Além de ficarem lindas na prateleira, as séries são uma ótima pedida para aquele leitor que ama acumular livros e se sente órfão quando vira a última página de um romance. Na lista de hoje, separei quatro trilogias e uma tetralogia que merecem um (bom) espaço na sua estante:
1. História do Pranto, História do Cabelo e História do Dinheiro, de Alan Pauls: nessa trilogia, de títulos tão peculiares quanto a narrativa que anunciam, Pauls aborda de maneira muito original uma década complexa e pesada da história argentina – os anos 70.
A partir da lágrima, do cabelo e do dinheiro – gatilhos aparentemente banais e que se assemelham por serem elementos que estamos fadados a perder – Pauls disseca a sociedade argentina do período em uma estrutura narrativa desafiadora e brilhante, que não se baseia na ordem cronológica, mas sim nas conexões de sentimentos e nos arroubos da memória.
Os três livros podem ser lidos aleatoriamente, mas quem seguir a ordem de publicação será premiado com uma curva ascendente de qualidade. História do Dinheiro, fechamento da trilogia, é o meu preferido:
Aquela que perdeu tudo perdeu muito mais que sua fortuna. Perdeu a margem preciosa de tempo que sua fortuna lhe concedia, esse intervalo, essa espécie de colchão mágico que a separava de uma experiência imediata das coisas. Perder tudo a condenou a um inferno pior que a pobreza: o inferno de viver no presente.
2. Ciclo de Albany, de William Kennedy: O Grande Jogo de Billy Phelan, Ironweed e Velhos Esqueletos, lançados no Brasil pela saudosa Cosac Naify, compõem a trilogia que segue os passos dos Phelan, uma família disfuncional de Albany, capital do estado de Nova York e cidade natal de Kennedy.
Violência, corrupção, bebida, jogatina e fracassos se juntam em uma narrativa que traz para o centro a vida periférica dos cidadãos que ficaram à margem do sonho americano.
O mais famosos dos três romances é Ironweed, que ganhou o Prêmio Pulitzer e foi adaptado para o cinema no filme de Hector Babenco, com Jack Nicholson e Meryl Streep. O Ciclo de Albany tem ainda outros cinco títulos, todos interligados pelo cenário em comum.
3. Festa no Covil, Se Vivêssemos em um Lugar Normal e Te Vendo um Cachorro, de Juan Pablo Villalobos: assim como Kennedy, Villalobos também escolheu sua terra natal para escrever uma trilogia. O olhar crítico do autor e a criatividade de seus enredos e personagens desenham um retrato tragicômico do México.
Narradas por uma criança, um adolescente e um senhor na terceira idade, respectivamente, as três histórias, que podem ser lidas em ordem aleatória, trazem temas universais, como a velhice, e sociais, como o tráfico de drogas e a desigualdade social, bastante clara neste ótimo trecho de Se Vivêssemos em um Lugar Normal:
Jarek me mostrou sua casa e tive que me esforçar pra cacete para me surpreender, porque, em vez de surpresa, meu estômago se revirava de desilusão, da decepção de constatar que havíamos nos enganado em nossas especulações, que onde meu pai sugeriu que estariam os quartos dos dez filhos na verdade havia um quarto de costura ou de brinquedos, escritórios ou uma sala de tevê. O cúmulo foi que um dos quartos resultou ser o da empregada. O pior não era ser pobre: o pior era não ter ideia das coisas que se pode fazer com o dinheiro.
4. Série napolitana, de Elena Ferrante: quem é leitor assíduo do blog sabe o quanto somos fãs da tetralogia da escritora italiana misteriosa. A Amiga Genial, História do Novo Sobrenome, História de Quem Foge e de Quem Fica e História da Menina Perdida formam a sequência que acompanha a trajetória de duas amigas, Lenú e Lila, nascidas no subúrbio de Nápoles. Da infância à maturidade, os quatro romances dão conta da história individual das garotas ao mesmo tempo em que pintam um cenário da sociedade italiana desde os anos 50, revelando a realidade da periferia, a imobilidade social, o machismo e a violência.
O leitor mergulha de tal forma nas nuances e nos grandes acontecimentos dessa amizade que as mais de duas mil páginas da série não intimidam:
… estava reagindo e me explicando que de fato eu não tinha vencido coisa nenhuma, que no mundo não havia nada a ser vencido, que a vida era cheia de aventuras diversas e insensatas assim como a minha, e que o tempo simplesmente deslizava sem nenhum sentido, e era bom encontrar-se de vez em quando só para ouvir o som disparatado do cérebro de uma ecoando no som disparatado do cérebro da outra.
5. As Areias do Imperador, de Mia Couto: nessa trilogia, o escritor moçambicano dá forma a uma poderosa narrativa sobre a guerra que assolou o seu país no fim do século XIX.
Couto coloca sua prosa poética a serviço de uma extensa pesquisa histórica e alterna as vozes de uma jovem africana e um sargento português para trazer os horrores do colonialismo e da guerra:
A diferença entre a Guerra e a Paz é a seguinte: na Guerra, os pobres são os primeiros a serem mortos; na Paz, os pobres são os primeiros a morrer.
Depois do sucesso e das belas edições de Mulheres de Cinzas e Sombras da Água, há bastante expectativa para o lançamento do terceiro volume, que abordará os últimos dias do Império de Gaza, dirigido por Ngungunhana, e que ficou conhecido como o segundo maior da África liderado por um africano.
E você, é fã de alguma série de livros? Deixe aqui nos comentários!
Mariane Domingos
Últimos posts por Mariane Domingos (exibir todos)
- [Resenha / Review] A Vida Pela Frente / The Life Before Us - 14 de março de 2021
- [Resenha / Review] The Vanishing Half - 15 de fevereiro de 2021
- [Resenha / Review] Garota, Mulher, Outras / Girl, Woman, Other - 4 de janeiro de 2021
Deixe uma resposta