Imagine que, se você quisesse ler Dostoiévski, teria que aprender russo. Ou japonês, se o escolhido fosse Haruki Murakami. Ou que boa parte do mundo jamais conheceria Machados de Assis ou Clarice Lispector, já que apenas uma parte pequena da população global fala português? A cada obra, uma nova língua. Esse seria o mundo sem os tradutores.
Sorte que essa é uma das atividades mais antigas do mundo. No dia 30 de setembro, comemora-se o dia internacional desse profissional porque é também o dia de São Jerônimo, que entre outras prerrogativas carrega o título de tradutor da Bíblia para o latim. São eles, os tradutores, que ao encarar o desafio de reescrever uma obra em outra língua, nos permitem saltar a barreira que nos separa da literatura produzida em outros idiomas.
Caetano Galindo, professor de Linguística Histórica na Universidade Federal do Paraná e doutor em Linguística pela USP, “nas horas vagas” se dedica à tradução e mantém uma deliciosa coluna no Blog da Companhia, na qual relatava os diversos desafios e a empreitada emocionante que é verter para o português obras como Graça Infinita, de David Foster Wallace, e Ulysses, de James Joyce. Com esse currículo, difícil pensar em alguém mais gabaritado para afirmar que a atividade de tradutor literário se aproxima muito mais da escrita do que costumamos dar crédito.
Galindo não tem a menor dúvida quanto à (importante) parte que lhe cabe como tradutor. Quando resolve presentear alguém com um livro que tenha sido traduzido por ele, na folha de rosto risca seu nome impresso e escreve, de próprio punho, “um livro de XXX escrito por mim”.
Porque afinal é isso mesmo. Eu que escrevi aquelas palavras, naquela ordem etc…
E, claro, ele tem toda a razão. As opções feitas por esses profissionais mantém a graça e a coerência de um texto, dando sentido para expressões que, ao pé da letra, muitas vezes não teriam significado fora da língua original em que foram escritos.
Como bem sabemos, uma tradução ruim também pode acabar com uma obra. Que o digam os grandes autores russos do século XIX que, antes das belas edições da Editora 34, deviam se revirar no túmulo ao observar as versões de suas obras disponíveis no Brasil, a maioria tradução indireta baseada na versão francesa desses livros. Eram sofríveis.
Isso só mudou com o que a revista piauí chamou de “nossos três russos”, os responsáveis por aproximar a versão brasileira dessas obras da escrita original de Dostoiévski e Tolstói, entre outros, sem as fórmulas rebuscadas que os tradutores franceses inadvertidamente adicionavam aos textos. São eles Paulo Bezerra, Boris Schnaiderman e Rubens Figueiredo (e, para quem gosta de tradução, a reportagem é imperdível).
Eles todos são os grandes especialistas em literatura russa no Brasil, responsáveis pelo ressurgimento do interesse por autores clássicos (Schnaiderman, infelizmente, morreu no ano passado). Dado que o tradutor precisa mergulhar no texto em que está trabalhando, imergindo não apenas no estilo, mas também no contexto social e nas referências adotadas por qualquer um, é natural que eles se tornem grandes conhecedores das obras a que se dedicam. Galindo, por exemplo, praticamente concluiu o projeto de tornar James Joyce mais acessível para os leitores brasileiros, com a tradução de Ulysses, Retrato de um Artista Quando Jovem e Dublinenses, além de seu livro de apoio, Sim, Eu Digo Sim.
É pouco provável também que alguém no Brasil conheça tão bem a obra da misteriosa autora italiana Elena Ferrante quanto Mauricio Santana Dias, responsável por adaptar para o português a tetralogia napolitana.
Em entrevista na qual comentou o desafio de se dedicar a uma obra tão próxima do universo feminino, Dias afirmou que é “uma função o própria do tradutor se impregnar do texto que está traduzindo”. No fim, o desafio de escrever sem deixar estilo e gostos pessoais se destacarem é o que torna a profissão ainda mais admirável.
Durante muito tempo, por causa do gosto pelos livros e também por ter uma queda por idiomas e linguística, eu guardava numa caixinha o desejo de, quem sabe um dia, seguir para a tradução. Por enquanto, continua só um plano B, mas sigo uma fã incondicional dos grandes tradutores, esses profissionais que muitas vezes não ganham o destaque merecido, mas são os verdadeiros responsáveis pela globalização da literatura.
Tainara Machado
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