[Lista] 10 livros para o desafio Histórias do Quintal

A querida Angela Alhanati, do Ao Sol No Quintal (@aosolnoquintal), nos convidou a participar de um desafio super bacana que ela está promovendo no canal dela. São 10 categorias diferentes que mostram livros que nos fizeram rir, chorar, que marcaram nossa adolescência e nossa vida.

Ao escolher esses títulos, acabamos também contando um pouco dos nossos gostos pessoais e de episódios que nos moldaram: afinal, nossas leituras acabam também definindo nossa personalidade.  

Esperamos que vocês gostem!

Ah, se quiserem participar, é só usar a hashtag  #historiasdoquintal e seguir as categorias abaixo. E, claro, não deixem de marcar o Achados & Lidos também!

1) Um livro triste: Vozes de Tchernóbil, de Svetlana Aleksievitch:

Quando começamos o Achados & Lidos, decidimos que o primeiro título do nosso Clube do Livro seria Vozes de Tchernóbil, da ganhadora do Prêmio Nobel de 2015.

Já havíamos lido um trecho na revista piauí, então esperávamos uma leitura bastante marcante, mas o livro se mostrou ainda mais perturbador. Aleksievitch buscou contar, por meio da voz da população que viveu as consequências de uma das maiores tragédias do século XX, os horrores do acidente nuclear de Tchernóbil, em 1986, na Ucrânia. O que mais me marcou nesta leitura foi o fato do drama humano ter sido fortemente acentuado pelo ambiente político: o regime soviético buscava abafar informações sobre o acidente, dificultando o acesso a tratamentos e fazendo com que muitas pessoas acabassem contaminadas pela radiação pela falta de entendimento da situação.

É difícil não se emocionar em alguns trechos, como esse:

O meu marido começou a mudar; cada dia eu via nele uma pessoa diferente… As queimaduras saíam para fora… Na boca, na língua, nas maçãs do rosto; de início eram pequenas chagas, depois iam crescendo. As mucosas caíam em camadas, como películas brancas. A cor do rosto, a cor do corpo… Azulada… Avermelhada… Cinza-escuro… E, no entanto, tudo nele era tão meu, tão querido! É impossível contar! Impossível escrever! E mesmo sobreviver…

Um relato essencial, ainda que muito dolorido.

2) Um livro divertido: Nu, de Botas, de Antonio Prata:

Quem disse que a leitura não foi feita para rir? Alguns autores têm um senso de humor tão próprio que mesmo as passagens mais banais acabam arrancando gargalhadas dos leitores. Essa é, normalmente, uma qualidade inerente aos bons cronistas, como é o caso de Antonio Prata. Acompanho sempre seus textos para a Folha de S. Paulo, mas Nu, de Botas é ainda mais especial por nos fazer voltar à infância, um período em que  estamos descobrindo o mundo, com enigmas aparentemente insolúveis apresentadas pelos adultos, resolvidos de forma sempre muito criativa pelas crianças.

Uma das minhas crônicas favoritas conta como ele conseguiu, com alguns colegas da rua, ser atendido pelo palhaço Bozo e pedir uma bicicleta, até ter de enfrentar uma pergunta intransponível:

– Amiguinho, qual é o seu endereço?
Não é que não soubéssemos nosso endereço: sequer tínhamos uma ideia precisa do que fosse um endereço. Henrique disse que já ouvira falar algo sobre “Juscelino Kubitschek”, mas eu sabia que a Juscelino era um lugar ali perto (uma avenida? Uma praça?) por onde a gente passava quando ia para a casa da minha avó, não a nossa rua. Margarida falou que estávamos “no Itaim, a gente mora no Itaim!”, e como eu também já tinha ouvido essa palavra lá em casa, várias vezes, disse ao Bozo, cheio de esperança, que a gente morava no Itaim.
-Bibi ou Paulista, amiguinho?
Ah, o mundo! Quando você acha que está começando a dominá-lo, ele te passa uma rasteira. Bibi ou Paulista?

3) O primeiro livro adulto que leu: Eu, Cristiane F, 13 Anos, Drogada, Prostituída, de Kai Hermann:

Quando eu tinha uns 12 anos, já cansada dos livros infanto-juvenis e dos gibis, passei a olhar com mais curiosidade a estante de livros dos meus pais. Um título logo me despertou a atenção: Eu, Cristiane F., 13 Anos, Drogada, Prostituída. Com praticamente a mesma idade que eu tinha na época, o livro abria a possibilidade de uma experiência totalmente diferente da minha. Bastou a minha mãe dizer que aquele livro ainda não era para a minha idade para eu ficar fixada naquela obra.

Acabei lendo escondido e, claro, fiquei profundamente marcada pelo livro, que relata como Cristiane, uma garota comum, com uma família desequilibrada, mas não tão diferente de tantas outras, acabou se viciando em heroína e a se prostituir para conseguir pagar o vício. Escrito a partir  de relatos de Cristiane a dois jornalistas na década de 80, esse é um problema de saúde pública que continua constrangedoramente atual.

