O grande protagonista deste romance, o famoso retrato de Dorian Gray, começa a ganhar espaço na narrativa e já estamos curiosas para saber o que vem pela frente. Para a próxima semana, leremos os capítulos 11 e 12, até a página 180, se você tem a edição da foto, da Penguin-Companhia.
Por Mariane Domingos e Tainara Machado
Depois da paixão tão avassaladora quanto passageira por Sibyl, a nova obsessão de Dorian Gray é esconder o seu retrato. Na noite da morte da jovem, ele reparou que o quadro era um espelho da sua alma. Todos seus maus sentimentos refletiam-se na pintura, dando forma a um rosto horrendo, com ares de escárnio:
O que o verme era para o cadáver, seus pecados seriam para a imagem pintada sobre a tela.
O biombo já não bastava para esconder a podridão da sua essência. Quando o amigo Basil, pintor da tela, o visita e dá a entender que quer expor o quadro, Gray percebe que precisa afastar a obra dos olhos do público.
Primeiro, ele convence o pintor a desistir dos seus planos. Se utiliza da influência que tem sobre o amigo e não só o demove da ideia, como ainda arranca uma confissão dele.
Cheio de rodeios, Basil acaba admitindo a Gray a paixão que sente pelo amigo e que seu maior medo era que as pessoas percebessem isso em sua arte. Vale lembrar que nessa época o homossexualismo era considerado crime, o próprio Wilde chegou a ser indiciado e o romance, anexado ao caso como evidência. Inegável, portanto, a ousadia de sua literatura!
Gray percebe essa submissão de Basil e se aproveita para escapar da confissão que havia prometido em troca do desabafo do amigo. A transformação do caráter de Gray é muito bem trabalhada no texto de Wilde. É um tipo de maldade que escapa aos olhos mais desatentos, mas não a uma leitura minuciosa e menos ainda ao retrato que se deteriora a cada sorriso perverso:
Quando o pintor saiu da sala, Dorian Gray sorriu para si mesmo. Pobre Basil! Quão pouco sabia da verdadeira razão! E como era estranho que, em vez de ter sido obrigado a revelar o próprio segredo, ele conseguira, quase que por acaso, arrancar um segredo do amigo! Quanta coisa aquela estranha confissão esclarecia para ele! Os ataques absurdos de ciúmes do pintor, a devoção intensa, os panegíricos extravagantes, as reticências curiosas – ele as compreendia todas agora, sentia pena. Parecia-lhe haver algo trágico em uma amizade tão tingida de romantismo.
Como disse nossa leitora Natacha Alencar, que está acompanhando a leitura conosco, de vez em quando temos vontade de dar umas boas chacoalhadas em Dorian Gray, por seu egoísmo e sarcasmo em relação à dor dos outros, preocupado apenas com o próprio prazer. Basil busca injetar bom senso no amigo, mas são os conselhos de Lord Henry que prevalecem na cabeça do jovem, apaixonado pela própria imagem, em uma espécie de duelo das forças do bem e do mal.
Sim, Basil podia tê-lo salvado. Mas era tarde demais. O passado podia sempre ser aniquilado. Arrependimento, negação ou esquecimento eram capazes de fazê-lo. Porém o futuro era inevitável. Havia nele paixões que encontrariam sua terrível vazão, sonhos que seriam a sombra de seu verdadeiro mal.
Dorian Gray não parece especialmente preocupado com as consequências de suas escolhas, mas isso não significa que não guarde com extremo zelo seu segredo. Depois da visita do pintor, ele toma as providências para que o quadro seja confinado a uma sala trancada a chave, seu antigo quarto de estudos, dos quais guarda lembranças pouco amorosas.
Ele tinha a chave, e ninguém mais poderia entrar lá. Sob a manta roxa o rosto pintado na tela poderia se tornar bestial, viscoso e sujo. Que importava? Ninguém poderia vê-lo. Ele mesmo não o veria. Por que deveria acompanhar a horrenda degradação de sua alma? Ele preservava a juventude – era o bastante.
Sua convicção de que o quadro se encaminhava para a degradação o leva também à paranoia, a tal ponto que passa a desconfiar de seu empregado pessoal, de quem busca esconder o destino do quadro.
Ele não deveria saber para onde o quadro estava sendo levado. Havia algo de malicioso nele – tinha olhos pensativos, traiçoeiros.
A desconfiança de Gray nos leva a crer que a consequência de seus atos seja a loucura, talvez já evidente nas emoções que ele enxerga em seu eu retratado. Qual será o desfecho do personagem? Comente a leitura conosco e continue acompanhando com a gente!
Achados & Lidos
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5 de março de 2018 at 11:06
“Os espelhos exangues retomam a vida mímica. As Candeias sem chamas lá estão onde as deixamos; ao lado delas, repousa o livro, marcado pela metade, que estudávamos, ou a flor aramada que usamos no baile, ou a carta que receaemos ler, ou que lemos com frequência. Nada nos parece alterado. Das sombras irreais da noite ressurge a vida real que conhecemos. Temos que retomá-la onde saltamos e, sobre nós, paira, furtiva, a sensação terrível da necessidade de continuação da energia naquela mesma roda maçante dos hábitos estereotipados, ou um devaneio espontâneo, quem sabe, que nos abra as pálpebras, em certa manhã, para um mundo remodelado na escuridão, todo novo, para nosso prazer, um mundo em que as coisas teriam novas formas e cores, que mudaria, que teria outros segredos, um mundo em que o passado teria apenas um lugarzinho, ou lugar nenhum, ou, de um modo ou de outro, não sobreviveria em qualquer forma consciente de obrigação ou remorso, já que a reminescência, até mesmo da alegria, contém amargura e as lembranças do prazer, dor.”
Meu trecho favorito dessa parte.
E adorei der surpreendida na leitura do meu post com meu nome hahahah…vaidades.
🙂
18 de março de 2018 at 17:12
😉 Estamos sempre de olho nos comentários e estamos amando sua participação, Natacha!