O afeto improvável entre um garoto árabe órfão e uma senhora judia, ex-prostituta e sobrevivente do nazismo é o fio condutor do romance A Vida Pela Frente, de Émile Ajar (pseudônimo do escritório francês Romain Gary).
Momo cresceu na casa de Madame Rosa e, embora saiba bem pouco de sua história, desconfia que ela não seja tão diferente das origens das outras crianças que chegam àquele lar. Madame Rosa é conhecida no bairro por acolher, mediante um pagamento mensal para o custeio dos gastos, os filhos das prostitutas que, por lei, são impedidas de criá-los. Ela mesma, outrora prostituta, viu nesse modelo uma forma de se manter na sua velhice e apoiar as mulheres cuja situação ela entende bem.
No entanto, diferente da maioria das outras crianças, Momo nunca recebe a visita de sua mãe e logo os pagamentos que lhe correspondem começam a falhar. Apesar disso, Madame Rosa o mantém sob seus cuidados, e eles constroem juntos um forte laço que desafia todas as probabilidades e diferenças culturais.
Momo não sabe ao certo qual é a sua idade, mas aprende cedo o bastante que a vida nem sempre é justa e que as pessoas queridas se vão, às vezes de maneira lenta e dolorosa. Madame Rosa não chega bem à velhice, e os seis lances de escada até seu apartamento são um lembrete diário de que seu corpo já se cansou dos golpes da vida.
Por meio do relato de Momo, que oscila entre ingenuidade e maturidade, o leitor acompanha o funcionamento daquele lar tão atípico e assiste ao agravamento do estado de saúde de Madame Rosa. O vocabulário escrachado, cheio de informalidade e perspicácia, ameniza um pouco passagens que, de outra forma, arrancariam lágrimas do leitor.
O passado sofrido de Madame Rosa, como sobrevivente de um campo de concentração, e as anedotas de vizinhos de bairro tão diferentes entre si, mas que ainda assim formam uma sólida rede de apoio, se entrelaçam na narrativa do garoto. O leitor vai juntando, aos poucos, as peças do quebra-cabeça da existência de Momo, que é um mistério inclusive para ele.
Recentemente o livro de Gary foi adaptado para o cinema, com Sophia Loren no papel de Madame Rosa. A produção, intitulada Rosa e Momo, está disponível do Netflix. Trata-se de uma releitura da obra, mas que, certamente, capta as principais mensagens do livro – de que o amor e o cuidado não dependem de laços sanguíneos e podem nascer onde menos se espera, mesmo em meio a tanto sofrimento.
The unlikely affection between an Arab orphaned boy and a former prostitute and Jewish lady who survived Nazi death camp is the underlying narrative thread of The Life Before Us, a novel by Émile Ajar (the French writer Romain Gary’s alter ego).
Momo grew up in Madame Rosa’s house. Although he knows very little about his own story, he suspects that his origins are not so different from that of other children who live at the same home. Madame Rosa shelters, by means of monthly payments, the children of prostitutes who, by law, are forbidden from raising them. She, once a prostitute, found in this “business model” a way to afford retirement and support women whose situation she understood well.
However, unlike other children, Momo never gets a visit from his mother and soon his monthly payments stop arriving. In spite of it, Madame Rosa allows him to stay at her place and they build together a strong bond that defies the odds and cultural differences.
Momo is not sure about how old he is, but he learns early enough that life is not always fair and that loved ones leave, sometimes slowly and painfully. Madame Rosa doesn’t age well, and the six flights of stairs to her apartment are a daily reminder that her body has grown tired of life’s blows.
Through Momo’s storytelling, which oscillates between naïveté and maturity, the reader watches this dysfunctional home routine and Madame Rosa’s health condition worsening. Momo’s informal and witty language softens passages that otherwise would make readers cry.
Madame Rosa’s extremely difficult past as a Nazi death camp survivor and the stories of her neighbors, so different and still so close, are interwoven in Momo’s narrative. Gradually, the reader manages to piece together the truth about Momo’s existence, which is a mystery even for him.
This book was recently made into a movie (The Life Ahead, on Netflix), and Madame Rosa is played by Sophia Loren. It is clearly an adaptation, but it certainly conveys the main messages of the book – that love and care don’t depend on blood ties and can be born where you least expect it, even in the midst of hardship.
Mariane Domingos
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