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Lemos, gostamos (ou não) e indicamos (ou não). Aqui, colocamos nossas impressões sobre livros que, de alguma forma, nos marcaram. Tem opinião, mas não tem spoiler!

[Resenha] O Deus das Pequenas Coisas

O Deus das Pequenas Coisas, da indiana Arundhati Roy (Companhia de Bolso, 352 páginas), poderia ser descrito como um livro sobre a relação quase siamesa entre irmãos gêmeos. Ou sobre a Casa Ayenemen, um lugar em que realidade e imaginação se misturam de forma fluída. Mas a melhor definição é da própria autora: essa é uma obra sobre as leis que determinam “quem deve ser amado, e como. E quanto”.

O livro tem como ponto de partida o retorno de Rahel, uma das metades do casal de gêmeos bivitelinos que protagoniza a narrativa, para a cidade em que nasceu, após um longo tempo distante da Índia. Essa volta é significativa porque é a partir dos fragmentos da história que persistem em móveis, objetos e paredes de sua antiga casa que a escritora nos guiará até o dia fatídico em que tudo mudou. Logo na primeira página, Arundhati Roy nos encanta com seu poder descritivo, sua capacidade de criar imagens fortes e vívidas, nos deixando familiarizados com o ambiente que ela busca retratar:

Maio em Ayemenem é um mês quente, parado. Os dias são longos e úmidos. O rio encolhe, e corvos pretos se banqueteiam com belas mangas em árvores imóveis, verde-empoeiradas. Bananas vermelhas amadurecem. Jacas explodem. Varejeiras dissolutas zunem vagabundas no ar perfumado. Depois se estatelam contra vidraças transparentes e morrem, totalmente enganas, ao sol. (…) Mas no começo de junho irrompe a monção sudoeste, e vem três meses de vento e água com curtos intervalos de sol duro e brilhante em que crianças excitadas aproveitam pra brincar.

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[Resenha] Orlando

Obra-prima da escritora britânica Virginia Woolf, Orlando (Editora Penguin-Companhia, 337 páginas) é magistral não apenas pela trama, bastante inventiva, mas também pela sofisticação e sensibilidade do texto de Woolf, capaz de descrever com naturalidade os sentimentos e percepções mais complexos.

Orlando é um nobre da corte inglesa, que tem ótimas relações com nomes poderosos, até mesmo com a rainha, que parece hipnotizada pela sua aparência estonteante. As mulheres se dobram aos desejos do jovem. O que não faltam são pretendentes dispostas a dividir riqueza e prestígio com ele. Os homens, por sua vez, também não deixam de admirá-lo e respeitá-lo pelas suas posses e influência. No entanto, Orlando não opta pelo caminho fácil. Ele se apaixona por uma nobre russa, de temperamento forte, e o romance não termina como ele gostaria.

Sentindo-se preterido, sensação que não lhe era comum, Orlando se enclausura em seu castelo, disposto a se dedicar à literatura, gosto que cultivava há muito tempo, mas que não era considerada atividade digna para nobres. A paixão pela arte acaba por decepcioná-lo também:

Cedo, no entanto, se deu conta de que as batalhas que Sir Miles e os demais haviam travado contra cavaleiros de armadura para se apoderar de um reino não foram nem de longe tão árduas quanto a que agora empreendia contra a língua inglesa para conquistar a imortalidade.

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[Resenha] De Duas, Uma

De Duas, Uma (Editora Todavia, 104 páginas), breve romance do escritor mexicano Daniel Sada, é um sopro de originalidade para literatura latino-americana contemporânea. A partir de uma trama simples e uma linguagem direta, Sada constrói uma narrativa que, enquanto se desenvolve, não abre brechas para divagações, nem dele nem do leitor. Por outro lado, oferece uma infinidade de interpretações quando termina. Não fosse pela ausência de criaturas antropomórficas, o romance se assemelharia bastante ao gênero de fábulas.

