[Nossa Senhora do Nilo] Semana #5

Nessa última leitura, dois temas se sobressaíram: a apropriação do território e das riquezas ruandesas pelos colonizadores brancos e a condição frágil da mulher na sociedade. Scholastique Mukasonga segue nos surpreendendo com sua habilidade para contar histórias e com um texto que consegue ser sutil sem perder o impacto. Para a próxima semana, vamos até a página 177.

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

“Os Gorilas” foi, até o momento, o capítulo que mais nos surpreendeu, pela fluência da prosa e profundidade crítica. Na última semana, quando vimos o título desse trecho foi difícil segurar a leitura. Por que será? A resposta estava na própria narrativa: porque os gorilas representam o imaginário – limitado, diga-se de passagem – que temos sobre Ruanda e sobre a África em geral.

Do alto de nossa cultura ocidentalizada, estávamos esperando boas passagens de aventuras com os grandes animais, tais quais os filmes que as garotas do liceu lembram ironicamente, durante uma conversa sobre como os colonizadores se apropriaram até mesmo da proteção dos gorilas. A mulher branca que não deixava nenhum ruandês se aproximar desses bichos é um bom exemplo da situação.

Mesmo esses europeus interessados na preservação da natureza, que provavelmente não eram numerosos, chegavam com uma postura arrogante, como se conhecessem mais dos gorilas e seus hábitos que o povo local. Os ruandeses, na visão deles, seriam ignorantes que não sabiam como proteger a riqueza que tinham e precisavam de alguém para ensiná-los:

– Mais uma vez são os brancos que descobriram os gorilas – explodia ela – assim como foram eles que descobriram Ruanda, a África e todo o planeta! (…) Em Ruanda, a única coisa interessante são os gorilas. Todos os ruandeses devem estar a serviço dos gorilas, devem ser empregados dos gorilas, se preocupar só com os gorilas, viver para eles.

Fica implícita também a preocupação exclusiva com os animais da região. Como se a fauna local fosse o único elemento em risco no cenário de então. Na verdade, todo um povo e sua cultura estavam ameaçados e, ainda assim, as atenções da mulher branca se voltavam apenas aos gorilas. Essa interpretação nos remete ao olhar que, muitas vezes, adotamos como turistas em regiões exóticas. Queremos conhecer as paisagens e os animais selvagens, deixando de lado a maior riqueza que outro país pode nos apresentar: sua cultura e seus dilemas sociais.

Para além das consequências nocivas da colonização, esse capítulo traz ainda uma ótima reflexão acerca da visão humana de superioridade sobre os animais. Seja por meio das alusões à teoria evolucionista que os brancos tentavam disseminar, seja a partir dos mitos ruandeses que viam, nos gorilas, homens que optaram pela vida selvagem e perderam sua humanidade, a narrativa coloca em xeque a posição evoluída em que frequentemente nos colocamos. Será mesmo que o comportamento humano, por vezes tão violento e desprezível, é assim tão superior ao animal? Immaculée reflete sobre isso:

Tenho outra hipótese ainda: os gorilas se recusaram a ser homens, eles eram quase homens, mas preferiram permanecer como macacos na floresta, no alto dos vulcões. Quando viram que outros macacos como eles tinham se tornado humanos, mas também tinham se tornado malvados, cruéis, e que eles passavam o tempo matando uns aos outros, se recusaram a virar homens.

No capítulo seguinte, “Sob o Manto da Virgem”, a vulnerabilidade da condição da mulher na sociedade foi o tema central. Primeiro, com os indícios claros de que várias internas eram vítimas dos abusos sexuais do padre Herménégilde. Depois, na história de Frida, uma das alunas do liceu, noiva do embaixador do Zaire , que viu sua juventude e sua vida se esvaírem em um relacionamento abusivo.

A personagem de Frida é a expressão da mulher como objeto – ela era um objeto nas mãos do pai, do noivo e do padre. Frida tem um fim trágico que só confirma a pouca consideração que lhe destinavam. Depois de sua morte, todos seguem a vida como se nada grave tivesse acontecido. Pelo contrário, ficam até aliviados. Com exceção, claro, das colegas do liceu. Em silêncio, elas têm que remoer aquela história que, mais do que uma tragédia pontual, parecia o anúncio do futuro que as esperava:

Pois, a partir daí, esse era um segredo vergonhoso que ficaria agarrado no peito do liceu, bem como no peito de cada uma delas, um remorso sempre em busca do culpado, um pecado que não se expia, pois nunca é reconhecido. Precisavam rejeitar essa imagem: Frida, ela era como o espelho negro em que cada uma podia ler o próprio destino.

E vocês, de qual capítulo mais gostaram? Que passagem chamou mais sua atenção? Deixe aqui nos comentários!

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2 Comentários

  1. Só quero agradecer pelos comentários de vocês, são de uma sensibilidade incrível, vocês fazem uma leitura belíssima do texto.

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