Neste fim de semana, assisti ao filme A Livraria, baseado no romance homônimo, The Bookshop, da autora britânica Penelope Fitzgerald. Além das cenas cheias de caixas de livros novinhos e prateleiras deslumbrantes, o filme arranca suspiros de leitores vorazes, porque a história se desenvolve em cima de um sonho que a maioria de nós nutre: ter uma pequena e charmosa livraria, que, de tão acolhedora, irá espalhar a paixão pela leitura, até entre aqueles que não têm esse hábito.
A protagonista, Florence Green, é uma viúva que decide abrir, na pequena Hardborough, no litoral da Inglaterra, a primeira livraria da cidade. Ela escolhe como sede do empreendimento um prédio histórico e logo vira alvo da perseguição de Violet Gamart, uma influente figura da elite local, que tinha outros planos para o imóvel.
Em meio a essa tensão, há vários personagens marcantes, como a garotinha que trabalha na loja e acaba encontrando ali o seu lugar no mundo, e o Sr. Brundish, um homem excêntrico, que vive encerrado em sua mansão devorando livros. Quando descobre que Hardborough ganharia uma livraria, Brundish entra em contato com Green e pede que ela lhe envie suas indicações de leitura. É a livreira quem lhe apresenta a literatura de Ray Bradbury, autor de Fahrenheit 451, romance pelo qual ele fica hipnotizado. Nasce, então, a partir dos livros, uma amizade improvável.
O poder da literatura nas relações humanas e a incoerente associação entre solidão e literatura são temas centrais na história. Brundish não vive só, ele habita em seus livros. Green não apenas trabalha na livraria, ela mora ali. É o seu lar. Como já disse em um post por aqui, “não ler: isso sim é solidão”.
Mais do que a realização de um sonho, a livraria de Green tem um papel social na pequena cidade. Quando ela empreende seu projeto, chegam a duvidar de sua sanidade. Afinal, quem ousaria investir em um negócio como esse em Hardborough, onde não havia sinais da existência de leitores?
Os primeiros clientes chegam mais com curiosidade do que com intenção de comprar. Porém, Green parecia saber que é assim que a paixão pelos livros nasce. Em uma das cenas, a garotinha que trabalha na loja se enfurece porque um cliente está apenas manuseando os cartões que estão à venda, às vezes até os danificando, sendo que provavelmente não levaria nenhum. Green a repreende e diz que poder pegar e sentir os produtos é uma tradição das livrarias. Não só acredito nisso, como estou certa de que esse é um dos diferenciais que farão esse tipo de negócio sobreviver à venda online. Falei sobre isso também neste post a respeito do futuro das livrarias.
Não demora muito para que o empreendimento de Green conquiste seu espaço na vida social de Hardborough. O lançamento do polêmico Lolita, romance de Nabokov, é um verdadeiro acontecimento da cidade. Ao que parece, o “bichinho” da literatura já havia mordido a todos.
Mais do que as paredes cobertas de livros, acho que o que torna esse sonho de ter uma livraria tão romântico para nós, ávidos leitores, é essa ideia de espalhar a paixão pela literatura. Green sabia que mesmo naquele povoado em que a maioria achava a leitura “exaustiva”, havia espaço para os livros.
A principal característica da personagem, não só por ter enfrentado o poder e o dinheiro de Violet Garmat, mas também por investir seu tempo e dinheiro na literatura, era a coragem. Os livros não são um mundo de fácil acesso, tampouco são populares. Além disso, não há tanta gente assim, especialmente entre os donos do poder, interessada em que as pessoas leiam. Afinal, quem lê, escreve, fala e pensa melhor. No fundo, sabemos que, assim como Green, todos que, de alguma forma, investem na literatura, carregam um misto de otimismo e coragem.
Mariane Domingos
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