Não espere finais felizes dos oito contos reunidos em Fugitiva, uma das coletâneas de textos de Alice Munro. Em suas histórias, a canadense, ganhadora do Prêmio Nobel em 2013, não procura desfechos grandiosos, arrebatadores. A vida, ela nos ensina, é o cotidiano e o banal, e fugir nem sempre é possível.
Embora adore o gênero – enquanto estava lendo Munro, escrevi uma lista com cinco contos que considero imperdíveis -, acho particularmente difícil resenhá-lo. Há nessas coletâneas uma multiplicidade de vozes e temas que nem sempre permitem generalizações.
Os contos em Fugitiva, porém, têm, além das mulheres como protagonistas, alguns pontos de convergência. A inescapabilidade do destino – ou até mais do que isso, a força do acaso, que por vezes assume até um ar místico – é algo recorrente em suas histórias.
Que outro motivo, senão o acaso, levaria uma jovem professora a conhecer um homem em um trem e, seis meses depois, quando decide procurá-lo, ir ao seu encontro justo no dia seguinte ao velório de sua mulher?
Em um dos meus contos preferidos, a personagem principal atribui à ausência do vestido verde, que não ficou pronto na lavanderia, a falta de sorte que teve na tentativa de reencontro com o rapaz da saída do teatro. O acaso, aqui, está misturado com a superstição, esse sentimento tão humano.
Além disso, todas as mulheres em Fugitiva precisam acertar contas com o destino, mesmo quando parecem vítimas de um enredo que lhes foi imposto, sobre o qual tiveram pouca ou nenhuma influência. Em Ofensas, uma garota chega à uma pequena cidade, na qual é ignorada pelas colegas de escola, entre outros motivos por ter pais liberais demais. Logo ela faz amizade com a recepcionista de um hotel perto de sua casa, mas o relacionamento adquire contornos cada vez mais perturbadores até que há, claro, uma revelação.
Com um texto perspicaz, Munro amarra as pontas de cada narrativa com nós soltos, suficientes apenas para que os leitores carreguem para dentro de cada desfecho suas próprias conclusões.
A história de Juliet, por exemplo, a única que aparece em mais de um texto, é contada a partir de saltos no tempo, que dão espaço para que o leitor preencha algumas das lacunas deixadas vazias. Seu casamento era feliz ou o sentimento era uma fachada? A fuga da filha esconde mais do que se deixa entrever em um primeiro relance? As perguntas estão ali, mas as respostas não.
O enredo forte das narrativas de Munro se misturam às figuras de linguagem que pontuam sua escrita, das quais emana uma beleza rara, dessas que definem o que é literatura – e porque gostamos tanto dela. Como nessa cena de Logros, em que dois personagens semi desconhecidos se despedem na plataforma de trem, após um encontro fortuito na saída do teatro:
A conversa começou a soar pouco a pouco como um subterfúgio de comum acordo, como um biombo convencional para o que parecia cada vez mais inevitável, mais necessário entre eles.
Ou então:
Com que então é esta a dor da perda. Ela se sente como se um saco de cimento tivesse sido despejado dentro dela, endurecendo muito depressa. Mal consegue se mover.
A força da escrita de Munro se manifesta já a partir do título de cada conto. Entre substantivos e adjetivos, ela escolhe palavras certeiras e concisas, como Paixão, Silêncio e Poderes, embora seus textos sejam cheios de nuances, contradições e até algum mistério. Foi apenas o primeiro livro que li de Alice Munro, mas com certeza não será o último.
Tainara Machado
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26 de abril de 2018 at 14:14
Certamente, em pleno 2018, você já deve ter lido o igualmente magnífico “Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento”, não? Uma obra igualmente bela desta autora tão genial.
18 de junho de 2018 at 00:46
Olá, Khemerson! Ainda não li! Vai para a lista de próximas leituras, já que gostei muito deste livro! Obrigada pela dica!