Chegou a hora de conhecermos melhor a outra personagem que está no título da obra de Bulgákov. Margarida, por fim, esbarra na trupe diabólica e esse encontro dá início a mais uma sequência eletrizante. Para a próxima semana, avançamos até o capítulo 24, ou página 278, se você tem a edição da foto.
Por Mariane Domingos e Tainara Machado
No início desta segunda parte, descobrimos que Margarida, a amada do Mestre, não o abandonou e ainda é profundamente apaixonada por ele. Também nos é revelado que ela é casada com um homem bastante rico e, materialmente, dispõe de tudo que uma pessoa poderia desejar:
Não falta dinheiro a Margarida Nikoláievna. Margarida Nikoláievna podia comprar tudo que lhe agradava. Entre os conhecidos de seu marido havia gente interessante. Margarida Nikoláievna nunca encostou em um fogareiro. Margarida Nikoláievna não conhecia os horrores da vida em um apartamento compartilhado. Em suma… era feliz? Nem por um minuto!
Em diversos momentos ao longo do romance, Bulgákov trata da relação do homem com o dinheiro. A ganância, a ambição, a avareza e outros sentimentos relacionados ao poder financeiro são objetos do olhar afiado do escritor. No show de magia negra, por exemplo, quando as notas falsas e os produtos de luxo são distribuídos, a histeria confirma essa fraqueza humana.
No caso de Margarida, sua vida confortável, no entanto, não a impede de buscar o amado e colocar em xeque seu matrimônio. Depois de seu sumiço, ela se empenha em encontrá-lo e se apega a qualquer sinal que demonstre seu retorno.
Um sonho com o Mestre a faz pressentir que algo irá acontecer em breve. Margarida não estava errada. No dia seguinte, ela se encontra com Azazello, um membro do séquito do Diabo. Ele chega com uma proposta irrecusável: colocá-la em contato com seu amante, desde que ela se encontre com Woland.
Assim como todos os seus companheiros diabólicos, Azazello tem aquela retórica tentadora e cujo principal objetivo é colocar à prova as virtudes do seu interlocutor, sempre jogando com algo que a pessoa deseja muito. Mas poucos personagens demoraram tanto a ceder como Margarida. Essa relutância rende um diálogo interessante e bem-humorado, em que Azazello, que não é dado a delicadezas, vai perdendo a paciência com a mocinha:
– Sem drama, sem drama – retrucou Azazello, com uma careta –, coloque-se também no meu lugar. Dar na fuça do administrador, ou expulsar o tio de casa, ou dar uns tiros em alguém, ou qualquer outra bobagem do gênero é minha pura especialidade, agora, falar com mulher apaixonada – não, obrigado! Olhe que estou já há meia hora tentando convencê-la. Então, vai?
Margarida acaba aceitando a proposta e se submete a algumas exigências de Azazello. Uma delas é usar uma pomada misteriosa. Assim que a aplica sobre a sua pele, ela começa a sentir que está rejuvenescendo e recuperando o brilho que há muito perdera.
Nesse trecho, a partir das reações deslumbradas de Margarida e de sua empregada Natacha, que fica embasbacada pelo poder milagroso da pomada, Bulgákov trabalha mais um dos pecados humanos: a vaidade.
Em um trecho hilário, Margarida, antes reticente, começa a se aplicar o creme em abundância, no que é seguida por Natacha, ao ver a patroa com a pele tão brilhante. O cosmético, contudo, tinha outra propriedade mágica, além de resgatar a juventude: o poder de voar.
Margarida deixa então sua casa, nua, em cima da uma vassoura, transformando-se em uma bruxa que vaga pelas ruas de Moscou. Mais uma fraqueza humana é exposta neste trecho: a vingança. Ao se aproximar do prédio onde mora o crítico literário Latunski, que havia destruído a obra do Mestre e o levado a abandonar seu plano de publicar a história de Pôncio Pilatos, Margarida é tomada de uma ideia fixa: destruir seu apartamento.
Sim, dizem até hoje que o crítico Latunski empalidece ao recordar aquela noite horrível, e até hoje prefere o nome de Berlioz com devoção. Não dá para saber de jeito nenhum que crime obscuro e torpe teria marcado aquela noite: ao voltar da cozinha, Margarida tinha nas mãos um pesado martelo.
Depois de quebrar quase todas as janelas do prédio e inundar diversos apartamentos, Margarida é contida pela visão de um menino de quatro anos, sozinho em um quarto, sem entender o que se passava a seu redor. É só então que ela decide interromper seu ímpeto de destruição.
Rapidamente, a cena se transfigura para um passeio onírico pelos rios de Moscou, com mergulhos e encontros inesperados. Nikolai Ivánovitch, o marido de Margarida, se transformou em um porco e levava Natacha, a empregada da casa, pelos céus. Um homem gordo pelado emerge de uma das margens do rio. E assim, quando achávamos que estávamos conseguindo entender para onde Bulgákov queria nos levar com essa narrativa, somos atropelados por sua genialidade, e mais uma vez nos colocamos na posição humilde de meros espectadores: quando o assunto é Bulgákov, é difícil imaginar o que está por vir.
Esse foi apenas o início da segunda parte do clássico do autor, O Mestre e Margarida! Já esperavam um encontro tão delirante com Margarida?
Achados & Lidos
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