnerável. Stahr é um típico expoente do sonho americano: self-made man, começou de baixo e, com muito trabalho, chegou ao posto de rei de Hollywood. Executivo influente, suas vontades se tornam realidade, sejam elas plausíveis ou não:

Não havia o que questionar ou discutir. Stahr parecia ter razão sempre – não apenas na maior parte do tempo, mas sempre – sob pena de a estrutura vir abaixo, como se fosse de manteiga e derretesse.

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[Resenha] Para Você Não Se Perder No Bairro

Para Você Não se Perder no Bairro, do francês Patrick Modiano, é um livro curto, de menos de 140 páginas, mas isso está longe de significar uma leitura fácil. O oposto é mais verdadeiro. Essa é uma obra intrincada, repleta de idas e vindas, como se Modiano estivesse montando um quebra-cabeças a partir de fragmentos de memórias, em que cada peça puxa a próxima, até que a tela se complete. Mas, até o desfecho, muitos elos parecerão desencaixados.

A história começa com uma ligação um tanto sinistra. Um homem encontrou uma caderneta de telefones e pretende devolvê-la a seu dono, o escritor Jean Dagarane. Já sexagenário e com pouco contato com o mundo exterior, Dagarane se arrepende do descuido que foi ter colocado seu endereço e nome no pequeno caderno de telefones.

Com medo de ser seguido pelo autor do telefonema, ou encontrá-lo à espreita em sua porta, aceita comparecer ao encontro. Até então, ele vivia num limbo sem lembranças:

Se o sujeito desconhecido não tivesse telefonado, acabaria por esquecer para sempre a perda daquela caderneta. Tentou se lembrar dos nomes registrados nela. Na semana anterior, buscara resgatá-los da memória e começou a fazer uma lista numa folha em branco. A certa altura, rasgou a folha.

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[Resenha] O Espírito da Ficção Científica

Dois jovens cheios de sonhos e apaixonados por literatura chegam à Cidade do México e logo se inserem em um círculo de amigos que compartilham seus gostos e também o frenesi da juventude. Nas mãos do escritor chileno Roberto Bolaño, esse enredo, aparentemente banal, ganha contornos originais que anunciam todo potencial de um dos maiores nomes da literatura latino-americana.

Jan, fanático por ficção científica e Remo, por poesia (ambas paixões compartilhadas pelo escritor), partem do Chile rumo ao México prontos para experimentar a liberdade que eles acreditam ser possível apenas a partir de uma vida imersa na literatura. Enquanto Remo não tarda em encontrar empregos que proporcionem não apenas o exercício da escrita, mas também o seu sustento, o amigo Jan parece viver em uma realidade alternativa. Passa os dias encerrado no pequeno quarto que alugaram, escrevendo cartas para seus escritores de ficção científica favoritos e tendo sonhos estranhos com os personagens dos livros que lê.

As vozes de Jan e Remo compõem a narrativa fragmentada de O Espírito da Ficção Científica, que ainda conta com um terceiro “narrador”, se é que assim podem ser chamadas as transcrições soltas de uma entrevista absurda, regada a muito álcool, entre uma jornalista e um escritor premiado.

Os capítulos se alternam sem uma ordem definida: os relatos de Remo se misturam às cartas desvairadas de Jan e aos trechos dessa entrevista nonsense. A linearidade do enredo se apoia nos relatos de Remo desenvolvidos a partir de suas incursões pela Cidade do México e sua convivência com Jan.

A narrativa fragmentada, interrompida é uma marca do escritor chileno. Neste romance, essa justaposição não é tão bem trabalhada como em 2666 ou A Pista de Gelo – produções de um Bolaño mais maduro, que parece ter o controle da história, não importa quantas digressões os personagens façam.

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