Um encontro inusitado e um diálogo de humor afiado marcaram o início de O Mestre e Margarida. Já pressentimos uma ótima leitura pela frente! Para a próxima semana, vamos até a página 72 (capítulo 6).

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

Uma conversa entre dois amigos, um poeta e seu editor,  e um terceiro desconhecido que se intromete. Até aí, nada de muito novo. Mas à medida que o diálogo avança, percebemos que esse desconhecido não é uma criatura comum. Parece estrangeiro, embora apresente um russo perfeito (além de várias outras línguas). Tem uma fala eloquente, sendo capaz de discutir os temas mais polêmicos, com uma erudição impressionante. Sua aparência também  não passa despercebida:

Antes de tudo: o descrito não mancava de nenhuma das pernas, e a estatura não era pequena nem imensa, porém simplesmente elevada. No que tange aos dentes, do lado esquerdo as coroas eram de platina e, do direito, de ouro. Trajava um caro terno cinza e sapatos estrangeiros da cor do terno. Trazia uma boina cinza de lado e, debaixo do braço, uma bengala com um castão preto na forma de uma cabeça de poodle. Aparentava uns quarenta e poucos anos. A boca era meio torta. Bem barbeado. Moreno. O olho direito era preto, o esquerdo, por algum motivo, verde. Sobrancelhas pretas, só que uma mais alta do que a outra. Em suma, um estrangeiro.

O assunto da conversa também não é dos mais banais. Os amigos Berlioz e Bezdômny discutiam religiões e crenças. Quando o desconhecido entra na conversa, sua primeira pergunta é se os dois acreditam em Deus. Uma vez que confessam seu ateísmo, começa o desafio.

Dramaturgo de mão cheia, Bulgákov alterna o inusitado diálogo sobre fé e ateísmo com os pensamentos dos dois amigos, que se revezam tentando entender de onde vem o estranho e o que ele busca com aquela conversa, criando uma atmosfera irônica que logo captura o leitor.

O tal forasteiro questiona os dois amigos sobre sua religião, para que os dois respondam que há muito o país aboliu a crença “nas fábulas sobre Deus”. O estrangeiro então lembra o filósofo Immanuel Kant, que tanto se esforçou para derrubar as cinco provas da existência de Deus e depois acabou “como que troçando de si mesmo”, elaborando uma sexta prova. Para esse homem, o mais incoerente no ateísmo é que ele coloca o homem no centro do seu próprio destino e da ordem geral na Terra. Essa teoria é o alvo perfeito para o sarcasmo do desconhecido, que não hesita em tripudiar sobre a mortalidade humana e o fato incontestável de que a humanidade tem pouco domínio sobre seu destino:

– Perdão – retrucou o desconhecido, com delicadeza -, mas para governar é preciso, afinal, ter um plano preciso para um certo período razoável de tempo. Permita-me perguntar: como o homem poderia governar se ele não apenas está privado da possibilidade de elaborar um plano para um período de tempo ridiculamente curto, como, digamos, mil anos, mas nem consegue responder pelo dia de amanhã?

Não restam dúvidas, portanto, de que esse personagem de língua afiada é o diabo que chegou à Rússia. Quem leu a sinopse do livro e o nosso post da última semana começa a ligar os pontos e perceber que tanta confiança na fala só poderia vir de uma criatura que viveu tudo que relata, ou seja, que existe desde os primórdios do mundo.

É a história formadora do catolicismo que acompanhamos no segundo capítulo. Da linguagem mais satírica das primeiras páginas, passamos para um relato detalhista dos últimos dias de Jesus, ou Ieshua, na grafial original, mantida para garantir o aspecto histórico do relato. O julgamento por Pôncio Pilatos, o procurador da Judeia, é narrado em detalhes, seguindo o código processual da época.

Sabemos que quem está escrevendo esse relato é Bezdômny, sob encomenda de seu editor. Este não ficara nada satisfeito com a escrita, justamente porque

seu Jesus saíra completamente vivo, um Jesus que outrora existira, apesar de, na verdade, ser provido de todos os traços negativos de Jesus. Berlioz queria demonstrar ao poeta que o principal não era como Jesus tinha sido, mau ou bom, mas sim que esse Jesus, como indivíduo, jamais existira, e que todas as narrativas a seu respeito eram simplesmente invencionices, o mais corriqueiro dos mitos.

De fato, o relato dos dias finais de Ieshua tem pouco de bíblico e muito de histórico, nas descrições, nos diálogos e até nas conversas sobre o bem e o mal – um dogma para a União Soviética.

Ficaram instigados com os próximos capítulos dessa leitura? Contem para gente nos comentários!

O Mestre e Margarida

Editora 34

R$ 53,90

408 páginas

 

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