Fumava todas as tardes. Na turma, os que tinham dinheiro emprestavam para os que não tinham. Eu não me preocupava mais em esconder que fumava maconha. No Centro de Jovens isso não era mais segredo. Periodicamente, os assistentes sociais nos faziam sermões. Mas a maioria deles reconhecia que também já fumara. Eles vinham das universidades, do movimento estudantil, e aí era perfeitamente normal que se fumasse maconha. A única coisa que nos diziam era para não exagerar, não usá-la como um meio de fugir da realidade, etc. Principalmente, não passar às drogas pesadas.

4) Um livro que marcou a adolescência: Dom Casmurro, de Machado de Assis:

Foram muitos os livros que me marcaram na adolescência, quando passei a ler títulos mais “sérios” e a me interessar pelos clássicos (que saudades do tempo livre, não?). Nenhum deles, contudo, foi tão especial quanto Dom Casmurro.

O livro foi indicado por uma professora de português e logo fui fisgada por uma das grandes perguntas da literatura: teria Capitu traído ou não Bentinho? A cada leitura, a cada momento da vida, uma resposta diferente. Essa é a magia de Machado de Assis, que escreveu uma obra-prima sobre a sociedade carioca a partir do romance desses dois personagens, com descrições inesquecíveis, como os olhos de ressaca de Capitu:

Capitu, apesar daqueles olhos que o diabo lhe deu… Você já reparou nos olhos dela? São assim de cigana oblíqua e dissimulada. Pois apesar deles, poderia passar, se não fosse a vaidade e a adulação. Oh! a adulação!

5) Melhor autor que a escola lhe apresentou:

Como sei que a Mari vai escolher Machado de Assis, sua grande paixão literária (que já ganhou até um post especial por aqui), vou tentar me sair por um caminho diferente. Foram muitos os autores que a escola me apresentou, especialmente brasileiros, mas acho que a obra de Eça de Queiróz foi uma das que mais acabou me influenciado como leitora.

Foi a leitura de O Primo Basílio, por exemplo, que me levou à Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Na obra do autor português, o casamento de Luisa e Jorge é abalado pela chegada de Basilio, primo de Luisa, que encanta a parente sonhadora e provoca um terremoto em sua vida conjugal. Além da história de amor capaz de amarrar todas as adolescentes, foi esse o livro que começou a me mostrar o quanto a literatura influencia a produção cultural por décadas, já que um dos trechos desse livro é lido por Arnaldo Antunes em Amor, I Love You, uma parceria com uma de minhas cantoras preferidas, Marisa Monte.

Depois disso, vieram A Cidade e as Serras, para o vestibular, uma divertida crítica sobre burguesia portuguesa, perfeitamente transponível para nossos dias, e Os Maias, também um panorama da cultura e dos problemas sociais e políticos do seu tempo.

6) Um livro lido por causa do crush: Notícias do Planalto, de Mario Sergio Conti:

Enquanto eu adoro ficção, meu namorado lê principalmente livros-reportagem, biografias e títulos voltados para negócios. Também jornalista de formação, foi ele que me indicou a leitura de Notícias do Planalto, que inclusive incluí recentemente em uma lista sobre livros para entender o Brasil.

Nesta obra, o jornalista Mario Sergio Conti analisa o período do impeachment de Fernando Collor por meio dos bastidores da imprensa, a partir de sua participação decisiva na eleição do “caçador de marajás” e, posteriormente, em seu declínio. É interessante observar como as mesmas engrenagens que ainda nos chocam hoje já funcionavam naquela época:

O Supremo Tribunal Federal se reuniu  na quarta-feira, 23 de setembro, para julgar um mandado  de segurança impetrado pelos advogados do presidente.A sessão começou às quinze para as duas da tarde e acabou quase nove horas depois. Vários de seus trechos foram transmitidos ao vivo pelas emissoras de televisão. Houva uma manifestação em frente do Supremo, na qual crianças vestidas de verde-amarelo e faixas negras fizeram um arranjo de flores no chão com a forma da bandeira brasileira. O Supremo considerou, por oito a um, que a decisão da Câmara sobre o afastamento do presidente deveria ser feita com voto aberto. Se o voto fosse secreto, avaliavam os aliados do presidente, Collor teria chance de manter no cargo. Com o aberto, a sua derrota era praticamente certa.

7) Um livro que gosta de dar de presente: Amiga Genial, de Elena Ferrante:

Já falamos bastante por aqui da tetralogia napolitana da italiana Elena Ferrante, mas temos um motivo: esse é o tipo de leitura que agrada a quase todo mundo.  Com uma linguagem fácil, a história da amizade de Lenu e Lila em um violento bairro de Nápoles nos permite rápida identificação com as personagens e é, portanto, ótima dica de presente. Além disso, o ritmo sempre empolgante nos faz querer devorar o livro, já que quase todo capítulo termina em um clímax. 

