O Grande Baile do Satã foi, sem dúvida, um dos melhores (e mais assustadores) capítulos que temos até aqui. Em um ritmo alucinante, somos apresentados a uma fileira de reis, rainhas, envenenadores e outros personagens com um passado no mínimo duvidoso, enquanto Margarida assume uma posição que, definitivamente, não imaginávamos. Para a próxima semana, avançamos até o capítulo 26, ou página 311, se você tem a edição da foto. São menos de 100 páginas para o fim da leitura! Aproveite e conte para gente o que mais te marcou até aqui nos comentários!
Por Mariane Domingos e Tainara Machado
Depois de todos os feitiços e prodígios daquela noite, já deduzia exatamente quem ela estava sendo levada para visitar, porém isso não a assustava.
Diferentemente da maioria dos mortais, Margarida vê com pouco assombro o encontro impressionante que a noite lhe reserva: com ninguém menos do que Diabo em pessoa. Com sua habilidade de dramaturgo, Mikhail Bulgákov nos familiariza com o cenário fantasmagórico em que vamos imergir nas próximas páginas.
De volta ao já famoso apartamento da nº 302-bis, Margarida percebe, com certo assombro, que os homens com quem ela cruza no caminho a ouvem, mas não a veem. Ao entrar de fato no aposento, a escuridão a impressiona, mas o que a marca é a amplitude do apartamento, sem fronteiras aparentes. Koroviêv, que acompanha Margarida, ao perceber sua surpresa, menciona a quinta dimensão. Para quem a conhece, “não custa nada alargar os limites do recinto desejado”.
De forma bastante irônica, Koroviêv então menciona um outro personagem com habilidades para expandir seu espaço físico: um espertalhão que fazia mágicas com a divisão de apartamentos. A leitura de O Mestre e Margarida nos surpreende a cada página justamente por isso: sempre que Mikhail Bulgákov nos coloca num cenário quase alucinante, ele volta para a realidade mencionando franquezas e veleidades humanas, com a sutileza de quem é mestre da narrativa.
Ao chegar enfim ao apartamento e à presença do Diabo, Margarida encontra outros integrantes da trupe que já conhecemos tão bem: Behemoth, o gato gigante, e Hella, a bruxa que já a havia atormentado antes. Em meio a essas apresentações, se desenrola uma curiosa partida de xadrez, em que o rei pode se disfarçar, deixar o tabuleiro e invalidar um xeque-mate. Ao ler essa passagem, percebemos o quando Bulgákov influenciou outros escritores: o jogo com peças reais, que se movimentam, reapareceu décadas depois, em um dos volumes da saga de Harry Potter, de J. K. Rowling.
Daí para frente, o ritmo é de peça de teatro. Em poucas páginas, Margarida é coroada como rainha, em um banho literal de sangue, e se prepara para, junto com o Diabo, ser anfitriã de um baile infernal. É só aí que percebemos que, ao falar de quinta dimensão, Bulgákov parece nos levar para a fronteira entre o mundo dos mortos e dos vivos.
Sua noção de inferno, claro, bebe na Divina Comédia de Dante, em que os mortos que assomam ao baile sofrem para a eternidade com seus pecados. O juízo de valor, em Bulgákov, no entanto, é sempre muito sutil, irônica e bem-humorada.
A cena que melhor representa essa escrita nas entrelinhas é, sem dúvida, aquela em que conhecemos Frida. Koroviêv conta à rainha que o pecado vil da jovem foi ter assassinado o próprio filho, fruto de um abuso do patrão, dono do café em que ela trabalhava. Frida asfixiou o bebê com um lenço na boca, por não ter como alimentá-lo. Quando Margarida fica sabendo dessa história, ela indaga:
– E onde está o dono desse café? – perguntou Margarida.
– Rainha – roquejou de repente o gato, de baixo -, permita-me perguntar: por que o patrão estaria aqui? Afinal, não foi ele quem asfixiou o menino na floresta.
Impossível não enxergar nessa situação extrema uma crítica tanto à cegueira da justiça quanto ao patriarcado, que joga sobre a mulher a responsabilidade pelo destino dos filhos. Discussões mais do que atuais, não?
Depois dessa recepção que dura uma eternidade e exaure Margarida, chega a hora da aparição do grande anfitrião, Woland. Junto com ele, retorna ao palco outro personagem conhecido: Berlioz. Ou melhor, reencontramos apenas parte dele: sua cabeça decepada logo no início da narrativa. Ela chega em uma bandeja, consciente e toda ouvidos às palavras cheias de ironia do diabo, que não hesita em tripudiar sobre a pouca fé de Berlioz. Relembrando o diálogo inaugural do romance, em que o editor zomba das afirmações do consultor, julgando-o louco, Woland, agora sem segredos em torno de sua identidade, dá o xeque-mate:
– (…) Cumpriu-se tudo, não é verdade? – prosseguiu Woland, fitando a cabeça nos olhos. – A cabeça foi cortada por uma mulher, a reunião não aconteceu, e eu estou morando no seu apartamento. Isso é um fato. E o fato é a coisa mais teimosa do mundo.
Enfim, um baile para ficar na história das festas mais memoráveis da literatura! Agora é esperar para ver se a trupe diabólica irá cumprir o prometido à Margarida e colocá-la frente a frente com seu amado, o Mestre.
Achados & Lidos
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