Entre as mentiras mais contadas na literatura, certamente as traições são as mais frequentes. De mulheres infelizes em casamentos arranjados a relações incestuosas, incluindo muitos assassinatos e vinganças, os adultérios são quase onipresentes na literatura. Aqui, listamos cinco livros, já clássicos, em que eles são centrais para a história. Lembram de mais algum? Contem para a gente nos comentários!
1. Dom Casmurro, de Machado de Assis: Difícil deixar a obra prima de Machado de Assis de fora de uma lista como essa, mesmo que, para alguns, o livro não se encaixe perfeitamente no tema. A história do relacionamento de Bentinho, um menino que por pouco não seguiu a vida religiosa por causa de uma promessa da mãe, e Capitu, sua vizinha com olhos de ressaca, é fonte de um sem número de análises, todas tentando responder à mesma pergunta: teria Capitu de fato traído o marido com seu melhor amigo?
Há argumentos que pendem para os dois lados. Desde o começo, Bentinho se mostra uma figura possessiva e ciumenta, tentado a encontrar problemas onde eles não existem.
Por falar nisso, é natural que me perguntes se, sendo antes tão cioso dela, não continuei a sê-lo apesar do filho e dos anos. Sim, senhor, continuei. Continuei, a tal ponto que o menor gesto me afligia, a mais ínfima palavra, uma insistência qualquer; muitas vezes só a indiferença bastava. Cheguei a ter ciúmes de tudo e de todos. Um vizinho, um par de valsa, qualquer homem, moço ou maduro, me enchia de terror ou desconfiança.
Por outro lado, a relação entre Capitu e Escobar – ainda que vista sob o olhar de Bentinho – parece mais íntima do que seria habitual. Ezequiel, o filho do casal, tinha a mania de imitar os outros, e a cada dia parecia-se mais com o amigo da família. Na cabeça da Bentinho, também ficaria para sempre a memória do olhar e das lágrimas furtivas da esposa no funeral do melhor amigo, que só aumentaram sua desconfiança. Um mistério da literatura que ninguém saberá responder.
Ps: Meu palpite particular à pergunta do primeiro parágrafo é sim.
2. Madame Bovary, de Gustave Flaubert: Um casamento infeliz e uma mulher que tem aspirações maiores do que a vida pacata em uma cidade no subúrbio parisiense são o pano de fundo de um clássico da literatura mundial, que viria a influenciar inúmeras obras posteriores.
Por tratar de adultério – feminino, diga-se de passagem -, Flaubert seria processado por defender a moral pública. E, ainda que escrito por um homem, esse é um dos primeiros romances em que aflora a consciência de gênero, no reconhecimento de Emma de que sua vida era constrita por regras diferentes das impostas ao seu marido.
Ao mesmo tempo em que é retratada como sonhadora, por perseguir uma vida irreal, reflexo dos romances em que mergulhava, Madame Bovary tem a consciência de que sua vida é uma sequência de interdições. Ela não tinha liberdade para perseguir carreira ou viagens. Sua vida já estava pré-determinada desde o nascimento, e sua válvula de escape é o dinheiro e, eventualmente, um caso extraconjugal.
Entretanto, Emma calava muitas de suas extravagâncias, como o desejo de ter, para ir a Rouen, um tílburi azul atrelado a um cavalo inglês e conduzido por um groom de botas de canhão. Fora Justin quem lhe inspirara o capricho, ao suplicar-lhe que o tomasse em sua casa como criado de quarto; e se aquela privação não atenuava, a cada encontro, o prazer da chegada, ela aumentava certamente a amargura do retorno.
3. Anna Kariênina, de Liev Tolstói: Outro clássico da literatura, publicado a partir de 1870, o romance de Tolstoi é centrado na vida de Anna Kariênina, que abandona seu casamento infeliz para viver um caso extraconjugal com o conde Vrónski.
Encantada pelo charme do conde, Kariênina, que fazia parte da aristocracia russa, decide se divorciar do marido para viver sua paixão. A perda do status social, o afastamento dos filhos e uma vida bem menos emocionante do que imaginava levam à personagem principal de Tolstói a mais um fim infeliz nesta lista.
Vrónski ouviu com prazer o balbucio alegre daquela mulher bonita, deu-lhe razão, deu-lhe conselhos semijocosos e imediatamente adotou, no geral, o tom que costumava usar com mulheres desse tipo. Em seu mundo petersburguês, todas as pessoas se dividiam em duas classes completamente opostas. Uma classe inferior: pessoas vulgares, tolas e, acima de tudo, ridículas, que acreditavam que um marido tinha de viver com a mulher com a qual estava casado, que uma jovem solteira devia ser inocente, a mulher, recatada, o marido, másculo, sóbrio e inabalável, que era preciso criar filhos, ganhar o seu sustento, saldar as dívidas – e várias tolices do mesmo tipo. Era uma classe de pessoas antiquadas e ridículas. Mas havia outra classe, de pessoas autênticas, à qual todos eles pertenciam e na qual era preciso, acima de tudo, ser elegante, bonito, generoso, corajoso, alegre, entregar-se a todas as paixões sem nenhum pudor e rir de todo o resto.