As irmãs Gamal, gêmeas idênticas, são habitantes de uma cidadezinha do interior do México, onde trabalham como costureiras e vivem de forma austera, poupando com sabedoria seus rendimentos. Ficaram órfãs ainda jovens e foram cuidadas pela tia Soledad até que alcançassem idade suficiente para tomar as rédeas de seu destino.

A cada dia mais parecidas, Gloria e Constitución levam uma vida sem sobressaltos, encerradas em um universo apenas seu. No ateliê de costura, há uma placa que diz: “SOMOS PROFISSIONAIS OCUPADAS. LIMITE-SE AO QUE LHE DIZ RESPEITO. NÃO VENHA NOS DISTRAIR SEM MOTIVO. ATENCIOSAMENTE, AS IRMÃS GAMAL”.

O conflito começa quando tia Soledad convida as duas para uma festa de casamento da família, segundo ela, uma oportunidade imperdível para arrumar maridos. As gêmeas, não querendo deixar o ateliê abandonado e firmes na ideia de que o que é de uma pertence à outra, decidem que apenas uma delas irá a festa e, caso o pretendente apareça, elas embarcariam juntas nesse relacionamento:

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[Resenha] Os Caminhos Para a Liberdade

No Estado americano da Geórgia, Cora é propriedade da fazenda dos Randall. Marcada pela vida como escrava, ela nunca imaginou outro destino que não fosse o confinamento da fazenda, a colheita de algodão, os açoitamentos frequentes. Até que a chegada de Ceasar, criado na Virgínia por uma senhora que prometia alforriá-lo, mas que morreu sem ter o feito, muda sua perspectiva sobre o futuro.

Os Caminhos Para a Liberdade, de Colson Whitehead (Editora Harper Collins, 312 páginas), é um livro angustiante, do tipo que te faz querer ler a última página só para saber o destino da personagem principal. Até chegar lá, acompanhamos uma fantasiosa narrativa de fugas e desventuras pelas “ferrovias subterrâneas”, como os abolicionistas chamavam a rede de apoio que ajudou a esconder milhares de escravos e que no livro de Whitehead ganham materialidade, com direito a operadores de estação, maquinistas e passageiros.

O autor divide a narrativa entre personagens e estados americanos. A história começa com a raptura da avó de Cora, Ajarry, na África, a terrível travessia nos navios que transportavam escravos de um continente a outro e o sem número de vezes em que ela foi vendida, já na América.

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[Resenha] Não Me Abandone Jamais

Em outubro, a Academia Sueca anunciou o escritor nipo-britânico Kazuo Ishiguro como o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura por “seus romances de grande força emocional, que revelaram o abismo sob nossa sensação ilusória de conexão com o mundo”. Se acertaram ou não no prêmio, é uma questão polêmica, mas não há dúvidas de que definiram com acurácia sua obra.

Não Me Abandone Jamais conta a história de três amigos de infância, Kath (a narradora), Ruth e Tommy. Eles cresceram em Hailsham, uma espécie de internato, que, à primeira vista, parece um colégio comum, mas, na verdade, esconde vários mistérios. Aquelas crianças têm algo de especial, que só é revelado a elas, e aos leitores, à medida que a história avança.

Nesse sentido, a narrativa de Ishiguro é um tanto enfadonha. Apenas por volta da página 100, o primeiro grande enigma é revelado. E, diferente de outras obras em que os silêncios e as insinuações formam um sofisticado enredo, nesse caso, não há um quebra-cabeça desafiador, que envolve o leitor. Por vezes, parece que existem apenas pontas soltas e nenhum fio condutor.

Outro aspecto que desabona o texto de Ishiguro é a artificialidade com que ele insiste em organizar as lembranças da narradora. Grandes escritores já se destacaram pela habilidade com que trabalham a memória. No entanto, não é essa destreza que o texto de Ishiguro transparece. Em vez de dar vazão aos fluxos de memória da personagem e encontrar o brilho de sua literatura nesse caos, o autor opta pelo caminho mais seguro e menos original da ordem cronológica. Não são poucos os trechos em que ele lança mão de deixas como esta:

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