A lista de hoje está bem eclética, no clima de Dia dos Pais, comemorado ontem! Dos clássicos até a literatura contemporânea, buscamos na estante algumas figuras paternas famosas no mundo dos livros, seja pelo exemplo, seja pela falta dele!
Lembrou de algum pai que ficou de fora? Conte para gente nos comentários!
1. Hamlet, de William Shakespeare: Nesta célebre história, o pai de Hamlet, príncipe da Dinamarca, passa a assombrá-lo após a sua morte, acusando seu irmão de tê-lo assassinado para se casar com sua mulher, Ofélia. Hamlet então decide armar um plano para descobrir se seu pai estava falando a verdade ou não. Ao explorar o limite entre a sanidade e a loucura, essa obra-prima da literatura inglesa influenciou inúmeros escritores, de James Joyce a Ian McEwan.
2. Hibisco Roxo, de Chimamanda Ngozi Adichie: Kambili, a jovem narradora do primeiro romance da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, tem um dos pais mais repugnantes da literatura. Escritora contemporânea muito habilidosa, Adichie descreve sem meias palavras a crueldade com que o pai abusava dos filhos e da esposa, enchendo-os de culpa católica pelo que considerasse o menor deslize. A cena em que Kambili narra uma dessas punições, por ter visitado o avô pagão com a tia, é de arrepiar todo leitor. Infelizmente, sabemos que existem muito mais pais como esses do que gostaríamos.
Papa olhou em torno rapidamente, como quem procura por uma prova de que algo desabara do teto alto da sala, algo que ele jamais imaginara que fosse cair. Pegou o missal e atirou‑o na direção de Jaja. O missal não acertou Jaja, mas atingiu a estante de vidro que mamãe limpava com tanta frequência. A prateleira de cima se quebrou, fazendo que as minúsculas bailarinas de ce‑ râmica contorcidas em diversas posições caíssem no chão duro, e o missal acabou desabando também sobre os fragmentos das estatuetas. E ali ficou aquele enorme missal com capa de couro que continha as leituras dos três ciclos do Ano Litúrgico.
3. O Sol é Para Todos, de Harper Lee: Esse romance anda aparecendo aqui com frequência, mas era quase impossível deixar Atticus Finch de fora de uma lista sobre a figura paterna na literatura. Neste livro, também narrado por uma criança, a pequena Scout, Atticus é descrito por suas fraquezas, como no trecho em que a menina ressalta que ele não tinha grandes qualidades, como os outros pais, pois gostava mesmo era de ler jornais em sua poltrona. É, contudo, nas entrelinhas que Atticus transmite os ensinamentos sobre justiça que fazem desta uma das obras mais conhecidas da literatura americana.
O nosso pai não fazia nada. Trabalhava num escritório, não numa drogaria. O Atticus não conduzia o caminhão do lixo do condado, não era xerife, não cultivava, não trabalhava numa garagem, nem fazia qualquer coisinha que suscitasse a admiração de alguém. Além disso, usava óculos. Era praticamente cego do olho esquerdo, e dizia que os olhos esquerdos eram a maldição do clã dos Finch. Quando queria observar bem alguma coisa, virava a cabeça e olhava com o olho direito. Normalmente, não fazia as coisas que os pais dos nossos colegas de escola faziam: nunca ia caçar, não jogava poker, não pescava, não bebia, nem fumava. Só sabia ficar sentado na sala de estar lendo.
4. As Correções, de Jonathan Franzen: Alfred é o pai da família Lambert, retratada neste que considero o melhor romance de Franzen, aclamado autor norte-americano. Aqui, no entanto, ao contrário dos pais descritos acima, temos um personagem bem menos categorizável. Ele não tem nem a doçura de Atticus, nem a maldade do pai de Kambili. Alfred é um homem comum do meio-oeste americano, com seus preconceitos e manias, que se vê de frente com uma das doenças mais aterrorizantes do século XXI: o mal de Alzheimer. A medida que a memória e o controle sobre suas emoções lhe escapam, sua visão de mundo passa a ser impregnada de um pessimismo cauteloso, que não se dilui. Algumas das passagens são memoráveis, como sua viagem de navio ou uma das poucas visitas em que deixou a clínica onde foi internado para lidar com a doença. Um dos meus livros preferidos!
O problema era que seu sistema nervoso não servia mais como um indicador de confiança para avaliar se precisava ou não ir ao banheiro. À noite, a resposta era usar proteção. E de dia a solução era visitar o banheiro de hora em hora, e jamais deixar de carregar a velha capa de chuva preta para o caso de precisar encobrir um acidente. A capa tinha ainda a virtude adicional de ofender a sensibilidade romântica de Enid, e aquelas escalas no banheiro de hora em hora, a virtude adicional de estruturar sua vida. Atualmente, sua única ambição era manter a coesão das coisas — impedir que o oceano dos terrores noturnos rompesse a última barreira.
5. Laços, de Domenico Starnone: Talvez o pai mais comum dentre os cinco que aparecem nessa lista, Aldo, o protagonista deste ótimo romance do italiano Domenico Starnone, é uma figura paterna à moda antiga: distante dos filhos e das preocupações com sua criação, deixa a cargo da mulher a responsabilidade com as tarefas da casa. Quando conhece uma mulher mais jovem e se apaixona por ela, não hesita em largar a vida familiar para ficar com a amante, distanciando-se ainda mais dos filhos, com quem tem uma relação quase artificial.
Conviver com Lidia e as duas crianças durante dias, ocupar o pequeno espaço delas, fazer bagunça, exibir a elas minhas responsabilidades, constrangê-la a compartilhá-las comigo quando eu nem mesmo as percebera até pouco antes – graça aos esforços de Vanda – como elas pesavam, tudo isso me parecia inaceitável.
Tainara Machado
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