O clássico de Tolstói, porém, vai muito além do drama familiar, embora ele sirva para discutir instituições como o casamento. Anna Kariênina trata também do ocaso da aristocracia russa, que se esfacelaria com a revolução de 1917. Por meio de um dos personagens, Liévin, que baseia-se muito em vivências do próprio autor, Tolstói expõe boa parte da discussão política e filosófica da época, sobre servidão, ignorância dos camponeses no campo, propriedade da terra e nacionalismo, temas candentes na Rússia do século XIX.
4. Hamlet, de Shakespeare: Se você acompanhou a leitura de Enclausurado, de Ian McEwan, no quinto Clube do Livro do Achados e Lidos, já conhece bem a história dessa peça: Hamlet, príncipe da Dinamarca, trama a vingança pelo assassinato de seu pai, morto pelo tio, que assumiu o trono.
A tragédia se completa com a relação incestuosa de sua mãe, Gertrude, com o rei Cláudio. Nem bem o pai de Hamlet estava morto e sua mãe já havia voltado a ser rainha, agora como esposa do novo mandatário. A rapidez com que esse relacionamento se estabelece faz com que Hamlet desconfie do papel de sua mãe no envenenamento do rei morto.
Não vou pensar. Fraqueza, teu nome é mulher!
Um só mês. E antes que gastassem os solados
Com que seguiu o corpo do meu pobre pai,
Feito uma Níobe em prantos – sim, ela mesma.
Deus, até um animal sem o dom da razão
Teria chorado mais. Casou com meu tio,
Irmão do meu pai, tão parecido com ele
Quanto eu com Hércules. E em apenas um mês.
Traição para ninguém colocar defeito!
5. A Besta Humana, de Émile Zola: Outro grande clássico da literatura marcado por assassinatos e traições, A Besta Humana explorou os instintos animalescos que podem dominar humanos em situações extremas. A pacata Sévérine, esposa de Roubaud, levava uma vida tranquila, com esporádicas viagens a Paris, até que o marido descobre um caso seu da juventude.
Dominado pelo ciúmes, Roubaud traça um plano de vingança, no qual Séverine é obrigada a participar. O assassinato afasta o casal e dá espaço para que Séverine encontre um novo amor, o maquinista Jacques:
Desviando porém seus olhos do marido, encontrou os da mulher, que estampavam tão ardente súplica, um devotamento tão integral de toda a sua pessoa que ficou desconcertado. O antigo arrepio o percorreu: será que então a amava, como simplesmente se ama, sem o monstruoso desejo de destruição?
Nesse triângulo amoroso, as soluções encontradas pelo casal para se livrar do marido são cada vez mais sombrias, dignas de uma besta humana.
Como vimos, quase todas as traições terminam em tragédias! Lembrou de outros livros que poderiam entrar nessa lista? Contem para a gente nos comentários abaixo!
Tainara Machado
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3 de abril de 2017 at 21:50
Olá! De todos li apenas Dom Casmurro e sim, também acho que Capitu traiu Bentinho, ainda que a narrativa ocorra apenas sob o ponto de vista dele. Lendo o post percebi uma coisa, todas as traições terminaram com um traidor triste e não realizado, se observarmos podemos concluir que os antigos romances procuravam desincentivar esta prática. Abraço!
4 de abril de 2017 at 16:41
Oi Maria, tudo bem? Obrigada por seu comentário. Um comentário de uma leitora chamou atenção para o fato de que as grandes traições da literatura são todas cometidas por mulheres. Mais do que desincentivas, acho que há uma quebra no modelo de submissão das mulheres nessas histórias, e isso acaba sendo chocante. Quando a traição é de um personagem masculino, ela ou é supérflua para a história, ou ainda serve para tornar o homem mais “másculo”. O que você acha?
Abraços,
Tainara
5 de abril de 2017 at 18:34
Concordo Tainara que há uma quebra no modelo, mas observo que as mulheres sempre terminam de forma desfavorável após trair, ou pobres ou sozinhas ou doentes. Fica aquela sensação de moral ao final. Existem várias hipóteses para que a traição feminina fosse tão retratada, uma delas é que o escritor precisa tornar a história interessante para atrair o público e uma traição feminina nos séculos anteriores eram muito chamativas. Abraço! 😉
19 de junho de 2019 at 05:17
Recomendo A inquilina de Wildfell Hall de Anne Brontë. Um clássico maravilhoso com uma das cenas de traição mais enervantes que já li. Haja coração!