[Lista] 5 livros em formato de diário

Quem não teve um diário não teve adolescência! Para matar as saudades dessa fase, hoje selecionamos cinco livros narrados nesse formato, embora nem sempre os dramas tenham algo de juvenil.

Tem um livro preferido neste estilo? Conte  pra gente nos comentários!

1. Informação ao Crucificado, de Carlos Heitor Cony: A literatura brasileira  perdeu neste ano um de seus grandes nomes, Carlos Heitor Cony. Cronista de mão cheia, em Informação ao Crucificado Cony rememora seu período em um seminário, em um livro com fortes traços autobiográficos. O diário que acompanhamos, contudo, é de João Falcão, um jovem prestes a se ordenar, mas que passa a duvidar com cada vez mais insistência de sua vocação, e até da religião.

Imortalidade não basta aos inquietos. Eles terminam santos ou loucos. Deus mais inquietude é santidade. Inquietude mais inquietude é igual à lucidez – que talvez seja a forma complacente da loucura.

2. Diário de Um Ano Ruim, de J. M. Coetzee: Já escrevi aqui algumas vezes que o sul-africano J. M. Coetzee é um de meus autores preferidos. Seu estilo seco e direto e sua disposição para adentrar terrenos desconfortáveis na literatura me fazem sempre admirar sua genialidade, embora ele não seja muito bem visto por todos. Para mim, um grande exemplo da sua capacidade de levar a escrita a avançar fronteiras está em Diário de Um Ano Ruim. Nesta obra, que reúne fragmentos de três narrativas paralelas em uma única página, Coetzee entrecruza ensaios pouco ortodoxos sobre temas candentes, como terrorismo, com os pensamentos de seu altergo, um autor sul-africano radicado na Austrália, e da mulher que ele contratou como digitadora, em um quebra-cabeças extremamente recompensador para o leitor.

Posso fazer um comentário?, perguntei para ele ontem, quando levei o texto digitado. Seu inglês é até muito bom, mas a gente não fala rádio comunal, não faz sentido, a gente fala rádio interativa.

Até muito bom?, ele perguntou. Por que até?

Porque não é a sua língua materna.

Língua materna, ele disse. O que quer dizer isso, língua materna?

A língua que o senhor aprendeu no  colo da sua mãe, eu disse.

Sei disso, ele falou. É a metáfora que você escolheu que estou questionando. Eu tenho de aprender uma língua no colo de uma mulher? Tenho de beber a língua do peito de uma mulher?

3. Minha Vida de Menina, de Helena Morley: Sempre que passava por uma livraria, o título desse livro me chamava atenção, mas só me decidi a comprá-lo quando uma amiga comentou, em um clube do livro que frequento, que Helena Morley era brasileira e narrou, nesse diário, sua experiência com o fim da escravidão no país, no fim do século XIX. Com uma visão que muitas vezes vai de encontro ao pensamento da elite da época, Morley questiona as opiniões de sua avó, por exemplo, ao mesmo tempo em que se mostra como a adolescente espevitada e bem-humorada que era.

Meu pai, precisando de algumas praças para o serviço que está fazendo no Bom Sucesso, pôs-se a indagar até saber que as Cunhas têm em casa dois negros que ainda foram do cativeiro e que elas costumam alugar para fora e dividir com eles o dinheiro, porque não estando alugados elas é que os sustentam. Meu pai e mamãe então se lembraram de passar na casa das Cunhas, na Rua do Bonfim, para contratar os negros. .Lá elas disseram que os negros já estavam alugados e no meio da conversa contaram que tinham dois irmãos chamados Geraldo e Anacleto que viviam em casa à toa, sem emprego. Mamãe, depois que elas disseram que os negros já estavam alugados, não prestou mais atenção à conversa das mulheres, deixou meu pai só  ficar escutando. Mas quando ela ouviu nos dois que estavam em casa desempregados, mamãe disse: “Por que as senhoras não nos cedem Geraldo e Anacleto?”. As mulheres ficaram espantadas e meu pai teve de explicar que mamãe estava distraída e pensou que eles também eram negros.

4. Os Sofrimentos  do Jovem Werther, de J. W. Goethe: Clássico é clássico, não importa o formato, não é? Neste livro, Goethe, considerado o grande nome da literatura alemã, também parte de uma experiência pessoal – o amor por Charlotte Buff, noiva  de um amigo íntimo – para escrever um forte relato psicológico sobre paixões e seu poder devastador, em cartas que compõem uma espécie  de diário. Com seu fim tráfgco, Werther marcou a literatura mundial por ser o herói pré-romântico, que influenciaria inúmeros escritores depois do lançamento da obra, que alçou Goethe à notoriedade, em 1774.

Ah! Este vazio! Este terrível vazio que sinto em meu peito! Muitas vezes penso: se pudesse ao menos uma vez, uma só vez, apertá-la ao peito, todo esse vazio  seria preenchido.

5. A Noite da Espera, de Milton Hatoum: Já resenhado por aqui, esse primeiro volume da trilogia O Lugar Mais Sombrio, contempla os diários de Martim a partir de sua ida para Brasília, em 1968, até seu exílio em Paris, já no fim da década seguinte. Ao revisitar esses escritos, o personagem se vê o tempo todo em um lugar bastante sombrio, a solidão. O isolamento imposto pelo pai e a distância que o separa da mãe o levam a uma busca constante por respostas, que por vezes passam por sua mão, mas ele deixa escorrer entre os dedos.

Na solidão da viagem, uma parte da minha vida saía de mim, o coração dividido pela amargura e a esperança (…)

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
Tainara Machado

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1 Comentário

  1. Indico o livro Memorial de Aires, de Machado de Assis, que também é no formato de diário.
    Uma ótima leitura!

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