Faz pelo menos trinta anos que ela me diz que quer sumir sem deixar rastro, e só eu sei o que isso quer dizer. Nunca teve em mente uma fuga, uma mudança de identidade, o sonho de refazer a vida noutro lugar. E jamais pensou em suicídio, incomodada com a ideia de que Rino tivesse de lidar com seu corpo, cuidar dele. Seu objetivo sempre foi outro: queria volatilizar-se, queria dissipar-se em cada célula, e que ninguém encontrasse o menor vestígio seu. E, como a conheço bem – ou pelo menos acho que conheço -, tenho certeza de que encontrou o meio de não deixar sequer um fio de cabelo neste mundo, em lugar nenhum.

A história da amizade entre as duas meninas, que acompanhamos nessa saga da infância à velhice, tem tropeços, mágoas, competições, rivalidade, mas ao mesmo tempo elas não conseguem deixar de estar uma com a outra, mesmo quando separadas. Sempre um bom presente para uma amiga, não?

8) Um livro que provocou muita angústia: As Correções, de Jonathan Frazen:

Jonathan Franzen foi reverenciado na capa da revista norte-americana Time como o grande romancista americano por Liberdade, mas foi com As Correções (tem resenha aqui!)  que se destacou na cena literária mundial. Este é um livro por vezes cômico, mas ao mesmo tempo delicado e repleto de questões morais sobre uma das doenças mais assustadoras e onipresentes do século XXI: o mal de Alzheimer.

O livro retrata a saga de uma familia americana comum , habitante dos subúrbios da pequena cidade de St. Jude, quando o pai, Alfred, começa a apresentar sinais de deterioração de sua saúde mental, que se acentuam ao longo do livro, chegando a um estágio profundamente angustiante, especialmente tendo em vista que provavelmente a maioria de nós vai vivenciar situação semelhante com algum familiar:

Ela tinha passado a vida inteira sentindo-se Errada, e agora tinha finalmente a oportunidade de dizer a ele o quanto ele estava Errado. (…) Precisava ir lá e dizer a Alfred que era errado babar sorvete em suas calças limpas e recém-passadas.  Que era errado ele não ter ficado feliz ou grato ou nem mesmo minimamente lúcido quando sua mulher e sua filha se deram a um trabalho enorme para levá-lo a jantar em casa no Dia de Ação de Graças. Que era errado ele dizer, depois daquele jantar, quando o devolveram à Deepmire Home, que “é melhor nunca sair daqui do que ter de voltar”. Era errado, quando ele ainda era capaz da lucidez suficiente para produzir aquela frase, ele não ficar lúcido em nenhum outro momento. Era errado ele tentar enforcar-se com os lençóis no meio da noite. Era errado ele tentar atirar-se pela janela. Era errado tentar cortar os pulsos com um garfo.

9) Um livro que  sentiu muita dificuldade em terminar a leitura: Anna Karienina, de Liev Tolstoi: A frase de abertura deste clássico da literatura russa está, com certeza, entre as mais conhecidas do mundo:

Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.

No entanto, o número de pessoas que chegaram aos capítulos finais desse livro é, eu apostaria, consideravelmente menor. Não à toa: considerada uma das  obras-primas de Tolstoi, são mais de 800 páginas – ou 1,5 kg na nova edição da Companhia das Letras – de um relato denso, que entremeia o malfadado casamento da personagem que dá título ao romance com longos relatos sobre a vida no campo  na Rússia imperial, indo da discussão sobre reforma agrária ao servilismo.

Foi uma leitura bastante difícil de terminar, mas pelo menos não desisti, o que não posso dizer desses livros aqui.

10) Um livro que foi divisor de águas em sua vida:  Viver Para Contar, Gabriel Garcia Marquez: Tenho que admitir que boa parte da minha decisão de cursar jornalismo na faculdade se apoiou na leitura deste primeiro volume da biografia de um dos meus autores preferidos.

Gabo era um apaixonado pelo jornalismo e seus relatos românticos das redações em Barranquilla me fisgaram (assim como a perspectiva de passar muito tempo lendo no trabalho, o que não se provou exatamente verdadeiro). Além disso, Viver para Contar nos leva a um mergulho no cenário que deu vida a grandes clássicos da literatura latino-americana do século XX.

Muitos dos romances que eu lia e admirava naquele tempo só me interessavam por causa de suas lições técnicas. Quer dizer: pela sua carpintaria secreta. Das abstrações metafísicas dos três primeiros contos até os três últimos da época, encontrei pistas precisas e muito úteis da formação primária de um escritor. Não havia me passado pela cabeça a ideia de explorar outras formas. Pensava que conto e romance não eram apenas dois gêneros literários diferentes, mas dois organismos de natureza distinta que seria funesto confundir. Hoje continuo acreditando nisso, e mais convencido que nunca da supremacia do conto sobre o romance.

 

 

 

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
Tainara Machado

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1 Comentário

  1. Angela Alhanati

    22 de maio de 2018 at 10:28

    Isso é que é uma TAG bem respondida! Que trabalho maravilhoso!
    Muito obrigada pelo carinho da participação!
    Obrigada, também, por toda atenção que dedicam a mim. Me sinto privilegiada.
    Beijos.

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