Sapos, antes abundantes, passaram a aparecer mortos em enormes quantidades na região de El Valle, no Panamá, até desaparecem quase completamente. Milhões de morcegos foram encontrados mortos em cavernas nos Estados Unidos desde o inverno de 2010, acometidos por uma espécie de pó branco cuja presença se concentra no focinho desses animais. O súbito desaparecimento dessas espécies é resultado da introdução de novos organismos no ambiente, pela ação humana. O deslocamento de espécies nativas de um continente para o outro, por meio de viagens, exportações, transporte de cargas e outros meios, está provocando, em conjunto com o aquecimento global, a sexta extinção em massa da história da Terra.
Esse é o quadro retratado pela jornalista americana Elizabeth Kolbert em A Sexta Extinção – Uma História Não Natural, lançado no Brasil pela Intrínseca. Embora trate de temas áridos como acidificação de oceanos ou a codificação do genoma de Neandertais, o livro – na verdade, uma grande reportagem – é acessível, dinâmico e, principalmente, extremamente intrigante e preocupante.
A história das extinções em massa começa com um desaparecimento que poderia parecer trivial: uma espécie comum de sapo nas encostas da Colômbia, antes abundantes, rarearam e, de repente, sumiram. Para escrever esta resenha, fui dar uma olhada em uma foto do anfíbio, e a última atualização na Wikipedia já colocou o verbo sobre essa espécie no passado:
O sapo dourado (incilius periglenes) foi um pequeno sapo abundante em um vilarejo em uma região de alta altitude ao norte da cidade de Monteverde, na Costa Rica.
Uma espécie particular de fungo, apelidada de Bd, foi o agente causador desse processo. Quase todos os anfíbios da região morreram, vítimas do microorganismo, e os poucos animais preservados hoje habitam uma espécie de “hotel”, totalmente isolado do restante da floresta, no qual esses sapos encontram-se a salvo de ameaças, ainda que em sistemas totalmente artificiais.
O processo de extinção da biodiversidade em curso hoje no planeta, argumenta Kolbert com base em uma série de entrevistas, viagens e relatos recolhidos ao longo de mais de quatro anos de apuração, é resultado da ação humana. Sem essa maciça interferência na ordem de funcionamento do planeta, esse fungo provavelmente não teria chegado a áreas tão diversas do globo, como América do Sul, América do Norte e Austrália, ou sua migração teria sido imensamente mais lenta, dando tempo para que animais se adaptassem e, principalmente, criassem resistência ao novo atacante. O resultado dessa redistribuição, no entanto, é que os anfíbios são uma das espécies mais ameaçadas no planeta:
Hoje, os anfíbios têm a dúbia distinção de ser a classe de animais mais ameaçada do mundo; calcula-se que a taxa de extinção do grupo pode ser até quarenta e cinco vezes maior que a taxa “normal”. Mas as taxas de extinção de muitos outros grupos está se aproximando da dos anfíbios. É estimado que um terço de toda a construção de corais, um terço de todos os moluscos de água doce, um terço de todos os tubarões e raias, um quarto dos mamíferos, um quinto dos répteis e um sexto dos pássaros estejam caminhando para o esquecimento.
A migração não-natural de espécies de um continente para o outro não é, contudo, a única culpada por essa realidade. A queima de combustíveis fósseis desde a revolução industrial elevou o nível de gás carbônico na atmosfera, mais precisamente em 365 bilhões de toneladas, com dois efeitos caóticos para a biodiversidade. De um lado, temperaturas mais altas estão derretendo geleiras e calotas polares, além de inundar terras no nível do mar. Do outro, a dissolução de gás carbônico nos oceanos faz com que as águas marítimas fiquem cada vez menos alcalinas. Os primeiros ameaçados são as barreiras de corais, mas ao longo do tempo, mostra Kolbert ao visitar uma ilha perto de Ischia, na Itália, todo o oceano tende a ser afetado.
Para escrever a história da sexta extinção em massa, a jornalista não apenas viajou para áreas remotas da terra para descrever processos e projetos de pesquisa que buscam quantificar o nível de devastação impetrado pela raça humana, mas relatou também um tratado sobre a história da evolução e de como se desenvolveu o conhecimento humano sobre o desenrolar da vida na terra. Ao longo do tempo, foram datadas apenas cinco grandes extinções nos bilhões de anos de evolução da vida na Terra, entre elas a mais famosa – e recente – no fim do período Cretáceo, que encerrou a era em que os dinossauros reinaram no planeta.
Extinções em massa, explica Kolbert, são eventos em que há uma profunda perda de biodiversidade. Eles são também extremamente raros – aconteceram apenas cinco vezes em alguns bilhões de anos. O que difere a sexta extinção das demais é que, desta vez, essa é uma história “não natural”, já que a ação humana estaria por trás do desaparecimento de uma gama enorme de espécies.
Diante de tantas evidências científicas sobre como os seres humanos estão mudando dramaticamente a atmosfera, os oceanos e a distribuição da biodiversidade pelo planeta, o livro não deixa muito espaço para o “contraditório”. O aquecimento do planeta, a acidificação dos oceanos, a redução do tamanho das florestas e outros dados sombrios que refletem a ação humana na terra são tratados como uma realidade inescapável.
Apesar do tema árido, Kolbert não deixa de abordá-lo com bom humor e, principalmente, sensibilidade. No último capítulo, a jornalista nos lembra que há pouco que possamos fazer para aplacar nossa consciência. Não adianta colocar a culpa do desaparecimento de espécies nos caçadores de grandes mamíferos na África ou nas grandes empresas do setor de petróleo. Você pode estar apenas no sofá lendo um livro, lembra ela, mas todos fizemos nossa parte para chegar aqui. Em um tom mais otimista, Kolbert lista os grandes esforços que, por outro lado, a raça humana também é capaz de fazer para tentar salvar parte das espécies ameaçadas.
Mas, ao que tudo indica, já é tarde demais. Leitura imperdível e, mais do que tudo, imprescindível.
Tainara Machado
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