Prontos para a oitava edição do Clube do Livro do Achados & Lidos? Antes de iniciarmos a leitura, vamos conhecer melhor a obra da escritora ruandesa Scholastique Mukasonga, que causou furor em sua recente passagem pelo Brasil. Para a próxima sexta-feira, vamos até a página 38. Se ainda não conseguiu seu exemplar de Nossa Senhora do Nilo, corra que ainda dá tempo!
Mariane Domingos e Tainara Machado
Em 1994, em Ruanda, os hutus no comando do país mataram 800 mil tutsis e deixaram muitos outros milhares desabrigados, em um dos genocídios que marcaram o século XX. Scholastique Mukasonga, autora de Nossa Senhora do Nilo, livro escolhido para a oitava edição do Clube do Livro do Achados & Lidos, perdeu 27 membros de sua família no massacre, entre eles seus irmãos e sua mãe.
Ela só sobreviveu porque teve acesso à educação, em um dos colégios católicos mantidos pelos colonizadores belgas, onde ela aprendeu francês. Ainda muito jovem, Mukasonga emigrou, primeiro para o Burundi, em 1973, e depois para a França, em 1992, cumprindo assim a ideia fixa de sua mãe, que era salvar os filhos, ou pelo menos algum deles.
Nossa Senhora do Nilo resgata, por meio da ficção, a vida em um um liceu que lembra muito o que a autora frequentou, no período posterior à independência do país, na década de 60, quando os hutus tomaram o poder da monarquia tutsi. Privados de seus bens e seus costumes, e colocados em regiões inóspitas para que morressem de fome e de doenças, os tutsis tinham direito a uma cota de apenas 10% nas escolas.
Mais do que um retrato da luta fratricida que culminaria no genocídio de 1994, esse romance traz latente a tensão entre colônia e colonizador, entre dominantes e dominados. O próprio nome da autora, aliás, expõe essa identidade dividida. Seu nome “real” é Mukasonga, enquanto Scholastique é o nome que ela teve que adotar quando batizada. O batismo, que era premissa para ingressar nos colégios católicos e ter acesso à educação, é apenas um dos incontáveis exemplos que definem a colonização como um ato de violência que vai muito além da agressão física, atentando contra a identidade, a cultura e a história de um povo e deixando marcas indeléveis. Certamente, essa leitura nos proporcionará uma visão mais ampla das diversas nuances da colonização.
A necessidade de não deixar a história se apagar, de não deixar as memórias se esvaírem caracteriza a produção literária da autora. A obra de Mukasonga é um resgate necessário de uma história que, obviamente, ela não consegue deixar para trás.
O genocídio de Ruanda fez de mim uma escritora. Em 2004,quando tive coragem de ir à minha cidade-natal tomei consciência do meu compromisso com a memória, porque eu podia escrever.
Em entrevista ao jornal O Globo, a autora completa:
O que eu queria era contar como nasceu o genocídio, como o ódio étnico nasce, cresce e se transforma num genocídio.
O lançamento da autora no Brasil causou certo furor. A obra foi lançada por uma pequena editora, a Nós, que também publicou A Mulher de Pés Descalços, já resenhado aqui no blog.
A mesa oficial da Flip se mostrou pequena para comportar o acolhimento dos leitores brasileiros. Mukasonga participou de um memorável evento paralelo em Paraty e ainda esticou sua passagem pelo país para uma agenda intensa em São Paulo. Sinal de que o poder da história bem contada é, de fato, universal.
ps.: Para quem se interessar sobre a história de Ruanda, sugerimos a leitura de Gostaria de informá-lo de que amanhã seremos mortos com nossas famílias, de Philip Gourevitch, jornalista da revista The New Yorker que escreveu um brilhante livro reportagem sobre o genocídio, além, é claro, do livro de Mukasonga. No cinema, Hotel Ruanda também é imperdível.
Achados & Lidos
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24 de agosto de 2017 at 22:55
Meu livro chegou hoje e já comecei a ler para acompanhar o debate de vocês.
Lembro de estudar esse conflito para o vestibular, mas sem me aprofundar. Naquela época era muita coisa pra pensar. Fico feliz em poder revisitar este tema hoje, mais madura e crítica. É uma herança triste, mas que nunca deve ser esquecida, pois senão corre o risco de se repetir.
Abracos!
Debb
31 de agosto de 2017 at 23:43
Oi, Debb! Bem-vinda ao nosso Clube do Livro! Estamos apostando em uma ótima leitura. 🙂
21 de janeiro de 2018 at 16:26
Olá. Li o livro recentemente e fiquei impressionado pela narrativa… aparentemente ela não mostra um personagem protagonista… claro que alguns personagems possuem narrativas qie favorecem o desenvolvimento dda história… mas não sei se posso chamar isso de protagonismo… no entanto é bem perceptível essa tensão racial e o sincretismo religioso…
Não consegui imaginar como era as ruas e as pessoas… então assisti ao filme Hotel Ruanda… que mostra bem o povo e as ruas do país.
11 de fevereiro de 2018 at 20:42
Olá, Valdemir! Obrigada pelo comentário! Também gostamos bastante dessa leitura. Lemos aos pouquinhos em nosso Clube do Livro (na sequência há mais posts sobre o livro).
Indicamos também a leitura de A Mulher de Pés Descalços, da mesma autora. Publicamos uma resenha aqui. Achamos que você irá gostar!